Lien escrita por Nana San


Capítulo 8
Oito


Notas iniciais do capítulo

Tempo. tempo. tempo.



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Não importa quanto tempo nós caminhávamos naquele deserto de gente. Só havia plantas e folhas e pássaros. Ichigo ficava cada dia mais calado, mais pensativo. 

Cheguei a pensar que era por falta de amigos, mas eu estava ali. Ele poderia me contar o que estava o afligindo. Não era bem um homem que compreenderia suas ausências afetivas, mas ainda assim, era um ouvido.

Falávamos na hora do treinamento, enquanto ele me dava comandos de como me comportar para me sair melhor. A espada do velho estava nos servindo, enfim. O medo já não me acompanhava mais, com excessão da angústia, que não me largava.

O 'se' era o meu pior inimigo. Quando se juntava com o pessimismo ficava ainda pior.

"E se quando chegarmos lá, não nos atenderem?", "E se ignorarem nosso pedido de ajuda?".

- Yuna. Está com uma cara tão feia. No que está pensando? - Perguntou enquanto caminhávamos. 

- Nada. Nada. - Respondi prontamente. - Só... Umas coisas.

- Você tem falado pouco. Isso é fome? Por que você não é assim. 

Não pude deixar de sorrir. Eu era mesmo uma tagarela. 

- Há ocasiões em que as palavras não se encaixam, meu irmão. 

Eu não sei por quanto tempo caminhamos, parei de contar os dias. Eu não sei se ainda tenho aparência de menina, nem se alguém poderia me ver como uma. Meus pés se moviam apenas por um motivo, algo muito, muito maior do que a vaidade.

Passamos por vilas, roubamos para nos manter vivos. Dormíamos juntos nos dias de frio sem nenhum pudor. Quem quer que fosse e estivesse nos olhando de cima para castigar não teria nenhuma moral para nos enviar para o inferno. Que discrepância. Quando precisamos de ajuda somos esquecidos, e quando pecamos somos julgados.

A justiça não pode ser conveniente para nenhum dos lados. Isso tem outro nome. 

Observar o mundo com os olhos de quem não tem é muito mais triste. Perceber que sua maior preocupação é a comida que terá de comer daqui a poucas horas é quase como viver por instinto. Quase como ser comparado a um animal. Mas nós estávamos longe disso, nós tínhamos a razão. 

E ela não nos faltaria. Não. A razão não nos faltaria com lealdade.

Numa das noites de descanso notei que Ichigo dormia segurando a espada. Talvez por segurança ou insegurança. A primeiro momento achei muito exagero, mas depois lembrei de onde estávamos. E do que poderíamos sofrer, e por uma fração de segundo, pensei que faria o mesmo.

- Yuna. - Ele perguntou enrolado nas cobertas, interrompendo meus pensamentos.

- Sim? 

- Não me deixe transformar. 

- Como?

- Não deixe o ódio tomar conta do meu coração.

- Mas irmão...

- No dia em que meus olhos estirem cegos pelo ódio, mate-me.

Suas palavras adentraram em minha carne como agulhas de gelo. Ferindo-me. E pela primeira vez, rezei. Não por submissão a qualquer ser supremo, mas pela fraqueza da carne pedi para o acaso não permitir que um dia eu tivesse que tomar essa atitude. 

Os olhos da noite se voltaram contra nós, escurecendo a terra com a mesma facilidade do fogo ao queimar açúcar. 

Naquela mesma madrugada fui acordada por uma baforada quente no rosto. Ao abrir os olhos deparei-me com uma enorme besta felina de íris amarelas. 

Não sabia se me movia, se gritava, se chamava Ichigo. Eu só tinha certeza de que eu havia tido muita sorte dela não ter me abatido ainda enquanto dormia. 

- Ichi... Ichigo... - Chamei.

A fera rosnou arreganhando os dentes brancos a um palmo do meu nariz. 

- Ichigo... Acorde. 

Escutei alguns murmurios, passos corriqueiros que evidenciava claramente homens correndo. Cutuquei Ichigo por baixo das cobertas. 

- O que você quer? - Ele perguntou grosseiramente.

- Acho melhor sairmos daqui agora! Tem um animal na minha frente e ouço barulhos de gente se aproximando.

Ele levantou num pulo, instigando a fera a atacá-lo. 

- Vá, pegue a outra espada! - Ele ordenou.

Mas antes que eu chegasse perto das trouxas senti uma picada no pescoço e minhas forças se dissipando das pernas. 

- Yuna!! - Ele gritou.

Arranquei o inseto do pescoço e tive muito ódio ao ver que não era nenhuma bosta de inseto, mas um objeto feito por mãos de pessoas, pintado e decorado com penas. O mesmo que usávamos para caçar animais. 

Oh, não. Acho que vou dormir, agora.


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