Eu não estava com assustada ou qualquer coisa assim quando respondi a intimação de Snow no dia seguinte. O que me movia era a curiosidade. O que será que ele iria querer comigo? Eu suspeitava que tivesse alguma coisa haver com Gale. Talvez eu finalmente pudesse entender o que estava se passando com meu amigo.

Quando cheguei na sala da direção, Irene e Snow já estavam esperando por mim. Snow parecia cansado, quase como se tivesse trabalhado a noite inteira. Já Irene veio até a mim, dando o melhor de seus abraços. Ela se vira para o policial com uma expressão que parece ser de profunda irritação

–Então Snow, espero que esteja ciente de que a menina é menor de idade. Você sabe que não pode interrogá-la sem a presença dos pais ou de um advogado.

–Não se preocupe, só vou fazer algumas perguntas nada de mais.

–Perguntas essas que talvez ajudem você em algo, portanto, eu vou sim ser interrogada-Respondo com o que espero seja uma voz de tédio. Quero que fique claro que ele não está lidando com nenhuma idiota desde agora.

Sou menor de idade, mas sei muito bem o que estou fazendo. Se isso tiver qualquer coisa haver com Gale ele vai saber desde já que não pode arrancar nada de mim.

–Bom tudo bem. Se você prefere ver por este lado. Só quero fazer duas perguntas, o que você sabe sobre esse garoto Gale? E você sabe onde ele andava quinta-feira passada a noite?

–Por que? Você acha que ele está envolvido em algum crime ou algo assim?

–Senhorita Everdeen, as perguntas sou eu quem faço.

–Bom, tecnicamente, não estou sendo interrogada. Senhor Snow, eu vim de muita boa vontade aqui. Vou lhe dar todas as respostas que quiser, mas acho que também tenho direito a receber algumas não é?

–Senhorita Everdeen, eu não tenho tempo a perder com brincadeiras. Este é um assunto sério. Por favor, responda as minhas perguntas.

– Então, por favor, responda as minhas. Você acha que ele está envolvido em algum crime ou algo assim? –Ele sabe que não vou responder nada enquanto eu não tiver minhas próprias respostas.

Posso ver que estou irritando o policial. Ah eu adoro isso. Ele achou que eu ia dar as respostas de mão beijada, pensou que eu fosse apenas uma garotinha assustada.

–Ok, senhora Everdeen, vou explicar a situação. Houve um roubo no hospital municipal semana passada. Um carregamento de insulina. Metade do remédio foi roubado, bem no dia em que seu amigo esteve no hospital com a mãe. Ele foi o último a sair e o motorista do caminhão deu uma descrição do suspeito muito parecida com a dele. Por isso, o que sabe sobre esse garoto, você sabe onde ele estava quinta-feira à noite?

O mundo está girando muito rápido agora. Gale realmente está com problemas. Estão suspeitando que ele é o ladrão. Ainda bem que estou sentada, se não já teria me desequilibrado. Esses anos todos escondendo minhas emoções me fizeram muito boa nisso, o que é uma sorte, assim Snow não pode ver que realmente estou assustada.

–Tudo que sei é que Gale é a pessoa mais decente que conheço, trabalha muito para ajudar a mãe a sustentar os irmãos. Para mim ele nunca faria uma coisa dessas. – O que vou fazer agora é perigoso, muito perigoso, mas não me importo. Minha segurança nunca foi uma prioridade-Além disso, ele estava comigo naquela quinta à noite. Fomos ao cinema assim que ele saiu do hospital com a mãe.

–Com você?

–Sim fomos ao cinema, assistimos “Imortais”

–Alguém pode confirmar isso?

–Só o bilheteiro, mas ele nunca ia conseguir lembrar. Não com a quantidade de gente que vai ao cinema. Meus pais não estavam em casa. Tinham saído com meus irmãos. Então também não vão poder confirmar.

–Bom, vou ter que acreditar em você senhorita Everdeen. Pelo visto você é muito leal a esse garoto. Obrigado pela ajuda. Vamos continuar as investigações.

–Ok, qualquer coisa me avise. Sabe como é, não vou querer continuar andando com um marginal não é mesmo?

–Sim, claro. Espero que tenha escolhido bem as pessoas com quem anda

–Pode apostar que sim Senhor Snow, eu sempre escolho.

Quando Saio da secretaria a primeira coisa que me vem à cabeça é achar Gale. Espero que ele consiga me explicar tudo isso. Gale nunca iria fazer uma coisa dessas. Não sem um bom motivo. Além disso, também estou preocupada com Hazelle. Gale disse que ela estava doente, mas nunca me contou que os dois tinham ido ao hospital.

Gale está com o resto do pessoal na entrada da escola. Vou ter que arranjar algum momento para ficar a sós com ele. Mas não tenho essa oportunidade até o final da aula. Meu amigo não está voltando para casa mais comigo por que passa em casa todos os dias antes de ir para o serviço, já que a mãe está doente. Então sou rápida.

–Que tal mais uma sessão de cinema esta noite?

–Katniss, é dia de semana, amanhã precisamos acordar cedo.

Não há jeito melhor de fazer isso, então vou direto ao ponto.

–Snow veio falar comigo hoje. Preciso conversar com você

Gale perde a cor, posso ver o mundo todo pesando sobre seus ombros.

–Passo na sua casa depois do serviço

–Ok, te espero lá. - Antes que ele possa ir embora eu o puxo para um abraço. Quero que ele saiba que aconteça o que acontecer estou do lado dele.

Volto para casa com Finnick e Peeta. Posso ver que os dois se entendem muito bem. Infelizmente não consegui tirar da cabeça de Finnick a história do namorado secreto, que ele inexplicavelmente acredita que seja Peeta.

–Então Katniss, vamos ao cinema hoje à tarde?

–Peeta preciso estar em casa antes da 19h.

–Não se preocupe, vamos voltar antes das 18h. Que tal? Sessão das 15h?

Aceito o convite de Peeta. Vai ser bom me esquecer um pouco dos problemas. Ir ao cinema com Peeta não é a mesma coisa que ir com Gale, a começar pelo fato de que se paga, mas mesmo assim é muito divertido.

Peeta gosta de filmes mais leves, o que não é surpreendente, mas mesmo os filmes mais bobos o garoto consegue transformar numa experiência filosófica. Ele parece gostar de cinema tanto quanto eu. O filme era um romance épico. O que para mim estava bom. Pelo menos romance épico é mais tolerável do que aquelas comédias românticas chatas.

Fomos à lanchonete depois que saímos do cinema, Peeta parecia animado. Estava sendo uma tarde realmente muito boa.

–Então Katniss, o que você foi fazer na secretaria hoje mais cedo?

–Eu? Bom, nada de mais sabe. Fui só ver uns papéis que a secretária pediu para eu verificar se estavam preenchidos corretamente.

–Sei, puxa, nossa secretária realmente deve ser incompetente. Você ficou esperando pela papelada meia hora né?

Mordo o lábio, eu não consigo enganar Peeta. Mas não posso dizer a verdade. Então escolho um meio termo.

–Peeta, eu juro não é nada- Assim que digo isso me lembro de Gale, foi essa resposta que ele me deu quando perguntei o que estava acontecendo- É apenas um problema com um amigo, eles acharam que eu podia ajudar. E alguém já disse que você é muito intrometido?

–Você está tentando se matar, então sim, tenho todo o direito de me meter. Mas ok, se você diz que está tudo bem quem sou eu para duvidar não é?

Comemos em silêncio e passamos o resto do passeio assim. Sinceramente esta intromissão de Peeta já está me dando nos nervos. Quem ele pensa que é? Desde que nos conhecemos ele age desse jeito. Nunca gostei de ninguém me protegendo, se metendo em cada detalhe da minha vida.

Quando estamos nos despedindo sinto que devo dizer alguma coisa.

–Peeta, eu sei o que está tentando, me desculpa. É só que não preciso de proteção, nem de vigilância 24 horas por dia.

–Eu sei, o que você precisa é aprender a confiar em alguém.

Ele não me dá tempo de responder, apenas vai embora. Argh esse garoto consegue me tirar do sério.

Passo a próxima hora esperando que Gale chegue. Estou ansiosa para que ele me diga o que está escondendo, para saber de que forma posso ajudá-lo. Quando ele chega à primeira coisa que faço, que consigo fazer, é abraçá-lo.

Agora sei o que eu estava temendo, o que eu não poderia suportar de jeito nenhum. Que me tirassem Gale, uma das únicas coisas boas da minha vida. Só de imaginar ele sendo preso sinto vontade de gritar e socar até que o nariz de Snow seja apenas uma mancha.

Assim que me desvencilho dele crio coragem para fazer a pergunta que não queria fazer, mas que preciso perguntar a qualquer custo.

–Gale, você realmente roubou aqueles remédios?

Gale está pálido, seus olhos castanhos estão sem brilho, posso ver que está cansado até a alma. Sua cabeça faz um movimento leve e percebo, ali naquela hora, antes que ele se mecha para responder, que a resposta é sim. Gale é o ladrão de remédios. E está em sérios apuros.