Gone Away escrita por Abi


Capítulo 1
Here I am without you.




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Alright, everything is alright
Since you came along
And before you
I had nowhere to run to
and nothing to hold on to
I came so close to giving it up
And I wonder if you know
How it feels to let you go?

O barulho da chaleira ecoou longe; distante de tudo aquilo que meus sentidos podiam desvendar naquele momento. Estar ali, e o motivo de estar ali, amordaçava-me de qualquer reação que eu pudesse ter, eu percebi emudecer minha sensibilidade. Eu estava em um estado de torpor tão grande e túrbido que nem mesmo escutei o que foi dito pela doce mulher em minha frente assim que entrei e descalcei meu sapatos. Nada do que ela pudesse dizer me interessava, pois a única urgência que meu peito suplicava no momento era ver seu filho. Abraçá-lo apertado e bagunçar seus cabelos para sentir o cheiro tão extasiante que os fios castanhos exalavam. Senti-lo perto o bastante para que jamais o deixasse escapar de meu alcance e ouvir a melodia deliciosa que era sua voz em meus ouvidos. Eu queria ver o sorriso puro e inocente que despontava com tanta facilidade nos lábios desenhados e sentir sua presença essencial, o calor adocicado de sua existência.

Murmurei um cumprimento educado antes de seguir para as escadas. Agora, ali, minhas pernas pareciam perder a força que necessitavam para subir os degraus. Eu estava com medo da confirmação, tão assustado e desacreditado que não pude prender o riso sôfrego nascente em minha garganta. Ajoelhei-me no primeiro degrau, escondendo todo o desespero transparecido quando abaixei a cabeça para fitar meus joelhos, entregue à mercê do que me fora reservado. Não queria aparecer naquele estado, pois eu sabia que minha natureza sensível me passaria uma rasteira enquanto eu tentava com tanto anseio conter o vazio que me preenchia.

Mas toda a força e vontade do mundo não seria suficiente para impedir que aquela solidão invadisse meu peito ao lembrar da mensagem. Apressado, tirei o celular do bolso e passei a encarar aquela pequena e despreocupada frase, perguntando-me se ele realmente falava sério ou se era apenas mais uma de suas pegadinhas infantis.


"Hyuk-ah, eu vou me mudar... Para longe."


Para onde? E por quê? Um ímpeto de pavor fez meu corpo retesar, grudei-me ao corrimão e em um puxão eu já estava tropeçando pelo restante das escadas, afoito por chegar em seu quarto e encontrá-lo dando risada da minha cara de surpresa. Depois de algumas lágrimas caírem de seus olhos em meio ao seu ataque de riso, ele me sorriria e pediria desculpas pela brincadeira. Esse pensamento rodou por minha mente, tentando convencer-me de que não passava de um trote, ainda que em meu coração eu sentisse uma pequena parte de Donghae desvencilhando-se lentamente, como um aviso de que era preciso acostumar-se com a dor de sua ausência. Donghae sabia que era importante para mim, só não imaginava o quanto.

Diferente do que pensei, meu corpo não travou diante de sua porta. Eu já não aguentava a agonia que aquelas palavras vagas me proporcionaram, durante minha corrida apressada até ali, elas martelaram em minha cabeça e sugaram a segurança na qual eu pisava, sufocando-me aos poucos. O trinco deslizou por minhas mãos de forma rude, sem querer, a porta foi escancarada na parede e eu fui praticamente lançado para dentro do cômodo pelo descontrole de meus passos.

Isso apenas para confirmar tudo aquilo que eu jamais gostaria de ver.

Meus olhos, tão aflitos quanto eu, percorreram o quarto organizado. Duas malas grandes repousavam sobre a cama arrumada, já cheias e devidamente fechadas. As portas abertas dos armários denunciavam os interiores completamente vazios. Segurei com esforço um pequeno falsete que ameaçou escorrer por meus lábios e os cobri com as mãos.

Ele estava ali, de costas para mim, parado diante da janela de sua sacada. Parecia olhar para algo além de onde seus olhos podiam alcançar, talvez estivesse apenas perdido em seus próprios devaneios. Mesmo com minha chegada, não fez questão de virar-se, e eu o agradeci por isso, pois não imaginava o estado em qual meu rosto poderia estar. Um frio subiu por meu interior, concentrando-se em um enorme desconforto em meu estômago. Imaginei se aquela era a sensação de estar em queda livre, pois era como eu me sentia, despencando em um vazio negro e desmesurado. Eu não podia parar aquelas sensações asfixiantes que se mesclavam, não podia me impedir de sentir aquilo que meus olhos já haviam constatado. Eu busquei por ar, deixando que o oxigênio passasse pelas fendas de meus dedos. Queria dizer algo, mas sentia-me incapaz de realizar qualquer ação que não fosse involuntária.

Ninguém faz isso. Naqueles poucos segundos, ainda sem ver seus olhos, eu cheguei à conclusão de que seus motivos deviam ser extremos, porque ninguém faz decisões tão radicais no passar de um dia. Eu era seu melhor amigo e sabia de todos os seus planos, sonhos e ambições... Por que então eu estava na penumbra sobre aquele assunto? Será que ele fazia tão pouco caso de nossa amizade a ponto de não se preocupar em me informar sobre uma mudança?

E então, lentamente, percebi que ele girava em seus calcanhares para me olhar. Tirei as mãos de meus lábios, assumindo a expressão mais neutra que pude, ainda que meu corpo tremesse de maneira tão depoente, e eu também sabia que meus olhos me trairiam assim que encontrassem com os dele. Eu jamais ficaria tão tocado com a mudança de um amigo, mas tratando-se de Donghae, e de tudo o que eu sentia por ele... Aquele era o pior pesadelo para o qual eu poderia me direcionar.

Ele tinha as mãos nos bolsos do casaco pesado que usava, e sinceramente, a expressão mais estranha e indecifrável que eu já vira em todos os longos anos ao seu lado. Apesar do fraco sorriso nos lábios, sua testa comprimia-se formando pequenas linhas de expressão. E quanto a seus olhos... Eu fugi deles. Fugi por medo do que me abateria assim que concentrasse meu olhar em suas íris escuras, e na imensidão de sentimentos que me inundavam sempre que eu dedicava-me a estudá-las. Eu normalmente sentia felicidade, euforia e aquele incômodo frequente no estômago de quando se está apaixonado. No entanto, dessa vez, aqueles sentimentos foram trocados por uma enchurrada de melancolia. Eu tive medo de ver seus olhos e não conseguir mais segurar o amor reprimido que nutria por ele.

– Hyukie... - o ouvi me chamar.

Sua voz, sempre tão aveludada e macia, perdera todos os encantos que possuía. Tornara-se vazia e machucada, trêmula e incerta, e ao chamar meu nome, soou mais como um resmungo dolorido. Eu queria evitar o encontro de nossos olhos, mas foi impossível negar a nós mesmos o contato que tanto precisávamos.

Ergui o rosto, decidido, olhando-o fundo e tão intensamente quanto se desejasse sugar sua alma. Mas ele logo fugiu de mim, encarando os próprios tênis. Ele realmente me faria pedir por explicações? Não era óbvio que todo o meu desespero em chegar a sua casa minutos depois de receber a mensagem era um espelho de minha confusão? Eu queria saber o porquê, eu queria dar-lhe soluções, ampará-lo independente de qual fosse o motivo. Eu queria que ele percebesse quão lúgubre sua partida seria. Queria que ele soubesse que, sem sua presença ao meu lado, parte de mim morreria, e meus caminhos e planos traçados em paralelo com Donghae simplesmente se desmanchariam. O que eu faria depois dali?

– Hae... O que... O que é isso? - eu perguntei, reunindo esforços não meus para que aquilo soasse coerente. Eu sabia que o nó em minha garganta não me deixaria ir muito longe sem chorar, mas queria adiar ao máximo aquele constrangimento.

Afinal, Donghae não sabia e jamais saberia sobre como eu realmente o queria. Eu tomei a decisão sensata de tê-lo apenas como amigo ao invés de contar-lhe algo com o qual ele talvez não soubesse lidar. Todos aqueles anos eu engoli a força meus sentimentos, preferindo ser apenas seu amigo. O mais simples pensamento de que ele poderia afastar-se de mim por culpa de um amor qual eu não era capaz de refrear me deixava doente. E agora... Ele estava me deixando de qualquer forma, e eu já não sabia se toda a dor e angústia causada por aquele segredo havia realmente valido a pena.

Mas ao ver seu rosto novamente eu tive minha confirmação: Havia valido a pena. Cada lágrima silenciosa, cada soluço de frustração. Mesmo que ele não estivesse ali, mesmo que o frio e a solidão de sua ausência me atormentassem todos os dias, eu teria em meu coração as lembranças e os momentos que vivi ao seu lado. Eu teria, sempre vívidos em minha memória, os abraços e sorrisos que trocamos, os olhares de cumplicidade. Eu escutaria sempre tão real a sua risada gostosa acariciando meus ouvidos e sentiria o calor genuíno de sua pele. Mesmo longe, eu sabia que o sentiria perto como se jamais tivesse ido, pois eu estava ligado a ele por um laço irrompível.

Eu amava cada pequeno pedaço seu, mais do que amava a mim mesmo, e talvez seja por isso que não hesitei em correr para vê-lo mesmo quando eu deveria estar chateado por ser o último a saber. Eu amava cada um de seus defeitos, cada uma de suas manias que o faziam único, eu o amava exatamente do jeito que era, e fazia isso do jeito mais puro que pude imaginar existir, pois não desejava dele mais nada além da presença diária em minha vida. Nunca cometi o erro de idealizá-lo, eu o conheci cruamente como era, e a consequência disso foi a falta de decepções que tive convivendo com ele. Donghae nunca me desapontara, nunca me iludira, e sua maneira autêntica de ser apenas me encantava e seduzia cada vez mais. Eu desejava dele cada migalha que pudesse me oferecer.

Sem perceber, eu já não tinha saída a não ser amá-lo com todo o meu coração e admirá-lo com toda a minha devoção. Donghae fora a pessoa mais incrível que meu destino me reservou, e por isso, eu só tinha a agradecer. Simplesmente conhecê-lo era uma dádiva.

– Eu vou me mudar, Hyuk-ah... - murmurou, e apesar dos olhos secos, sua voz parecia chorar.

Eu quis tomá-lo em meus braços e dizer que estava tudo bem, mesmo sem saber os motivos ou o porquê de estar tão abatido, mas o máximo que pude fazer foi apertar com todas as minhas forças o tecido de meu casaco, impedindo-me de ir até ele. Donghae não se importaria em receber um abraço e um carinho meu, eu tinha certeza disso. Porém, eu sabia que se por ventura o prendesse em meus braços, eu talvez jamais o deixaria ir. Se eu o abraçasse agora, o pouco de sanidade que me restava desabaria por fim. Eu queria que nosso último momento juntos fosse algo de que ele poderia se lembrar com alegria.

– Para onde? - perguntei, irrequieto. - Por quê?

– Eu achei que seria bom morar com meu irmão por um tempo. - explicou ele, apertando a barra de seu casaco impacientemente. - Conhecer um lugar novo, pessoas novas...

Eu senti vontade de rir. Então era apenas isso.

É difícil acreditar quão cegos nos tornamos quando amamos alguém. Eu passei a achar que fosse tão importante para Donghae quanto ele era para mim, e só então percebera que não podia cobrar sentimento algum de sua parte. Não era porque eu jamais sairia de seu lado que ele não podia fazer o mesmo.

– Eu acho que é uma grande ideia. - o incentivei, sentindo cada uma de minhas palavras escoriando minha garganta, embebidas em minha falsidade.

– Sim, eu sempre tive vontade de conhecer a Europa. Meu irmão me matriculou em um ótimo colégio para que eu termine o terceiro ano.

Por que ele mentia? Por que eu via tão claro em seu rosto que ele não dava a mínima para a Europa? Por que seus olhos continuavam fugindo dos meus? Por que, de alguma forma, eu sentia que Donghae escondia algo de mim?

Naquele momento, eu já não sabia mais o que dizer, então apenas permaneci em silêncio. Nenhuma de minhas palavras seria capaz de fazê-lo desistir, nada do que eu pudesse falar o faria ficar perto de mim. Não sobrou-me nada além da necessidade de aceitar que Donghae escorregava por meus dedos, para tão longe de mim, e a urgência de combater a imagem assustadora e aterrorizante de um futuro sem ele. Eu entendi que não podia mais usá-lo como apoio para tudo o que quisesse construir dali em diante, eu entendi que o caminho seria mais solitário e escuro, mas ainda assim era preciso continuar.

Fiz o melhor que pude, esboçando o sorriso mais decente que minha falta de vontade permitiu, e assim que senti seus olhos presos em mim, ergui o rosto. Ele mordia os lábios com furor, parecendo segurar uma infinidade de coisas que desejava sofrear.

Eu já não podia conter as vontades que me invadiam, e nem queria. Em meu último momento consigo, eu realmente deixei de pensar no que era certo ou errado, no que o agradaria ou não. A necessidade de tocá-lo era tão sufocante quanto o implorar incessante em meu peito, rezando para que ele de repente desistisse de tudo aquilo, para que ele percebesse a dimensão que sua escolha teria em minha vida. Eu precisava de Donghae assim como um dependente precisa de sua droga, e ainda que eu dissesse que seguiria sem ele, eu realmente não imaginava quão negro podia ser o próximo dia.

Aproximei-me intencionalmente, e assim que percebeu isso, Donghae lançou-se em meus braços como se precisasse daquilo tanto quanto eu. O recebi, apertando-o sem piedade, tentando com todas as forças transmitir naquele carinho o quanto eu sentiria sua falta. Senti seus braços circundando-me a cintura, puxando-me contra si como se planejasse fundir-nos em um só, e eu apenas devolvi o seu pedido com a mesma premência. Se pudesse trocar todos os dias restantes de minha vida por apenas algumas horas abraçado a ele, se eu pudesse congelar o tempo e gastar cada um de meus segundos restantes com Donghae seguro próximo a mim. Eu não hesitaria se tivesse escolha.

– Hyukie... - ouvi novamente, sua voz levemente embargada misturando-se a um choramingo triste. Ouvi-lo soar tão machucado era, para mim, um dos piores venenos do mundo, que corroía-me por dentro e torturava-me lentamente.

Desejei tampar os ouvidos para não escutá-lo mais, pois eu tinha certeza que aquela voz ferida levaria-me às lágrimas. Acariciei seus cabelos com uma de minhas mãos, e incentivado, ele aninhou-se em meu peito, carente de meus carinhos. Deslizei minha outra mão por suas costas, desejando poder acalmar qualquer pequeno desconforto que o afligisse, tomar para mim qualquer resquício de dor que pudesse atormentá-lo.

– Eu te amo, Hyukie.

O sangue que corria aflito por minhas veias pareceu desacelerar como se desistisse de irrigar-me, carregando-me a um estado de indolência tão grande que eu pensei ser capaz de ajoelhar-me ali mesmo por falta de força nos joelhos. A arritmia que assolava meu coração doente simplesmente desapareceu, arrastando-o vagarosamente a inércia. Precisei lembrar de respirar, e ensinar meus pulmões a buscar por ar. Não era a primeira vez que eu escutava isso, mas era a primeira vez que eu sentia toda a verdade por trás de suas palavras.

Eu parecia tocar cada traço de sua declaração; o doce degustar de seu coração disparado contra o meu, o cheiro com poder ébrio que desprendia-se de cada centímetro de Donghae. A voz melodiosa e tépida com qual disse as três palavras que eu mais gostava de ouvir.

Mas naquele instante, ouvi-lo dizer que me amava não trouxe aquela onda de felicidade que eu esperava sentir chocando-se contra mim. Um esmorecimento fez algo arder por dentro.

Era tarde para pedir que ele não dissesse aquilo. Era tarde para fingir que eu não o havia escutado, pois meu corpo inteiro reagia às suas palavras. Era tarde para revogar seu efeito sobre mim, e a desilusão que aquela frase me causara.

– Eu também te amo, Hae. - vencido, tratei de responder, surpreso por perceber que o início de meu choro atropelava minhas palavras.

O choro coibido aflorou tímido, escapando quase silenciosamente por meus lábios, mas a quietude do quarto não deixava que sua melopeia melancólica passasse despercebida. Anunciei, rendido, que chorava, fungando o perfume de seus cabelos enquanto beijava-lhe o topo da cabeça. A umidade de minhas lágrimas tomavam aos poucos os fios macios, escorrendo vagarosas por minhas bochechas. Eu desejava limpá-las e esconder de mim mesmo a maior prova de minha míngua, mas soltar Donghae seria ainda mais doloroso e desesperador.

– Mas você... - começou ele, soltando-se aos poucos de mim, por mais que sentisse a resistência de meus braços. Donghae deu um passo para trás, decidido a me olhar. Estudava meu estado vergonhoso, e eu sentia seus olhos cravados em meu rosto molhado. - O amor que você sente por mim é diferente do amor que eu sinto por você. - concluiu ele.

Eu não pude segurar o choque que apoderou-se de mim por alguns milésimos, e por mais sutil que o arregalar de meus olhos pudesse ter sido, eu sabia que Donghae havia observado tudo; desde o delicado pavor que cruzou meu rosto, até a tentativa frustrada de parecer desentendido. Procurei qualquer objeto em qual pudesse prender minha atenção, nervoso e assustado demais para olhá-lo nos olhos.

Nem em meus mais distantes sonhos, nem em meus mais profundos desejos ou minhas mais desconexas divagações eu poderia imaginar que um dia Donghae saberia sobre meus sentimentos. Ouvi-lo dizer aquilo foi como se alguém retirasse minhas roupas, deixando-me completamente desnudo e vulnerável, como se fosse eu o culpado pelo crime mais sujo já cometido. Eu jamais planejei que ele descobrisse sobre o tipo de amor que eu guardava, pois eu nunca queria ver em seu rosto uma expressão de desconforto dirigida a mim. Imaginar que Donghae podia começar a estranhar minha presença era o maior de meus medos.

Mas agora tudo estava exposto. Ele nem sequer questionou; suas palavras foram firmes e decididas, apesar de não trazer nenhum tom de acusação. Donghae, de alguma forma, descobrira o que eu tentava esconder com tanto esforço, e eu não seria covarde e submisso a ponto de negar. Estava, de fato, cansado de carregar sozinho o fardo de adorá-lo, estava farto de surportar aquela paixão sem ter uma pessoa com quem eu pudesse desabafar. E também... Donghae estava partindo sem data certa para voltar. Era minha única e talvez última chance.

Engoli seco, e minha saliva desceu incômoda como ácido queimando a pele. Fechei os olhos, pensando no que eu poderia dizer. Ele provavelmente sentia-se enojado em recordar todas as vezes em que nos abraçamos, todas as vezes que acabamos por dormir na mesma cama. Eu não podia culpá-lo por sentir-se assim.

– Sim... - confessei, temeroso. Tive medo de abrir os olhos e conhecer a expressão que ele assumia. Tive medo de confirmar, novamente naquele dia, algo que eu não gostaria de ver.

– Eu sabia... - rebateu ele, soltando um profundo suspiro. - Está surpreso?

A sua pequena risada obrigou-me a abrir os olhos, pois a minha curiosidade ainda era maior do que meu medo. Eu queria saber porque ele ria baixinho, cruzando os braços sobre o peito, cobrindo a boca com uma de suas mãos fechadas como sempre fazia quando estava encabulado. Ao contrário do que pensei, Donghae não parecia incomodado.

– Um pouco... Eu não esperava por isso tão de repente.

Ele novamente riu, e eu reconheci em seus lábios trêmulos a sua típica risada nervosa. Por mais tranquilo que Donghae pretendesse parecer, agora eu tinha certeza de que estava inquieto por algum motivo.

Não havia como voltar atrás e recolher as palavras ditas, eu nada podia fazer para mudar a sensação que ele provavelmente sentia no momento. Medo, nojo, repulsa... Seu rosto era impossível de ler, e eu não possuía a coragem necessaria para perguntar se ele estava assustado comigo, pois já imaginava a resposta. Por mais gentil e afável que fosse sua personalidade, eu não o julgava se reagisse mal ao ouvir uma verdade daquelas depois de tantos anos de amizade. Por mais benevolente que Donghae fosse, eu não tinha direito de pedir por sua compreensão.

– Eu entendo, Hyuk, não é culpa sua... Eu tinha certeza, mas antes de ir embora, algo dentro de mim pedia para que eu confirmasse. - comentou ele, finalmente erguendo o rosto. Eu já não sabia se me julgava para bem ou mal agora que seu rosto transformara-se em uma máscara dura e impassível.

"Antes de ir embora"

As palavras de Donghae exerciam sobre mim um efeito tão gigantesco que eu não estranharia se simplesmente começasse a obedecer ao som de sua voz como um animal obedece ao seu dono. Eu estava sob seu comando, encantado demais para poder olhar por mim mesmo. Ele entendia que não era culpa minha, e sim de meu coração traiçoeiro que escolheu, dentre todas as pessoas, a mais inalcançável.

– Você se importaria se eu te abraçasse? - perguntou tímido, agarrando-se novamente a barra de seu casaco. - É estranho eu perguntar isso, porque normalmente eu simplesmente te abraçaria... Mas não sei como você se sente agora. Eu só gostaria que você me prometesse que as coisas entre nós jamais vão mudar, Hyuk. Não importa quanto tempo passe ou quão distante eu esteja, eu o sentirei em todos os lugares.

Aquela foi sem dúvida uma das coisas mais bonitas que eu presenciei em minha vida. Donghae parecia lutar contra as lágrimas, mas assim como eu, o choro começara a devorar as palavras, e por fim, seus olhos marejados acabaram por transbordar adoravelmente. Eu não gostava de vê-lo chorar, mas a sinceridade com qual o fazia, e as coisas que dizia olhando tão fixamente em meus olhos fez com que eu sentisse uma ponta de esperança em nosso relacionamento. Eu não o perdera como amigo, ele na verdade parecia não dar importância para aquela questão, e saber que ele pensaria em mim assim como eu pensaria nele era tão aconchegante quanto um abraço ou um sorriso seu.

Ele estava mais perto agora, então apenas precisei puxá-lo pelo braço, aninhando-o novamente em meu peito. Apesar de tudo estar tão claro, Donghae sabendo a verdade, aceitando-a como se fosse apenas um segredo fútil entre amigos, eu ainda sentia como se uma lacuna estivesse vazia. Seu choro imerso em lamúria, o quase desespero com qual agarrava-se a minha cintura; agora era ele quem parecia não querer ir embora, as palavras de momentos antes... Havia mais por trás daquelas paredes do que eu podia ver.

O olhei por um segundo. Estava de olhos fechados, chorando baixo como eu mesmo fizera. Eu sentia suas mãos apertando com força o tecido de meu moletom como se com aquilo refreasse os soluços que ameaçavam deixar sua garganta. Eu novamente alisei seus cabelos carinhosamente, confortando-o.

– As coisas jamais vão mudar entre nós se depender de mim, Hae. É uma promessa. - eu murmurei com dificuldade. - Você não imagina a falta que me fará.

Mordi o lábio inferior com pressa, segurando o choro que novamente ameaçava sinfonizar pelo quarto. Não sei ao certo quanto tempo se passou, mas eu o mantive em meus braços até que parasse de chorar, o que era difícil de acontecer uma vez que começasse. Quando nos soltamos, Donghae possuía em seu rosto uma das expressões mais lôbregas que eu já havia presenciado. Surpreso, eu arrisquei um sorriso, limpando com o indicador uma das lágrimas que corriam pelas maçãs de seu rosto.

– É hora de ir. - avisou ele.


Vê-lo ir era como uma sentença de eterna infelicidade. Em meio a névoa e o breu que sua partida me deixara, eu estava cego para as luzes que me eram oferecidas. O caminho que me sobrara era tempestuoso e desafiador, e eu sentia-me sempre trôpego e incompleto. Donghae nunca fora a parte que me completava. Ele era simplesmente a adição de clímax em toda a minha vida. Donghae era o tempero que eu precisava para achar graça nas coisas, e com ele longe, tudo parecia extremamente metódico e entediante.

A saudade nunca vai embora, mas nós nos acostumamos com a ausência. A dor nunca deixa de incomodar, mas nós nos acostumamos com o sofrimento. A tristeza nunca some, mas nós aprendemos a sorrir. E assim, eu crescia aprendendo a manobrar tudo o que a necessidade de tê-lo perto me sentenciava. Eu já caminhava com minhas pernas, cada dia mais forte e direcionado, e por mais que as vezes tropeçasse em minhas lembranças, com a ajuda do futuro por vir eu podia me levantar. Com o apoio da promessa de nunca mudar, não importava onde estivéssemos, eu era capaz de trilhar o caminho sem Donghae.

Era um sábado chuvoso quando esgueirei-me para a loja de conveniências, mais escapando do temporal do que realmente interessado em comprar alguma coisa. Aproveitei a oportunidade para levar algumas coisas que podiam ser úteis no ócio de um final de semana. Enquanto eu escolhia sem interesse por um sabor de macarrão instantâneo, senti passar por mim uma brisa que carregava consigo um cheiro familiar.

Eu não pude deixar de sorrir. Virei-me afoito, estampando um sorriso genuíno ao vê-la parada ali em minha frente. Esqueci da vergonha de nunca tê-la visitado depois da partida de seu filho, eu estava contente demais para lembrar dos detalhes secundários. Recebi um abraço caloroso, e ao ver seu sorriso, uma pontada latejou em meu peito.

– Hyukjae, como você está grande! - refletiu ela, colocando uma de suas mãos sobre a boca aberta em espanto. - O tempo passa tão depressa...

– E você continua linda, Sra. Lee. - eu disse, dando risada de seu comentário. - É verdade. Desculpe por não visitá-la, eu estou ocupado demais com a faculdade. Tem falado com Donghae?

Eu tentava fechar os olhos para a dor remanescente que dizer seu nome me causava.

– Vocês já estão na faculdade, isso me faz parecer tão velha! - ela deu uma risada, segurando uma de minhas mãos. Sorria-me orgulhosa como uma mãe. - Ele está com as mesmas desculpas, ocupado com a faculdade! Vocês tem conversado?

– Raramente. É difícil por causa do fuso, além de todo o tempo que os estudos têm nos tomado. - eu torci meus lábios, lamentando.

– Donghae sempre diz que sente muito a sua falta. - confessou ela, parecendo achar bobagem o seu próprio comentário. - Se vocês não fossem melhores amigos, eu poderia jurar que foi por sua causa que ele decidiu ir morar com o irmão... - Sra. Lee riu, limpando o canto dos próprios olhos após lacrimejarem um pouco.

– Do que... Do que você está falando, Sra. Lee? - eu forcei um sorriso.

– Ora, que memória ruim, Hyukjae! O motivo pelo qual Donghae decidiu morar com o irmão! Eu estou brincando, sei que vocês são grandes amigos, apesar de até hoje não saber de quem se trata.

– Na verdade Donghae e eu nunca conversamos sobre isso. - eu expliquei, dando-lhe a entender que eu desejava saber do resto.

No entanto, algo em mim insistia que era melhor não saber.

– Aquela história besta de adolescentes... Na minha opinião Donghae pensou que nós não deixaríamos ele morar fora, por isso inventou essa besteira. Certa noite, enquanto conversávamos, ele começou a chorar e disse que gostaria de morar fora para esquecer uma pessoa, ele disse que tinha certeza que jamais poderia tê-la.


"O amor que você sente por mim é diferente do amor que eu sinto por você."


– Eu achei ótimo, pois sempre quis que Donghae tivesse interesse em estudar fora, mas até aquele dia ele jamais disse nada sobre o assunto.


"Está surpreso?"


– Eu perguntei quem ele desejava tanto esquecer, e o porquê...


"Eu entendo, Hyuk, não é culpa sua... Eu tinha certeza, mas antes de ir embora, algo dentro de mim pedia para que eu confirmasse."

– Mas ele apenas disse que era um segredo.


"Você se importaria se eu te abraçasse?"


– Eu sei que era apenas uma paixão de adolescente, mas o levei a sério já que ele estava tão decidido. Donghae arrumou tudo, e no dia da viagem, ele disse que precisava só de uma confirmação. - ela riu das memórias. - Donghae leva tudo tão a sério! Mas no fim, eu agradeço essa garota, afinal, ele terá um futuro brilhante assim como o irmão. Esses meninos! - Sra. Lee massageou meus ombros, trocando sua expressão de repente. - Hyukjae, por que está tão pálido? Você está bem?

Eu escutava o eco de sua voz ricochetear minha cabeça e a imagem de seu rosto preocupado tornou-se um borrão distante. Minha mente pedia para que eu me retirasse e recusasse entender aquelas palavras, meu bom senso ordenava-me a não dar atenção àquela história. Tudo não passava de uma coincidência. Não era possível que eu houvesse confundido tudo. Não era possível que eu tivesse rejeitado os sentimentos de Donghae sem saber.

Eu deixei a loja, dispensando o guarda-chuva que me esperava ao lado da porta, e sai para a chuva torrencial. Seus olhos preencheram meus pensamentos. Era essa a lacuna que eu não conseguia completar? Era essa a verdade que eu não consegui ver? A de que Donghae falava de si mesmo, não de mim? Fora eu então o sentenciador de meu próprio sofrimento e amargura? Eu mesmo prendera-me àqueles infelizes dois anos?

Encolhi-me ao sentir os pingos frios encharcando minha roupa e a lembrança de seu calor tomou vida, aquecendo minha pele como se estivesse ao meu lado. Ao perceber que não possuía destino, entreguei-me a falência de meus pulmões e ao fraquejar que assolou meus joelhos, e só percebi que chorava quando senti o salgado de minhas lágrimas misturando-se as gotas da chuva. Seu gosto era acre, amargo, e cada uma delas que eu provava na beira de meus lábios era como uma dose de pesar por minhas falhas, um sopro de remorso que parecia dilacerar meu coração a recém sadio.

Arrependimento não era o bastante para descrever a intensidade do que eu sentia. O desespero vão de saber que agora tudo podia ser diferente. O desamparo cruel de saber que eu podia tê-lo como meu, o desarrimo de saber que por culpa minha, Donghae decidira isolar-se e procurar superar um amor que, sem saber, era completa e totalmente correspondido. Como eu poderia um dia redimir-me por condenar-nos a tristeza da separação quando eu o desejava tanto quanto ele a mim?

Eu conheci da maneira mais fria e atroz o verdadeiro significado da expressão tarde demais.

Era tarde demais para pedir que voltasse. Era tarde demais para explicar-lhe que eu compreendera errado quando disse que eu o amava de um jeito diferente. Era tarde demais para declarar-me, pois eu já havia renegado os seus sentimentos, e eu não podia dar-me o direito de interromper sua vida por culpa de minhas lamentações. Donghae estava feliz, buscando o novo horizonte que as oportunidades lhe ofereceriam, construindo os próprios degraus. E eu, que pensei fazer o mesmo, acabava de me deparar com a mais bárbara realidade: Meus degraus desmoronaram sob meus pés, jogando-me novamente para o início do árduo caminho que percorri.

Mesmo tentando desvencilhar-me, eu já fora tragado. Não pude conter meus pensamentos e deixar de imaginar como seria ter a oportunidade de fazê-lo feliz todos os dias.

Eu imaginei o que Donghae fazia no momento, e se ele ainda sentia minha essência como disse que faria. Imaginei se ainda havia algum resto de sentimento enterrado por mim. Imaginei se, quando voltasse, ainda existiria um espaço meu.

Imaginei como seria ver seus olhos novamente, e poder de fato sentir a textura macia de sua pele. Imaginei se o seu cheiro continuaria tão entorpecente e enlouquecedor, se o sorriso ingênuo ainda existiria em seus lábios de homem feito. Se voltasse, tentei imaginar qual seria a primeira coisa que eu lhe diria, e qual o sentimento que dominaria-me ao ver seu rosto...

Isso se voltasse...



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Notas finais do capítulo

Ficou um pouco (muito) comprida pra ser uma One-shot, não é? rs. Desculpem sobre isso.
Eu espero que o que aconteceu tenha ficado claro, afinal, como eu disse, eu sou péssima em expressar o que quero dizer.
Bem, é isso, uma One-shot bem bobinha.
Obrigada se alguém leu! ♥



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