A luz pálida e acalentadora invadia o quarto de Nadeshiko, com os primeiros raios de sol entrando pelas frestas da janela, mas ainda assim ela não acordou, e nem o garoto dormindo ao seu lado, abraçado à ela. Contudo, uma outra pessoa acordou primeiro do que eles, e pretendia adentrar o quarto onde o jovem casal repousava, mas encontrava-se em um sério dilema. Por fim, a pessoa abriu a porta alguns centímetros, sem sequer espiar lá dentro, e perguntou:

– E então, Rhythm? Qual a situação?
– Bem, eles estão dormindo... acho que não tem nada demais pra você se preocupar, Nagi - o Chara do garoto respondeu, espiando pela fresta aberta da porta
– Ano nee... você sabe que o "seu nada de mais" é bem diferente do "meu nada de mais", não sabe? - o garoto lhe lembrou - Então informe as coisas sob o meu ponto de vista!
– Certo, certo - o pequeno Chara espiou pela porta de novo - Como eu disse, eles estão só dormindo... e estão vestidos normalmente, você não precisa se preocupar
– E eles estão... sabe... m-muito perto um do outro?
– Bem, eles estão abraçados, então acho que si...
– Eles o que??? - em um impulso, Nagihiko espiou pela porta também, mas desviou os olhos quase que imediatamente - Droga, por que eu tenho que passar por essas coisas afinal?! Posso matar eles Rhythm??
– Você sabe que não pode fazer isso! - o Chara riu, com uma gota na cabeça
– Tá, então eu mato só o Hotori
– Se você fizer isso a sua irmã te mata com aquela Naginata dela - Rhythm falou meio agourento
– Droga, tem razão - Nagihiko bufou - Então... vai lá e acorda eles pra mim, Rhythm
– Quê?! Não posso fazer isso, olha o meu tamanho! - o Chara apontou para si mesmo - Sou pequeno demais pra conseguir acordar eles, você vai ter que entrar, Nagi!
– Maldição... por que eu tenho que passar por essas situações, hein?! Que droga! - ele praguejou - Tudo bem, eu entro. Mas vou acordá-los do meu jeito!

Nagihiko foi até a cozinha, pegou alguma coisa, depois voltou e, respirando fundo para tomar coragem, adentrou o quarto da irmã.

– Droga... eu realmente quero matar o Hotori agora - o garoto murmurou, deparando-se com a cena
– Psiiu! Fale baixo, se ele acordar agora, não vai ter graça! - seu Chara sussurrou
– E eu aqui pensando que você ia me dizer pra não fazer isso... por um momento esqueci o quanto você é barraqueiro - Nagihiko comentou com uma gota na cabeça - Bem, é hora da minha irmãzinha inconsequente pagar pela preocupação que me fez sentir. Um, dois, três, e já!

Nadeshiko e Tadase, ao mesmo tempo, tiveram a impressão de terem sido jogados no oceano de repente. E, ainda que soubessem nadar, sentiram como se estivessem se afogando. A Rainha despertou primeiro do "pesadelo do afogamento" e, sentando-se em um movimento rápido, por ter sido acordada tão bruscamente, começou a tossir e a cuspir um bocado de água fria que ela podia jurar que havia escapado do sonho dela. Até se dar conta de que seu irmão estava parado de frente para ela, segurando um balde de água, agora vazio.

– Cof, cof, cof! N-Nagi... o que... cof, cof! O q-que você...
– Ohayou, minha irmã irresponsável - ele cumprimetou com uma cara de poucos amigos - Não pretendia esconder o fato de que passou a noite com seu namorado me usando como álibi? Não vai poder fazer isso se dormir por muito mais tempo, a mamãe deve acordar a qualquer momento
– Cof, cof, cof! Q-Que é isso... foi ele quem jogou água na gente? - Tadase indagou, também acordando, esfregando os olhos sonolento - Que susto... por um momento cheguei a pensar que o meu sonho de estar andando na prancha de um navio pirata e cair no mar era verdade...
– Que sonho mais criativo o seu, Hotori - Nagihiko comentou com uma gota na cabeça
– Droga, Nagi, não precisava ter jogado água fria na gente... não podia nos acordar de um jeito mais normal não? Francamente, primeiro aquela chuva de ontem, agora isso... desse jeito ficarei mesmo gripada - a garota resmungou, tentando enxugar a água do rosto com as mãos
– Ora, é melhor do que você, que cisma em me acordar usando o Chara Change! - o Valete rebateu
– Foi só uma vez, e já faz muito tempo, não seja rancoroso, Nagi - ela murmurou, foçando-se a se levantar
– Sim, uma vez que foi o suficiente pra me traumatizar - ele respondeu, sentindo um calafrio só de lembrar - Bem, que seja. Levantem logo, seus pervertidos preguiçosos. Adoraria quebrar a cara dos dois agora, mas, por maior que seja a raiva que estou sentindo, você sabe que, se a mamãe descobrir sobre isso, será mil vezes pior, não sabe, Naddy?
– Sim... sei disso - ela respondeu sonolenta, ouvindo apenas metade do que o irmão dizia, agora de pé diante da escrivaninha enquanto se penteava
– Pois não parece que sabe - o Valete falou erguendo uma sombrancelha - Vamos, se apresse garota, estou morrendo de fome! Já acordei vocês, não pense que também vou preparar o café pra vocês não, viu?!
– Hai, hai... pode deixar que eu faço isso - ela respondeu, terminando de prender os cabelos - Então, vou fazer alguma coisa pra gente comer. Tadase-kun, seria melhor você recolocar seu uniforme da escola, já deve estar seco à uma hora dessas - Nadeshiko falou, à porta do quarto - E Nagi... obrigada por vir acordar a gente. Se a mamãe nos visse seria realmente ruim, então... obrigada pela ajuda - ela saiu do quarto, ainda meio sonolenta, dirigindo-se à cozinha
– Etto... Fujisaki-kun? - Tadase chamou hesitante, enquanto o Valete ainda encarava a porta pela qual a irmã desaparecera - Você ainda está zangado?
– Vou pegar o seu uniforme. Você diz que passou aqui pra acompanhar a Naddy até a escola. Ninguém precisa saber que você dormiu aqui - foi tudo que Nagihiko disse, saindo do quarto em seguida
– Ele está morrendo de raiva de você - Rhythm falou depois que o dono saiu - Mesmo sabendo que você não é má pessoa, ele tem ciúmes da irmã, e tenta protegê-la, sabe... ele fez um esforço enome pra se controlar e não arrebentar sua cara quando entrou aqui e viu vocês dormindo juntos! Mas, a Nadeshiko sempre consegue controlar a raiva dele de algum jeito, então você não precisa se preocupar
– Sei... não posso dizer que entendo isso, já que não tenho irmã. Mas... parece ser difícil mesmo - Tadase admitiu.

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Depois daquela confusão matinal, Nadeshiko conseguiu driblar os demais obstáculos, e a manhã seguiu tão normal quanto uma manhã com Hotori Tadase em sua casa poderia seguir. Aparentemente, sua mãe não percebeu que o Rei havia passado a noite no quarto da filha e, se percebeu, não falou nada. Nagihiko engoliu seu café da manhã o mais depressa que pôde e rumou para a escola antes dois dois, dizendo que "não queria presenciar cenas melosas logo de manhã cedo". Nadeshiko e Tadase também saíram alguns minutos depois, andando um pouco mais devagar do que o normal para não encontrarem com o Valete pelo caminho. Felizmente, a chuva do dia anterior havia dado uma trégua, de modo que eles não precisavam sair correndo feito uns desesperados, sem se abrigar embaixo de cada telhado das lojas pelo caminho.

Tudo parecia estar indo bem. Contudo, parecia que a pequena aventura do Rei e da Rainha não permaneceria em segredo por muito mais tempo...

– Ei, Naddy... por que está com essa carinha tão feliz, hein?? Ganhou algum presente ou coisa do tipo, foi?? - Yaya perguntou durante a reunião no Royal Garden daquela tarde, observando o sorriso que a Rainha não conseguia parar de exibir
– Hein?! C-Claro que não, Yaya-chan, é impressão sua! - Nadeshiko tentou desconversar, sem sucesso, e corando um pouco
– Impressão, sei - Yaya desviou os olhos astutos da amiga na direção do Rei, que também havia corado um pouco - Humm... a Naddy está sorrindo feito uma boba-alegre... o Tadase está todo vermelho e com uma cara de quem fez besteira e está tentando esconder isso dos outros... e o Nagi está mal-humorado desde cedo, e com uma cara de quem quer matar alguém... - a Às murmurava para si mesma, rapidamente juntando as "pistas" em sua cabeça, que trabalhava depressa - Já sei! O Tadase e a Naddy devem ter feito alguma besteira realmente indecente e o Nagi viu tudo, e por isso está zangado!! - ela exclamou triunfante, apontando dramaticamente para os três.

O efeito foi instantâneo: Nadeshiko derrubou a pilha de papéis que trazia da sala de arquivos, fazendo com que os vários formulários saíssem da ordem e se espalhassem pelo chão, entrando em estado de choque; Tadase corou até a raíz dos cabelos loiros, tentando gaguejar alguma coisa incompreensível mas, vendo que não conseguiria dizer nada, logo se calou; E a expressão facial de Nagihiko passou de mal-humorado para furioso. Ele fez um movimento involuntário com uma das mãos, como se estivesse tentando apertar o pescoço de uma pessoa invisível.

– Acertei? Acertei mesmo?? Kyaaaa não acredito! E olha que a Yaya só estava chutando, hein?! Hahahahahaha!! - a Às caiu na gargalhada ao perceber que acertara em cheio
– Sugoi... como você faz essas coisas?! - Amu exclamou impressionada - Você deveria ser uma vidente, Yaya, é sério!!
– Ahahahahaha é impressionante o faro que a Yaya tem pra esse tipo de coisa! Não erra uma, é incrível! - riu-se Kukai, também admirado
– Ahh mas agora fiquei curiosa, o que será que eles fizeram? - Amu indagou
– Excelente pergunta, Amu-chi! - Yaya exclamou, apontando para a Coringa - Vamos lá vocês dois, desembuchem! O que foi que vocês fizeram de tão grave pra deixar nosso Valete tão zangado à ponto de querer matar alguém, hein??
– N-Nã-Não é da sua conta, Yaya-chan! A-Agora chega de falar nisso, e me ajude a juntar esses papéis, eu derrubei eles por sua causa! - Nadeshiko exclamou, se abaixando para pegar os relatórios que deixara cair
– Ehh nada disso, juntar papéis é chato! Yaya só vai ajudar se você responder minha pergunta, Naddy!
– Demo nee Yaya... se ela falou "não é da sua conta" é por que algo realmente aconteceu, não é? - Kukai observou, com um sorriso maldoso nos lábios
– Ohh! Excelente observação, meu caro! - a Às exclamou, erguendo um punho no ar de tanta animação - Ahhh por favor, me conta o que vocês fizeram Naddyyyy!!
– Mas nem em um milhão de anos! - a Rainha exclamou, sentindo o rosto esquentar cada vez mais
– Bom, então... por que Sua Majestade o Rei não nos dá mais detalhes sobre esse assunto, hein? - Yaya olhou fixamente para Tadase, mudandoo alvo do seu interrogatório
– Q-Que tal a gente sair mais cedo hoje, hein?! Temos trabalhado muito ultimamente, sair mais cedo um dia não vai fazer diferença, vamos! - o garoto desconversou, começando a juntar suas coisas para fugir dali o mais rápido possível
– Nossa, a vergonha é tanta que ele está nos liberando mais cedo?! A coisa foi boa mesmo, hein?! - riu-se Amu - Nee Nagi, você também sabe o que aconteceu, não sabe? Conta pra gente por favoooor!!
– Não me meta nessa história, por favor, Amu-chan - o Valete pediu, seguindo o exemplo do Rei e começando a juntar suas coisas também
– Ahh mas eu preciso saber o que aconteceu! - Amu insistiu
– Se você insistir nessa história, farei "coisas" com você que você também não vai querer contar às pessoas - ele sibilou no ouvido dela
– N-Não pense que vai conseguir me calar com isso, Nagi! - Amu exclamou, tentando se manter firme - Na verdade, acho que até gostei um pouquinho dessa idéia... - ela murmurou para si mesma - M-Mas de qualquer forma, você não vai me fazer desistir só com isso! Te seguirei até a sua casa se for preciso, mas farei você me contar o que houve!
– Yaya vai também! - a Às exclamou, seguindo o Valete, que se dirigia até a saída, andando o mais depressa possível. Logo os três já tinham sumido de vista. Quando Nadeshiko recolocou uma parte dos relatórios que tinham caído no chão na mesa, reparou que Tadase também não estava lá, e se perguntou se ele também já teria ido embora com os outros
– Agora somos você e eu, minha cara Rainha! - Kukai exclamou atrás dela, sobressaltando-a - Me conta o que vocês fizeram, vai! Prometo que não digo aos outros!!
– D-Desde quando você é tão fofoqueiro, hein Souma-kun?! Parece uma garota! - ela rebateu, tentando mudar de assunto, ainda um tanto corada
– Hehehehe... é a convivência com a Yaya, fazer o que - ele riu, coçando a cabeça sem graça - Mas não mude de assunto e me diga logo o que você e o Tadase fizeram!
– Não vou dizer nada! - ela exclamou, juntando o resto dos papéis que jaziam no chão - Aliás, você viu pra onde o Tadase-kun foi? Ele não foi embora com a Amu-chan e os outros, né?
– Não, ele pegou os papéis que você juntou e foi guardar na sala de arquivos, você não viu? - Kukai falou, apontando para a pilha de papéis que ela estava juntando, e que havia diminuído consideravelmente - Por que a pergunta? Não me diga que estava querendo ficar à sós com ele para fazerem mais alguma besteira...?
– C-Claro que não, Souma-kun! Pare de dizer essas coisas e me ajude a juntar esses relat... ahhh!!
– Cuidado!

Devido ao desconcerto causado pelo interrogatório de Kukai, Nadeshiko não prestou atenção em um degrau da escada próxima à ela e acabou pisando em falso, indo ao chão. Enquanto caía, levantou a mão, tentando se agarrar em alguma coisa, e acabou segurando a capa de Guardião de Kukai, que era a coisa mais próxima, mas o impulso da queda foi tão forte que ela puxou o garoto junto ao invés de se apoiar nele, e os dois acabaram caindo. Nadeshiko abriu os olhos alguns segundos depois, sentindo alguma coisa pesada em cima dela. Chegou a pensar que a mesa tinha caído em cima dela, mas aquilo era quente demais para ser a superfície dura e fria da mesa de metal do Royal Garden. Ao abrir os olhos, viu um emaranhado de cabelos ruivos próximos ao rosto dela. Sentiu um cheiro que ela não conhecia. Levou vários segundos para perceber que Kukai havia caído em cima dela.

Kukai também parecia perceber a situação lentamente. Ele arregalou os olhos e piscou várias vezes, como se não acreditasse no que estava acontecendo. Levantou-se alguns centímetros, de modo que pudesse encarar a garota embaixo dele. Nadeshiko o encarava com incredulidade no rosto, os olhos arregalados e um tanto corada. Kukai abriu e fechou a boca várias vezes, pensando em alguma coisa para dizer, mas não lhe ocorria nada melhor do que isso:

– Etto... g-gomen nee Nadeshiko... você está bem? - ele perguntou sem graça
– Sim... estou - ela respondeu alguns segundos depois, ainda sem conseguir acreditar que isso estava acontecendo - Ano... você precisa sair de cima de mim agora, Souma-kun
– Ah, é claro! D-Desculpa - ele se levantou o mais depressa que seu estado de choque e constrangimento lhe permitiu, estendendo a mão para ajudá-la a se levantar logo em seguida.

Nadeshiko segurou a mão que ele lhe oferecia, e estava à meio-caminho de se colocar em pé de novo, quando ouviu o barulho de alguma coisa caindo no chão ali perto. Ela e Kukai se viraram ao mesmo tempo, na mesma direção, e viram que Tadase os observava. Ele havia derrubado outra pilha de relatórios, fazendo com que os papéis se espalhassem novamente, mas isso não parecia importar nem um pouco agora. Seus olhos escarlate estavam arregalados em choque, e a boca entreaberta, sem conseguir acreditar no que via.

– Mas o que vocês... estavam fazendo?!

*** Próximo Capítulo: Conselhos Duvidosos ***