Pisquei várias vezes, tentando em vão tirar a imagem daquela ruiva da minha frente. Eu estava irritada. Extremamente irritada. Depois de ontem, ela era a última pessoa que eu queria ver. Tentei parecer amigável. Lhe dei o sorriso mais sincero que consegui, mas Rachel não moveu um músculo. Ficou parada do lado de fora com os braços cruzados. Me encarava de uma forma um tanto... ameaçadora. Mas não senti medo. Na verdade, era ela quem deveria ter medo de mim.

- Meio cedo para uma visita, não acha? - pergunto.

Ela me estudou por um minuto e só então descruzou os braços.

- Você e eu, precisamos conversar. - Rachel disse.

Assenti. Não pensei muito em qual poderia ser o motivo de grande urgência. Apenas sai da porta e fiz um gesto para que ela entrasse. Ela o fez.

Infelizmente, assim que Rachel pôs os pés em minha casa, notei que havia um pequeno papel cor-de-rosa caído no chão. Ela havia pisado em cima com aquele salto enorme. Me limitei a morder o lábio e torcer para que ela não tivesse o visto.

Para minha sorte, Rachel passou em seco por ele. "Depois o pego" pensei e me senteino sofá ao lado da poltrona que ela havia sentado. Seja lá qual fosse o assunto, não seria bobeira. Rachel não viria até minha casa, de manhã, somente para me contar que lançaram uma nova coleção de bolsas em um dos Shoppings. 

Dei uma última espiada pelo canto do olho e vi meu pequeno papel. Ele estava um pouco amassado por causa da pisada de Rachel. Tivesse que me segurar para não ir até a porta e pegá-lo. Mal havia reparado que Rachel estava falando.

- ... Annabeth? Annabeth, está me ouvindo? - ela dizia. Só então me voltei para ela - O que tanto olha? 

Então Rachel se levantou e foi até a porta. Meu coração quase parou quando notei o que ela iria fazer. Queria dizer alguma coisa, impedí-la de ler o papel, mas me senti travada. Eu chamei seu nome algumas vezes antes de ela se abaixar e pegar o pequeno papel. Rachel o estudou e parecia lê-lo atentamente. Fui até ela e tirei o papel de suas mãos. Aquela atitude me pareceu um tanto sem educação, mas não queria que ela lesse.

Me virei, ficando de costas para Rachel. Meu coração queria sair pela boca, só de imaginar o que ela pensaria se tivesse tempo de terminar de ler isso. Examinei meu pequeno papel, agora em minhas mãos. Comecei a desamassá-lo devagar. Aos poucos, a mesma letra de sempre ia se revelando. Abri um pequeno sorriso, assim que comecei a ler o que nele estava escrito.

"Eu me lembro do que você usou no primeiro dia. Você entrou em minha vida e eu pensei: "hey, sabe, isso pode ser alguma coisa". Porque tudo o que você faz e palavras que diz, você sabe que tudo isso leva o meu fôlego . E eu sou deixado com nada. 

Então, talvez seja verdade, que eu não posso viver sem você. Talvez dois é melhor do que um. Há muito tempo para descobrir o resto da minha vida. E você já me pegou abrangido. Estou pensando dois é melhor do que um. 

Lembro-me de cada olhar, o seu rosto, o seu jeito de revirar os olhos, o jeito, o sabor... Você torna difícil respirar. Porque quando eu fecho os olhos eu vou longe, penso em você e tudo fica bem.

Annie, queria um dia poder te dizer isso olhando em seus olhos.

Assinado: aquele cara, completamente apaixonado por você"

Terminei de ler e me peguei quase chorando. Naquele momento, me esqueci que Rachel estava em minha casa, senão jamais desabaria em sua frente. Dobrei o bilhete e o coloquei entre minhas mãos. Num gesto involuntário, as levei até meu peito, segurando meu bilhete junto ao meu coração. 

O quanto aquela cena me pareceu idiota, eu não sei dizer. Respirei fundo algumas vezes e só então me virei, dando de cara com uma Rachel com os olhos repletos de lágrimas. Ela estava com a mão direita na boca. Acho que ela, tanto quanto eu, não sabia o que fazer naquele momento.

Eu precisava dizer alguma coisa. Precisava fazer alguma coisa. Não sabia o que ela estava pensando. Afinal, que idiota ficaria assim, tão nervosa só por um bilhete? Eu, essa era a resposta. Apesar de nunca conhecer esse meu admirador secreto, eu sentia algo por ele. Fitei Rachel por um longo tempo, pensando no que poderia usar como desculpa.

- Rachel, olha... Explicarei sobre o bilhete mas... Terá de me prometer que não irá contar par ninguém. São coisas minhas, e eu não me sentiria bem se mais pessoas ficassem sabendo. - digo tentando manter a calma. 

Rachel suspira algumas vezes e só então se mexe. Ela limpa os olhos e se aproxima de mim. 

- Tem... mais? Quer dizer, por quanto tempo vem recebendo esses bilhetes? - ela perguntou.

Pensei na possibilidade de mostrar os outros à ela. Afinal, ninguém sabia sobre isso. Ela fora a primeira a descobrir. Mas não queria mostrá-los. De alguma forma, aqueles bilhetes acabaram se tornando um de meus tesouros. Não poderia simplesmente mostrá-los à ela. Mas Rachel certamente merecia uma explicação. Respirei fundo e disse:

- Por um bom tempo. Eu pensei que poderia ser apenas uma brincadeira de mal gosto, mas... Acabei me apegando à esses bilhetes de uma forma assustadora. Eu nem sequer conheço quem os manda, mas mesmo assim sei que ele é uma pessoa incrível. 

Os olhos de Rachel voltaram a se enxer de lágrimas assim que terminei de falar. Ela me fez um sinal com a cabeça e se sentou em meu sofá. Fiz o mesmo, me sentando de frente para ela.

- Annie - Rachel começou assim que me sentei - Vim aqui com um propósito, lhe dizer que ainda não desisti de Percy e que estava disposta a lutar por ele. Mas ler isso... Agora entendo. Quer dizer, agora o entendo completamente. Não posso fazer isso, eu simplesmente não posso. O modo seus olhos começaram a brilhar assim que você leu o bilhete... É amor. Você o ama. E ele te ama também. Annie, eu queria que você me perdoasse. Enchi minha cabeça de ideias para te separar dele, mas agora vejo que não tem como. Vocês dois são lindos juntos, acho que nunca quis admitir isso para mim mesma. 

Assim que Rachel terminou de falar, me senti ainda mais confusa. Numa hora, ela falava de Percy, e tenho que confessar que não gostei quando ela mencionou que não desistiria dele, e depois começa a falar do meu admirador secreto. Estava ainda mais confusa do que quando a vi parada na porta.

Pisquei os olhos algumas vezes, tentando organizar meus pensamentos.

- Rachel, o que quer dizer? Eu nem sequer conheço meu admirador secreto. - digo.

A expressão de Rachel mudou, agora ela não parecia mais tão abalada. Parecia irritada, e inconformada. Ela sacudiu a cabeça e pegou o papel de minhas mãos. O leu cuidadosamente e em seguida em devolveu aberto, me mostrando a bela caligrafia.

- Como não conhece, Annie? Tem certeza que nunca viu essa letra? - ela perguntou.

Sim, eu já havia a visto antes, mas não conseguia me lembrar de onde. Mordi os lábios e peguei o papel de suas mãos. Estudei mais minuciosamente a letra e notei que era mais familiar do que eu pensava. O modo como os a's eram escritos, a curva diferente no m, me eram muito conhecidas. Só então me dei conta da enorme borrada que venho fazendo.

Desviei o olhar e encarei Rachel. Ela descobrira de quem era aquela letra já na primeira olhada, e eu, que havia recebido inúmeros bilhetes, nem havia desconfiado. Me senti uma completa idiota. "Que tipo de detetive eu sou?" pensei. Meu coração parecia querer quebrar minhas costelas. Já não conseguia mais me segurar.

Era ele. Todo esse tempo, meu admirador sempre esteve ao meu lado. Nos momentos triste, nos momentos felizes, nas lágrimas e nos sorrisos, cada conselho, cada palhaçada... Era ele! Era Percy! Sorri abobalhadamente quando me dei conta disso. A letra era dele, eu tinha certeza. Nunca poderia imaginar algo assim. 

Senti uma lágrima quente escorrer por meu rosto. Eu ainda estava com um sorriso bobo no rosto. De um lado, estava completamente frustrada comigo mesma. Mas por outro... Mal podia acreditar no que havia acontecido. Agora eu tinha certeza, Percy sentia por mim, exatamente a mesma coisa que eu sentia por ele. Cada música que ele me mandou, era perfeita para o momento porque ele sabia pelo o que eu passava, o que eu sentia... Ele é perfeito!

Limpei meu rosto uma última vez e vi que Rachel me lançava um sorriso tímido. Sorri de volta para ela. No fim, se Rachel não tivesse visto meu bilhete, talvez eu tivesse ficado sabendo de algo como isso. Estava devendo uma para ela.

- Acho que você quer ficar sozinha, não é? Já vou indo. A gente se fala, Annie. - Rachel disse se levantando e saindo, sem nem me dar tempo de impedí-la.

Mas eu estava completamente feliz. Me sentia uma adolescente boba novamente. Ficava sorrindo para a parede e imaginando o quanto fui burra. Eu queria beijá-lo até perder o fôlego. Queria abraçá-lo e congelar o tempo. Queria fazer tudo o que não fiz esse tempo todo. Percy... Seu nome flutuava em minha mente. Se eu tivesse um carro, iria agora mesmo até sua casa para beijá-lo até enjoar.

E pensar em todo o tempo que perdi. E pensar em todos os minutos que passei ao seu lado desejando seus lábios. Mal sabia eu que ele desejava a mesma coisa.

Me levantei do sofá e fechei a porta. Aquele enorme sorriso não saia de meu rosto. Como Percy só chegaria mais tarde, decidi voltar a fazer o que estava fazendo. Caminhei lentamente até a lavanderia e voltei a separar minhas roupas. Calças jeans, camisetas brancas, camisetas coloridas... Não demorou muito até enormes pilhas se formarem ao meu lado. 

Então, notei que, a blusa que Percy usara outro dia estava entre as roupas. A peguei delicadamente e a levei até meu rosto. Seu perfume cítrico ainda estava lá. Pensei duas vezes antes de colocá-la na máquina. Mas decidi fazer isso, afinal roupas foram feitas para serem lavadas. 

Já recuperada desse meu ataque, comecei a tirar todas as porcarias dos bolsos de minha calça jeans. Tinha de cascas de bala até dinheiro. Mas, foi um pequeno bilhete, que me fez parar. Eu o havia ganhado alguns dias atrás, porém não havia reparado direito. Olhei sua caligrafia. Era estranhamente familiar. Não era a letra de meus bilhetes, isso com certeza. Tentei puxar minha memória, pensando em tudo o que havia acontecido nesses últimos dias. Nada me vinha à cabeça, até que...

Olhei novamente para o bilhete para ter certeza. É, parece que hoje era realmente meu dia de sorte. Tinha muita coisa metida nessa história. Senti a raiva subir. Sabia que tinha de fazer alguma coisa, e fazer rápido. 

Me levantei em um pulo e coloquei um casaco. Mandei uma mensagem para Percy, dizendo para onde iria. Em todo caso, ele já estaria ciente de onde eu estava. Por fim, deixei minha casa. Um amigo meu, estava merecendo uma nova visita.