True Self escrita por Pepê Nunes


Capítulo 1
O Vulto




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Kakeru Miyako era uma menina bastante sensível, porém com uma personalidade muito forte, que sempre segue seus instintos até a última estância, não importando as consequências que isso pudesse acarretar. Era uma menina muito popular, disso ninguém podia duvidar. Mas tudo que é amado por uns, é odiado por outros. A soma de sua popularidade com sua personalidade cultivou muitas inimizades.

No fim do oitavo ano, uma garota estava ameaçando-a com cartas, em todas marcando um encontro onde prometia matá-la. No início, Miya-chan ficou assustada, mas depois começou a se irritar, principalmente depois de descobrir quem era a menina: uma garota franzina que andava sempre com um grupo de garotas sem graça. Um dia, finalmente decide ir ao encontro dela, nos fundos de um depósito antigo, no porto ao sul do rio Yomiyama. A outra garota estava sozinha, e pareceu assustada com a sua presença.

- Você não devia ter vindo... - Ela disse, olhando furtivamente para os lados.

- Eu vim acertar as nossas contas. Qual o seu problema comigo?! - Gritou Miyako, com os punhos apertados, prestes à atacá-la. Estava consumida pela raiva, por ter sido feito de idiota. - Porque mandou aquelas cartas?!

- Eu não esperava que você às levasse a sério! Agora... - Um barulho de passos chamou a atenção das duas. Risos vieram logo em seguida. -... Se esconda! Ali, dentro daquele barril!

Miyako ficou tensa, sem saber se devia ou não confiar nela. Mas o olhar de urgência daquela garota pareceu mostrar um medo real, então entrou no barril, a garota colocou uma tampa e sentou em cima.

O barril não era apertado, ficou de joelhos dentro dele. Estava rodeada por cheiro de vinho, e mesmo sem ver direito, sabia que estava manchada de púrpura, pois não estava totalmente escuro devido a um pequeno buraco. Através dele, viu aquele grupo de quatro garotas chegando, apesar de enxergar somente as pernas. Duas delas carregavam um garoto inconsciente, uma segurando pelos pulsos e outra pelos pés. Reconheceu Yusuke, um garoto famoso pelo seu talento com mangá.

- Hey! Vocês demoraram! - Disse a franzina, que desceu do barril.

- Ele foi difícil de convencer. - Respondeu alguma delas.

- A lua já está no seu tamanho máximo... - Disse outra em tom de observação. - Vamos começar logo.

- Espero que ele aguente... - Comentou uma, com uma voz mais delicada.

Houve uma movimentação. Miyako conseguiu ver um lençol redondo, branco e com desenhos sendo estendido, mas não conseguiu distinguir as formas. Cinco velas grossas foram acesas e dispostas sobre as extremidades do lençol. Yusuke foi cuidadosamente deitado no meio daquilo, saindo de seu campo de visão. As garotas fizeram um círculo ao redor dele. E então começaram.

No inicio parecia uma oração em outra língua, com um ritmo suave e contagiante. Uma palavra foi gritada no fim da canção, e todas estenderam as mãos na direção de Yusuke. A partir daí, o clima ficou mais pesado. Cada uma das cinco garotas disse uma frase diferente e sinistra. Houve um silêncio arrebatador, que pareceu durar vários minutos. Eis que repentinamente, um vento sopra e apaga as velas, agitando as garotas, que se apressaram para tentar acendê-las novamente.

Tarde demais. Enquanto elas viraram as costas, Yusuke levantou curvado como se fosse um animal. Miyako pode ver seus olhos brilhando, brancos, parecendo que dele saía uma fumaça. Ele falou algo com uma voz estranha, deixando as garotas (e ela mesma) paralisadas. Ele deu uma volta naquele circulo, chegando bem perto de cada uma delas. Com um grunhido sinistro, ele puxou uma das meninas e a atirou no chão. Assustadas, as outras começaram a gritar e correram de lá.

Miyako estava apavorada, mas seu instinto disse para ficar onde estava. Pelo buraco, não conseguia enxergar a garota, mas aquele estranho Yusuke estava sentado em cima dela. Ela choramingava e pedia perdão, mas ele parecia ignorar. Miyako pode distinguir algumas palavras sussurradas por ele: vingança, dor, paz, morte... Sangue.

Ele não lhe deu a implorada piedade. Ela deu um último gemido e Miyako apenas viu jorrar uma quantidade absurda de sangue, manchando Yusuke do que parecia ser marrom no escuro. Em seguida, o próprio garoto deu um berro estridente, como se estivesse sentindo dor. Miyako viu seus olhos arderem, literalmente. Logo o corpo inteiro do garoto foi consumido por chamas, que caiu sobre a garota. Sabia, pelo brilho intenso do fogo, que ela também começou a queimar. Miyako sentia o cheiro da carne queimando, ainda imobilizada pelos ecos da morte do garoto.

Um vulto levantou em meio às chamas. Parecia estar de costas... Miyako sabia que era hora de sumir dali o mais rápido possível. Se balançou, derrubando o barril na direção da saída, de modo que a tampa também caiu e assim pôde engatinhar para fora e sair correndo. Quando ela estava a um passo de sair para a rua. Olhou uma última vez para trás. Olhos vermelhos e malignos à encararam de volta. O vulto ainda estava imóvel sobre os corpos. Parecia... Furioso.

Miyako fechou a porta atrás de si e, antes que se dessa conta, estava em casa. Não apenas em casa, mas deitada em sua cama, vestindo pijama e tudo. Estava tudo escuro e silencioso. Teria sonhado? Ela levantou confusa, saiu do quarto e foi espiar seus pais. Eles estavam dormindo, tranquilamente. Normalmente. Foi ao quarto do irmão. Ele estava jogando no computador como sempre, usando aqueles fones enormes. Tudo estava ok.

Estava com os olhos pesados, mas ficou com medo de ir ao banheiro sozinha. Aquele banheiro era grande demais, e o box com cortina sempre a intimidava. Preferiu ir à cozinha. Andou até a pia, admirando a paisagem do rio Yomiyama, que reluzia o brilho das estrelas. Tranquilamente baixou a cabeça, encheu as mãos de água e lavou os olhos. Com eles fechados, tateou a procura de um guardanapo para enxugar seu rosto. Suspirou, olhando novamente para o cenário. Através da janela dois olhos vermelhos a encaravam. E aqueles olhos  estavam realmente furiosos.


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