Stay Alive. escrita por Primrose


Capítulo 24
Derretendo


Notas iniciais do capítulo

Espero não ter demorado muito =)



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Eu não posso mentir. Tenho medo de morrer. Não me dei conta disso apenas hoje, me dei conta disso na minha primeira colheita. Sempre fui tão medrosa, mas sempre soube como esconder isso. Agora o sentimento me aperta tanto que é impossível escondê-lo. Me sinto uma fraca. Não quero que as pessoas sintam pena de mim, apesar de eu mesma o fazer.  No dia anterior, depois de eu alegar que estava morrendo, Haymitch me acalmou e eu dormi novamente. Quando acordei, ele me obrigou a comer alguma coisa. Não sentia nenhuma fome, mas comi, sabendo que essa era a melhor opção. Várias coisas podem ter me levado a esse estado: desidratação, falta de alimentação adequada, exaustão. Sem contar a exposição a perigos mortais, chuvas e outras coisas assim. Acho que o conjunto disso tudo é mais que o suficiente.  Sinto que a febre diminuiu, não estou mais tremendo.

Olho para Hay, que está de olhos fechados. Sei que ele não se permitiria dormir numa hora dessas, apesar de estar precisando de uma boa noite de sono. Me sinto culpada por isso. De repente ele abre os olhos e me pega fitando-o. Eu coro e desvio o olhar, sentindo meu coração pular.

-Vamos – ele se levanta, recolhendo as mochilas. Eu o encaro apavorada. Sei que precisamos ir, montamos abrigo debaixo de uma árvore qualquer. Extremamente desprotegidos, um alvo fácil. Mas mesmo assim sinto que é impossível me mexer.

- Não consigo.

- Você tem que conseguir – ele estendeu a mão, me fitando.  Eu dou um suspiro, ainda sinto meus músculos doloridos e a dor de cabeça não passou, mas seguro sua mão. Não tenho escolha de qualquer modo. – Um, dois, três – no três ele me puxa e eu levanto. Assim que fico de pé, tenho a nítida sensação de estar derretendo.  As coisas giram ao meu redor e uma ânsia atinge meu estômago, eu me encolho.  – Vamos.

Ele passa meu braço direito pelo seu pescoço e assim nós vamos. Eu meio caindo, meio andando e ele me apoiando. Não andamos muito rápido, obviamente, mas pelo menos andamos. De vez em quando acho que estou bem e ando sozinha por algum tempo, Hay fica me observando, apenas esperando o momento em que eu comece a me arrastar novamente, para me lançar um “Eu te falei”. Ele é insuportável, às vezes.

Paramos a cada menos de uma hora, por minha causa. Avançamos lentamente e no fim do dia chegamos ao rio que eu tanto esperava, mas assim que vejo a água cristalina e me lembro que é venenosa,a decepção volta. Não sei bem com o que estou decepcionada, deve ser comigo mesma. É incrível com as coisas só pioram quando você acha que não pode ficar pior.

- Não há nenhum esconderijo por perto – comenta ele frustrado, jogando as mochilas na grama alta e se sentando com uma cara emburrada. Eu comprimo os lábios e me sento perto dele. Não há nada nos escondendo e seria horrível se alguém nos encontrasse naquele estado. Continuo quieta. Respirando com dificuldade, ignorando uns poucos pontos pretos na visão.

- Há esconderijos em todos os lugares – falo finalmente. Ele me lança um olhar irônico. Não me dou ao trabalho de ficar irritada, já estou me acostumando com o sarcasmo dele. – Os troncos das árvores, são ocos. Esconderijo perfeito. – arqueei as sobrancelhas. Seu olhar passou de irônico para surpreso. Se levantando, foi até a árvore mais próxima e bateu nela, confirmando a minha informação. – Eu te falei – foi minha fez de lançar um olhar irônico. Ele revirou os olhos e voltou a se sentar do meu lado.

-Como está se sentindo?

- Péssima

- Imaginei. Pelo menos não está vomitando.

- É – suspirei.

- Você vai melhorar, achei um comprimido para febre, mas tinha que ter certeza de que você não iria vomitá-lo.

Tenho que admitir que me sinto aliviada com essa notícia. – Pode ser uma armadilha.

- Temos que arriscar

- Eu sei – comprimo os lábios e dou um suspiro.Estou cansada de arriscar, estou cansada de ter que fazer tudo com medo de morrer. 

Haymitch procura o comprimido na bolsa menor. Como não tenho nada para fazer e preciso me distrair da dor e do cansaço, pego meus dardos e os fico analisando. São tão poucos agora.  E de repente eu me lembro de mim mesma, antes de vim para a Capital, quando eu era inocente e achava que era incapaz de segurar uma arma para machucar alguém, principalmente alguém com o mesmo destino que o meu. E aqui estou eu, sem nem fazer a menção de hesitar ao matar uma criança. Esses dardos que um dia já foram tão estranhos e horrendos aos meus olhos, hoje são minha única forma de sobreviver, nem parecem mais armas, estão mais para uma extensão do meu braço. Esse pensamento me faz tremer. 

-Aqui está – Hay interrompe meu raciocínio e me estende uma cartela muito pequena, com apenas um comprimido. Eu pego e o examino, o comprido é pequeno e tem um formato oval, dividido em duas cores: azul e amarelo. Há escrito “Para febre” no verso da cartela, não me sinto muito segura em tomá-lo. Pode realmente ser uma armadilha. Haymitch se aproxima ao ver minha insegurança com o comprimido e toca a minha testa. Pela mudança mínima na sua expressão percebo que não estou muito melhor, pelo contrário. E eu sei disso, apesar de não querer admitir, sinto que vou derreter por dentro, mas que a minha pele vai congelar por fora.

-É perigoso, mas é necessário – ele afirma me lançando um olhar firme.

Respiro tão fundo quanto meus pulmões aguentam. Olho uma última vez para o sol. Finalmente estou conseguindo ler os sinais das horas que ele manda, não devem faltar mais que duas horas para se pôr.  Sem canhões, sem mortos. Um alívio, pelo menos por enquanto. As coisas estão muito quietas e isso deve mudar logo, quando acontecer quero estar inteira para, no mínimo, morrer com dignidade. Então olho para Haymitch, que esconde o nervosismo debaixo da carranca dele, e por fim para o comprimido.

Tiro-o da cartela e o engulo antes que possa pensar em mudar de ideia, mas ele prende na minha língua e começa a ferver, literalmente. Começo a tossir e me engasgar, Hay é rápido e corre para pegar a garrafa de água. Eu bebo o ultimo golinho que restava, porém isso não ajuda em nada, só leva o fervor para dentro de mim. Queima quase tanto quanto o álcool. Minha visão fica colorida como se eu estivesse vendo tudo por uma câmera de calor, meus braços tentam me manter sentada, mas perdem a força e eu desabo no chão. Só não bato a cabeça porque Haymitch consegue a segurar a tempo.

-Não, de novo não – lamento, prevendo o que vai acontecer em seguida. Tudo vai passando do colorido nostálgico para um negro deprimente e eu percebo que estou certa. –Droga – murmuro, antes de apagar.

Não há sonhos, não há nada. É apenas um sono longo, completamente preto e doloroso.


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Notas finais do capítulo

O que vocês acharam?