Stay Alive. escrita por Primrose


Capítulo 25
Sangue seco


Notas iniciais do capítulo

Sorry a demora gente ç.ç
Espero que gostem do capítulo.



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Abro e fecho os olhos várias vezes, mas de nada adianta, é tudo preto. Meu coração dispara, será que eu estou cega?... Ou pior, será que eu morri? Não, não é possível. Eu não posso estar morta. Pessoas mortas não abrem os olhos.  Ou talvez eu esteja realmente morta, porque estou me sentindo ótima e, de acordo com as minhas últimas lembranças, eu estava péssima e tudo doía. Mecho a cabeça de um lado para o outro, esperando pacientemente que alguma coisa acontece. Até que eu ouço um som e tenho certeza de que não estou morta, eu ouço sons de pássaros. O som vem de longe e não consigo ter certeza de qual pássaro ele pertence. Levo a mão ao peito e tateio meu broche, sentindo o alto relevo do tordo e da flecha. Se não estou morta, porque está tudo escuro então?

Mecho a cabeça, o ar está muito abafado, tem alguma coisa errada. Olho para cima e vejo um raio de sol, entrando por algum buraco. Agora tudo faz sentindo, estou dentro de um tronco.  Me pergunto como cheguei aqui dentro. Levanto-me com um pouco de esforço, um tronco não é o que podemos chamar de lugar espaçoso. Fico na ponta dos pés para conseguir alcançar o buraco. Se eu entrei por ele, tenho que sair por ele. Tenho que tentar várias vezes até conseguir impulso para pular. Ralo o joelho e o braço, mas agora pelo menos tenho um pouco de ar fresco.

Meu pé toca o chão, mas eu fico confusa. Tenho certeza de que o chão era de grama fofa, mas o que sinto no meu pé é uma coisa meio mole. Consigo terminar de sair e colocar os dois pés no chão, meio receosa com a textura deste, olho para o chão, mas não consigo enxergar direito, pois minha visão ainda está se acostumando com a luz. Quando finalmente vejo no que estou pisando, levo as mãos à boca instantaneamente para evitar um grito. Meu estômago se agita em negação. A coisa mole em que eu pisei, bem, não era o chão.... Era um defunto.  Um garoto com metade do crânio aberto, o sangue já seco, e algumas costelas quebradas. Respiro fundo, tentando não vomitar. 

Escuto o barulho de água corrente, tentando me distrair da cena horrível. Vou até o riacho, sento na margem e observo minha imagem tremeluzir na água cristalina. Estou horrível: olheiras, cabelo cheio de grama e lama, alguns cortes aqui e ali, além de estar muito magra. Eu mesma tinha quase esquecido o tom de cinza pálido dos meus olhos, e que meus cabelos, apesar de toda sujeira, são dourados como raios de sol. Tão diferentes do de Haymitch, que parecem refletir a escuridão da noite.... Haymitch! Pela luz das estrelas, quase me esqueci dele. Meu coração dispara novamente. Onde há um morto, pode sempre ter mais um.

Volto aonde encontrei o menino morto e imagino como foi essa luta. Sigo o rastro de sangue do garoto e imagino que a luta começou mais perto do riacho e chegou até aqui no seu ponto final.  Mas tem uma parte que não faz o mínimo sentido com o rastro, apesar de ser sangue também... A não ser que seja o sangue de outra pessoa, de Haymitch. Isso não é bom. Sigo esse outro rastro que é bem mais curto e termina no tronco de uma árvore perto da minha. Ele deve estar lá dentro.  Giro o tronco quase inteiro para conseguir achar o buraco que foi feito estrategicamente abaixo de um galho, que o escondia com sua sombra. Enfio minha cabeça no buraco, mas não consigo enxergar nada por causa da escuridão.

-Hay! – chamo alto.

Ele surge tão rápido que eu levo um susto, mas me afasto, calculando que ele ter que pular do tronco. Quando consegue sair – com um pouco maisde dificuldade que eu, o que é estranho - examino-o da cabeça aos pés, procurando o ferimento que fez o rastro de sangue dele, mas não consigo encontrar nada.

- Maysilee – ele sorri ao falar meu nome. O que não faz o menor sentido. – É bom ver você... digo, acordada. – procuro sarcasmo em sua voz, mas não encontro nada.

- Fiquei muito tempo apagada?

- Só umas 20 horas – responde dando ombros e depois fazendo uma careta, que eu não compreendo.

Eu perco o fôlego, fiquei fora por muito tempo então. Olho para o garoto morto e depois para Haymitch,pedindo por uma resposta.

- Ah, é. Ele – comenta um pouco tenso, mudando o peso do corpo de um pé para outro. – Não faz muito tempo. Você apagou no meio da tarde, mais ou menos. Ele só apareceu um pouco antes do nascer do sol. Acho que fiz muito barulho quebrando os troncos para nos esconder.  Mas o que importa é que estamos vivos.

Me impressiono com o alívio que há na voz dele, apesar de seu rosto não demonstrar nada. Continuo-o encarando, sentindo meu coração pulsar cada vez mais rápido. Será que ele achou que eu estivesse morta?

-Você está bem, May?

- Estou ótima... Quantos mortos? – pergunto repentinamente

- Enquanto você esteve fora do ar? Dois.

- Quem?

- Esse menino e mais um.

- Você faz alguma ideia do quantos ainda somos?

- Uns 17, no mínimo, eu acho.

Meu estômago se revira. Não faço ideia de quanto tempo estou aqui nessa arena, mas tenho a impressão que sempre estive aqui e que a minha outra vida não passou de um sonho muito distante. De 48, agora somos menos de vinte, pelos cálculos de Hay. É quase impossível de acreditar.

-Vamos. Já estamos a tempo demais aqui, precisamos seguir - ele me apressa, como sempre. Me dando as costas e indo pegar as mochilas onde quer que ele as tenha escondido. Eu cubro minha boca com a mão com a visão que tenho.

-Hay...- chamo, mas minha voz quase não sai. Acho que encontrei o que deixou o rastro de sangue dele. Tremo, relembrando da dor que meu corte na barriga me causou – Suas costas.

Ele se vira devagar, provavelmente nem deveria imaginar o ferimento que tinha. Na loucura da luta, nós nem sentimos nada. Só paramos quando o canhão faz barulho e aí as dores vem, a culpa vem, você só tem vontade de desaparecer e nada mais.

-Está doendo muito? – pergunto, já que não consigo ler as expressões do rosto dele.

Ele apenas sente com a cabeça. Eu fecho os olhos, tentando manter a calma e não me lembrar da dor. Minha mão vai instintivamente para a barriga. Ele me ignora e vai pegar as bolsas, só quando volta eu percebo que seus passos não estão mais tão silenciosos e rápidos como antes. Pego a mochila menor e procuro o álcool lá dentro. Quando retiro-o da bolsa, Hay treme. Finjo que não percebi, mas também sinto minhas mãos vacilarem ao segurar a garrafa.

- Vai dar tudo certo – falo, mais tentando acalmar a mim mesma. Ele apenas respira fundo e fecha os olhos, sentando de costas para mim. Arranco um pedaço de pano da barra da minha calça e molho com álcool. Assim que começo sinto ele se contrair de dor. Tenho vontade de parar, mas sei que não posso. Sempre que ele deixava escapar algum som, eu me encolhia junto com ele. Estava muito concentrada na limpeza para reparar se ele chorou. Tentei manter o meu rosto sério, para não fazer as coisas piorarem mais ainda, mas acho que as câmeras filmaram meu expressão de terror de todos os ângulos.

- Acabou – disse finalmente meu estômago revoltado com o sangue seco nas minhas unhas e o cheiro de álcool no ar. Arranco a alça de uma das mochilas e uso como bandagem improvisada. Hay não se move, e eu prefiro não perturba-lo. Enrolo um tempo, arrumando as mochilas (que já estavam arrumadas) e fingindo limpar meus dardos (que já estavam limpos).  Faço uma trança no meu cabelo, tentando, inutilmente, tirar a lama dele.  – Vamos Hay, já estamos há muito tempo aqui. Isso é perigoso, precisamos ir – digo finalmente.

Ele se levanta lentamente e me encara por um tempo, provavelmente tentando entender a irônica troca de papéis do momento. Me sinto um pouco mal por ser tão fria, mas eu estou apenas tentando ser forte, não consigo fazer mais que isso. Pego as mochilas, deixando apenas a menor para Hay e nós seguimos em frente, como sempre.


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Notas finais do capítulo

O que acharam?