O ruído das rodas do skate na pista era um tanto quanto reconfortante. Me trazia uma sensação diferente da maioria das coisas que eu já experimentara.Talvez pelo skate ser minha válvula de escape nos últimos tempos.

– Hey, Inglesa! É a sua vez. – Despertei ao ouvir a voz de um dos garotos do grupo chamando meu apelido.

– Alright! – Gritei de volta. – Darei o meu melhor. – Uma piscada e saltei à pista. Skate correndo sob meus pés, adrenalina sob minha pele. O mesmo ruído, só que dessa vez eu tinha que ter mais concentração.

Alguns saltos, giros e manobras que eu poderia fazer até de olhos fechados. Resolvi fazer algo novo; o que acabou resultando em um tombo feio. Ouvi os gritos da “plateia” a minha volta e sorri, levantando rapidamente. Tentei de novo, mas depois do segundo tombo, preferi deixar para treinar em uma outra ocasião, e preferivelmente, sozinha.

Fiz outras manobras – fáceis para mim, mas consideradas difíceis por outros – onde a sensação que mais contava para mim era a de liberdade. E a de sentir minha camiseta aberta e meus cabelos compridos esvoaçando atrás de mim.

Com um ofego final, saí da pista e deixei o skate rolar lentamente, até eu Pará-lo com um pé. Recolhi o objeto do chão e coloquei-o sob um braço, andando até os outros que vinham em minha direção.

O primeiro que vi foi Kori, um descendente de japoneses de cabelo bem preto e curto, pele olivácea típica de orientais e olhos pequenos e puxados. Admito: ele tinha certo charme.

– Fala, Kori. – Sorri enquanto batíamos nossas mãos em um tipo de toque. 

– Foi bem hoje, Inglesa. – Ele sorriu e deixou transparecer as covinhas em suas bochechas. – Bom... fora a parte dos tombos, mas isso você supera rápido. – Ele riu.

Meu nome de verdade é Victoria, mas todos me chamam de Inglesa, graças ao fato de eu ter nascido em Londres.

– Com certeza. – Entrei na brincadeira.

Logo as outras pessoas estavam a minha volta. Todas do meu grupo de sete pessoas; três garotas – eu, Amber e Madison - e quatro garotos – Kori, Tom, Sean e Louie. E nós somos amigos desde os onze anos.

– Ei, Maddy. – Sorri novamente, indo em direção à minha namorada.

Não. Você não leu errado. Eu sou uma garota e tenho uma namorada. E se houver qualquer objeção quanto a isso, peço que pare de ler agora, para evitar futuros problemas. Caso não tenha nenhuma, é melhor que continuemos.

– Oi, meu amor! – Ela sorriu e veio ao meu lado, dando-me um beijo inocente. – Você foi bem hoje.

– Obrigada, pequena. - Coloquei um braço sobre seus ombros em um gesto carinhoso e protetor.

– Mas você foi mesmo bem. – Tom chegou ao meu lado, levando um chiclete á boca.

– Ok, ok. – Levei meus braços para cima, palmas esticadas em um sinal facilmente entendido como uma ordem de “pare”. – Já deu de elogios,que tal irmos tomar alguma coisa? – Sugeri.

– Eu apoio! – Maddy logo levou uma mão ao ar.

– Desde que tenha nachos, eu estou dentro. – Sean já reclamou seu vício por triângulos mexicanos de milho cobertos de cheddar.

– Vai ter nachos, Seanzito. – Brinquei com o garoto de pele morena e cabelos negros.

– Então... O que estamos esperando? – Ele sorriu e arrancou risadas de todos nós enquanto começávamos a andar até uma lanchonete conhecida.

Nosso grupo era formado, basicamente, pelas pessoas mais diferentes que você puder imaginar. Kori é descendente de japoneses; Sean tem a pele bem morena, quase como a de um índio; Tom tem cabelos tão loiros, pele tão branca e olhos tão azuis quanto um alemão; Louie é negro e arranca suspiros de diversas garotas com suas trancinhas; Amber tem os cabelos lisos em um tom de Mel e os olhos verde-escuros; Madison é linda em seu tom de pele muito branco, cachos negros invejáveis e olhos acinzentados. E eu... tenho cabelos castanhos longos até a cintura, pele clara e olhos castanhos que ficam esverdeados de acordo com o clima. E não é apenas no físico que somos diferentes, já que Maddy e eu somos namoradas, e eu tenho quase certeza que Tom também gosta de garotos.

– Chegamos! – A voz de Louie ecoou juntamente com o sininho da porta da lanchonete onde entrávamos. Escolhemos uma mesa grande próxima da janela e nos sentamos.

– Eu não gosto desses garotos olhando para você. – Maddy reclamou, abraçando-me no sofá onde nós duas e Tom estávamos.

– Então estamos quites, já que eles também não tiram o olho da minha namorada. – Sorri e rodeei os braços em sua cintura fina. Ela me deu um selinho e eu correspondi, até aquilo virar um beijo de verdade.

– Ei, ei, ei! A gente tá aqui pra comer, e não pra ver vocês duas se agarrando. – Kori brincou e eu ri enquanto tentava me sentar o mais direito possível.

Olhei pela janela e comecei a observar o trânsito calmo e o mar de Fort Lauderdale. Eu gostava muito daquela cidade localizada no litoral da Flórida, por mais que a falta da Inglaterra fosse grande.

Em minha cabeça comecei a passar imagens de Liverpool e Fort Lauderdale, da minha antiga casa e da nova. Não como comparação. Apenas... para lembrar.

– Vick! Acorda! – Ouvi a voz da única pessoa que me chamava daquele jeito.

– Ah, desculpa, Maddy. – Balancei a cabeça, virando-me para a garota ao meu lado. – E ai? O que eu perdi?

– Nada de mais, a gente só estava falando sobre a escola mesmo. – Tom respondeu-me.

– Hm. Pediram o que?

– Nada ainda.

– Eu quero um milk-shake. – Dei de ombros.

– Por favor, moça, um milk-shake de chocolate, um de cereja – Maddy sorriu para mim – e...

– Caramelo!

– Morango.

– Crocante!

– Frutas vermelhas.

– Baunilha!

Foram os pedidos de Sean, Tom, Louie, Amber e Kori.

– Ah, e uma porção média de nachos. – Sean completou.

– Grande! – Corrigi. – Eu também quero.

Todos riram e a garota do balcão assentiu.

Pouco tempo depois nossos pedidos chegaram. Tomamos e comemos tudo, e quanto eram seis horas, resolvemos ir embora. Os garotos subiram a Rua 6, e Amber logo se despediu de nós, tomando o caminho da Rua 7.

Assim que estávamos sozinhas, Maddy colou seus lábios nos meus em um leve selinho, mas eu não tardei a transformá-lo em um beijo de verdade enquanto espalmava uma mão na base das suas costas e a puxava para mim de forma nem um pouco inocente.

Quebramos o beijo atrás de oxigênio, ambas ofegantes. Vi os lábios de Maddy vermelhos e levemente inchados, como deviam estar os meus.

– Ei, Vick. Tá tudo bem? – Ela perguntou-me segundos depois.

–Sim, por que?

– Nada... É que você estava meio aérea hoje cedo. Aconteceu alguma coisa?

– Não, não. Eu devia estar meio distraída, só isso.

– Tudo bem, então. A gente se vê amanhã.

– Até amanhã, meu amor. – Sorri e dei nela mais um selinho antes de jogar meu skate no chão e subir sobre ele. Impulsionei-o para a descida da Rua 6 e em pouco tempo depois, estava no portão de casa.