Carvão Em Pérolas escrita por Milady


Capítulo 1
The one whos never and always alone...*


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem.



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É possível ver pela janela entreaberta que amanheceu um dia lindo. O céu estava tão azul … as nuvens tão brancas e amontoadas umas nas outras... mas ainda assim, sair da cama parecia ser um esforço sobre humano, porque, obviamente, eu não tinha dormido nada bem.

Os mesmos pesadelos, nenhuma novidade. Lembro de ter acordado com o som dos meus próprios gemidos, hora de dor, hora quase soluços de tanto chorar. Eu chorava muito em meus pesadelos.

Eu não queria sair da cama, mas Dr. Aurelius sempre me pedia para eu me forçar a isso. “Passos simples, Katniss, pequenos passos que formam uma grande jornada”. Então eu me forçava a levantar, tomar banho, comer... sorrir e conversar com outras pessoas.

Naquela manhã, quando eu desci as escadas, arrastando os pés e os cabelos ainda pingando, senti o cheiro delicioso vindo da cozinha. Grease Sae havia vindo e já tinha ido, mas não foi sua comida que me chamou atenção, e sim o pão de queijo que ainda fumaçava em cima da mesa.

Meu estômago roncou e se contraiu. Eu tinha fome, mas não havia comida que conseguisse suplantar aquele vazio, porque no fundo, eu me sentia terrivelmente sozinha. Eu havia perdido Prim, minha mãe, Gale, Hazelle, Magde... Oh, Deus, eu havia perdido Peeta. E esse último pensamento foi o suficiente para que meus olhos idiotas voltassem a se encher de lágrimas.

Não que eu e Peeta não conversássemos. Tínhamos algum tempo juntos, jantávamos juntos, escrevíamos no livro que era minha terapia (e acredito, dele também), mas era como se estivéssemos mais distantes do que nunca. Ainda mais longe um do outro do que antes dos Games, quando nem nos falávamos.

E como um pouco de alívio, sempre havia Haymitch. Apesar de tudo, ele parecia um oásis no meio do deserto. Mesmo com suas bebedeiras era ele quem nos mantinha juntos. Era em torno de Heymitch que Peeta e eu nos reuníamos e tentávamos nos consertar. Nossas refeições, geralmente eram com ele, nossos momentos de lazer também, bem como passeios pelo distrito. Obviamente, Peeta não conseguia ficar quieto e havia se metido na reconstrução, eu, depois de alguns dias resolvi me juntar aos esforços. Era uma maneira de me ocupar depois da caça (sim, eu ainda caçava), manter minha cabeça mais ou menos sã e também, me aproximar de Peeta.

Motivação egoísta. Sim, eu sei disso. Dr. Aurelius fez questão de esfregá-la na minha cara. Mas eu precisava sentir o calor que se espalhou pelo meu corpo no dia em que ele me sorriu quando estávamos pensando em uma forma de reconstrução. Vale dizer que uma boa parte do projeto, veio dos esboços que ele desenhou.

Também era bom sentir a esperança brotando daquelas pessoas. Ver que as coisas poderiam ser reconstruídas e vidas felizes poderiam se desenvolver ali. Seria aos poucos, mas não seria impossível.

Também há chá sobre a mesa. Já está frio e tomo uma caneca de quase numa golada só. Ouço barulho lá fora, e imediatamente sei do que se trata, apanho um pão de cima da mesa e saio pela porta devagar.


Eu gostaria de saber se ele não se cansa de ter talentos. Ele cozinha, desenha, constrói, sabe exatamente o que falar em cada momento, e ainda tem esse dom com jardinagem. E é como se eu não estivesse ali, porque ele não me percebe. Como uma sombra pálida e estável, fico ali, comendo meu pão preferido e observando Peeta, enquanto ele trabalha no canteiro em frente a sua casa.

“Como é estar do outro lado?”

Eu praticamente salto para o lado. Para uma vencedora dos games, tenho andado muito distraída. Me pergunto onde está meu senso de prontidão, enquanto encaro Haymitch ao meu lado. Ele parece sóbrio, o que é bem estranho.

“De pé tão cedo?”

“Cedo? Que horas você pensa que são, docinho?”

Solto um som estranho pelo nariz, um bufo, querendo demonstrar todo meu mau humor e dou um passo em direção à porta. Mas ele me segue.

“Você não respondeu minha pergunta.”

“Porque eu simplesmente não sei do que você está falando”

Você é uma péssima mentirosa, Katniss

Eu vejo um sorriso triste em seu rosto. Ele tem pena de mim. Isso me causa uma irritação que eu não consigo conter.

“É engraçado, como há pouco mais de um ano, eu via esse olhar nele quando te fitava... Agora é você em direção dele...”

Eu sei, eu sou patética. Mas Haymitch não para.

“... Quer dizer, em alguns momentos, durante os jogos e até durante a rebelião, eu via você olhando para ele desse jeito, e mesmo quando ele não estava perto, e você falava...”

“Ok. Já entendi. Sou patética” - eu preciso dizer isso em voz alta para me fazer acreditar.

“Katniss, ele não te odeia, você sabe...”

“Eu sei, tá bom! Eu sei que ele não me odeia mais... Ele já me disse isso... Eu só... Eu não quero falar sobre isso!”

“Você tem conversado com Dr. Aurelius sobre isso?”

“Não. Porque eu não preciso, eu não quero falar...”


“Venha comigo.”

Ele pega minha mão e me puxa para sua casa. Quando passamos diante de Peeta, ele olha para mim e ergue a sobrancelha. Faço um gesto desinteressado e ele continua a cuidar do seu jardim

Chega a ser até agradável entrar na casa de Haymitch agora. Não é como a minha, ou a de Peeta, mas não é suja como antes. Eu me sento no sofá e ele sai, dizendo para eu ficar quietinha.

Ele retorna com uma garrafa de licor numa mão e dois copos equilibrados em outra. Por acaso ele acha que eu vou beber com ele?


“Toma”, ele diz e estende um copo cheio para mim.

“Não, eu não quero”

“Claro que quer, mas tem medo do que Peeta vai dizer... Então deixa eu contar um segredo, seu raio de sol já esteve sentado nesse mesmo lugar em que você está...”

Leva um segundo para eu compreender direito.

“Peeta bebeu com você?!”

“Uma noite longa... Insônia e alguns drinks para relaxar. E, pasme, ele não se tornou um alcoolatra como eu, por isso.”

Fico chocada. De verdade.

“Vamos, um gole. O primeiro é sempre mais difícil. Ah, você já sabe disso.”

Haymitch ri e dá um gole bem grande de seu copo, e conclui:

“O Dr. Aurelius devia utilizar bebida como método, sempre libera as cordas vocais.

Eu tusso ao ingerir o líquido. Aquilo realmente é mais forte do que o licor que bebi uma vez com Haymitch... Ou talvez fosse só meu desespero que tenha inibido o sabor naquela época.

“E o que você e Peeta conversaram?”

“Não, não, docinho. Existe um código de ética entre os bêbados. As conversas são sigilosas... Vamos, beba um pouco mais.”

Eu obedeço. Não sei exatamente o porquê, mas obedeço.

Bebemos em silêncio por um tempo e já começo a sentir minha cabeça pesada. Por isso, praticamente pulo do sofá quando ele fala.

“E então?”

Meus olhos correm em direção aos dele e eu não consigo acreditar que um dia odiei Haymitch. Hoje, ele é a coisa mais parecida com uma família que eu tenho. Eu confio tanto nele... Tanto...

E de repente começo a chorar. Ao invés de eu correr para ele, como fiz um dia no Distrito 13, ele se aproxima e senta ao meu lado e me abraça desajeitadamente.

“Eu perdi ele...”

“Shhhh... Calma, calma.”


“Não, eu não quero me acalmar... Eu não sei o que fazer... Eu...Eu...”


Então, eu faço uma coisa que devia ter feito em minha psicoterapia, falo tudo. Eu, acredito que pela primeira vez em toda minha tumultuada vida, me abro com alguém. Digo a Haymitch como me sinto miserável, como eu nunca fui forte e destemida, como, desde que fomos escolhidos para os Games, sempre precisei do apoio de Peeta, da aprovação dele. Que eu sei que ele não me odeia, mas vê-lo indiferente a mim dói... Seu olhar que não tem mais aquela intensidade, só ternura e que eu quero jogar a ternura dele no meio da floresta e tacar uma flecha nela, porque chega uma ponto em que até a ternura dói. Que a melhor parte do meu dia é quando ele sorri e eu posso ter um vislumbre do que ele foi um antes de tudo... Eu digo o quanto tenho me sentido miserável e sozinha.

Estou com a cabeça afundada no peito de Haymitch e sei que estou molhando toda sua camisa. Minha voz está abafada e enrolada... Sinceramente, não sei como ele está conseguindo me entender.

“Então, docinho, o que você sente por ele?”

Eu levanto a cabeça, ainda em meio a soluços. E sinto uma dor no peito, um bolo na garganta...

“Apenas diga em voz alta, para que você possa ouvir. Prometo que essa conversa não vai sair daqui.”

Então eu respiro fundo e digo, em uma voz fanhosa, fungada, entre soluços...

“Eu... Eu... amo Peeta.

Um sorriso suave nos lábios de Haymitch, e não há pena ali. Então, como que para me justificar, começo a falar aos borbotões novamente. Que eu estava muito confusa durante todo o tempo. Que na minha vida antes dos jogos eu não pensava em amor e essas coisas de menininha. Eu tinha muito com o que me preocupar... Mas era meio óbvio dentro de mim, que se um dia eu me interessasse por alguém seria por Gale. Éramos tão próximos, tão parecidos... Ele era minha família também, e eu tinha a estúpida ideia de que família era algo que nunca se separava, mas aí veio Peeta e ele foi chegando tão devagar... E eu pensava que ele estava me usando para ganhar os Games... Ele tinha aquele maldito sorriso, com aqueles malditos olhos e malditos cílios dourados... Os braços dele ao meu redor... Tão bom. Seu senso de humor. E eu tinha medo de magoar Gale, porque antes, ele era a única certeza que eu tinha, mas os braços de Peeta ao meu redor... Tão bom. Tão diferente de mim e... Tão bom... o coração dele, o caráter dele.

Talvez eu já o amasse desde aquela caverna, mas eu estava tão assustada... E fiquei tão triste de perdê-lo... E eu sou tão burra, porque me fecho quando me sinto ameaçada, e Peeta me ameaçava, não ameaçava? Ele podia entrar e eu não queria deixar ninguém mais... Gale já estava ali, parecia tão certo...

Mas eu sentia tanta falta de Peeta...

“Nós só damos nossa vida por aquilo que amamos. Você quis dar sua a vida por Prim.”

“E também quis fazer o mesmo por Peeta...”

Tão óbvio. E eu era tão cega.

Mas agora, continuei, ele não me queria mais. Ele só tinha aquele maldito e doloroso carinho. Ainda cuidávamos um do outro, mas era diferente... Não havia mais braços ao meu redor, nem beijos roubados...

Então não consegui mais continuar e chorei. Sabe-se lá quanto tempo fiquei ali, encharcando a camisa de Haymitch.

Ele me deu mais alguns goles de bebida.

“Você sabe, ele não te odeia... ele te conhece, e mesmo com aquelas imagens malucas que Snow implantou nele, ele ainda confia em você. Porque ele voltou e te conheceu como você verdadeiramente é. Teimosa? Explosiva? Sim. Mas com esse coração enorme e esse jeito de menina que, bom, encantou toda Capitol.”

Eu limpo meu nariz com as costas da mão, e não consigo assimilar o que ele quer dizer.

“O seu problema, docinho, é esse seu orgulho. Você mesmo disse que se fecha, quando na verdade, deveria parar de se culpar e de esperar que ele venha até você... Ele já gostou de você uma vez... Por que você não tenta conquistá-lo. Você é uma mulher, pelo amor de Deus! Deve saber seduzir um homem.”

Sinto meu rosto arder. Eu deveria ter esse tipo de conversa com Haymitch? Não mesmo. Mas ele tem razão, não tem... O problema é que eu sou essa coisa sem charme. Eu não sei seduzir...

“Você mesmo disse que não tenho nenhum charme.”

“E o Peeta disse que você não sabe o poder que tem.”

“Você está dizendo para eu reconstruir minha vida e tentar ser feliz... viver uma história de amor?”

“Melhor do que ficar por aí, chorando, se lamentando e bebendo até cair.”

“Por que você não tentou?”

“Ah, eu quis tentar, docinho... Mas eu fui um menino mau e o Capitol tirou tudo de mim... Ou você acha que só o Peeta foi capaz de se apaixonar aos 16 anos?”

“Eles...”

“Eles a tiraram de mim. Isso é tudo.”

“E você não tentou achar outro alguém?”

“No início sim. Mas, você sabe, as garotas passaram a sentir nojo de um alcoolatra depressivo.” Então ele ficou anormalmente sério “Mesmo para os vencedores, Katniss, nunca houve oportunidade de felicidade, era uma forma do Snow mostrar para todos, que apesar de fortes, não éramos páreo para ele. Ou você não reparou as vidas miseráveis de todos os tributos vencedores?”

Ele disse essas últimas palavras em um quase sussurro. E eu me senti tão triste por Haymitch... Tão triste por mim e Peeta. Por Johanna, por Finnick...

Pulei do sofá quando a porta se abriu e um Peeta muito vermelho, devido ao sol, entrou se acostumando com a escuridão do lugar.

“Haymitch...”

Ele começou a falar, então viu a garrafa quase vazia, os copos em nossas mãos. Eu pensei que ele ia gritar e derrubar aquilo, mas ele só me olhou com... Pena?

Uma fúria inexplicável tomou conta de mim e eu quis arranhar, conseguir sangue do rosto dele.

“Haymitch... eu não acredito” Sua voz baixa e controlada “Katniss, não. Por favor...” Então ele deve ter reparado meus olhos vermelhos, meu rosto inchado, pois se aproximou de mim, ajoelhando-se aos meus pés e querendo tocar meu rosto “O que aconteceu? Você está bem?”

Havia preocupação nos olhos azuis, e eu afastei sua mão com um safanão. Ele olhou para Haymitch, inquisidor, porém nosso mentor apenas deu de ombros.

“Eu estou bem, ok?” eu disse tentando me levantar “Não estou bêbada e não vou me tornar uma alcoolatra... Não seja hipócrita, Peeta Mellark!”

Entendimento, passou em seus olhos azuis. Ele se levantou quando eu consegui ficar de pé. Poucos centímetros entre nós. Peeta estendeu os braços e segurou meus ombros.

“Você quer que eu te ajude a ir para casa? Eu posso...”

“Não. Eu posso me cuidar sozinha...” E de repente eu senti que as lágrimas estavam escorrendo pelas minhas bochechas... Mais uma vez. Na frente dele.

Caminhei em direção à porta, enquanto Peeta me chamava. Uma, duas vezes. Mas antes de sair, pude ouvir a voz de Haymitch.

“Deixe-a. É incrível como as vezes ela tem esse dom de estragar coisas mais simples, não é?”.

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Notas finais do capítulo

O segundo capítulo demorará um pouco, pois viajo esse fim de semana. Tão logo volte, posto o segundo.
Beijos!



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