Acordei com os raios de sol penetrando minhas pálpebras. Pisquei um pouco e sentei-me. Perk não estava lá. Ao invés dele, estava minha mochila. De repente, senti-me preocupada. Sai do lugar e fiquei procurando-o.

-Perk!-gritei um pouco baixo, e depois aumentei o volume, demonstrando preocupação na voz – Perk!

-Mackenzie? – os arbustos a minha frente se mexeram, e apenas o rosto sujo de barro de Perk apareceu.

-Você me deixou preocupada!- gritei repentinamente com ele.

-Calma! – ele disse levantando-se e limpando a roupa. Seu corpo tinha alguns arranhões por causa dos galhos – os Idealizadores tiraram todas as frutas da arena.- Perk acrescentou- e estamos sem mantimentos.

-Tudo bem – eu falei decidida- Isso faz com que nós tenhamos um motivo para ir a curnocópia. Devemos ir?

-Mackenzie – disse Perk preocupado. – Se agente for para lá... Teremos que...

-Eu já falei que não quero tocar no assunto – falei estressada.

Como eu ficava estressada quando Perk tocava no assunto. Aquilo me deixava tão... Tão preocupada. Agora eu sabia o que realmente sentia por Perk. Amor. Amor de família. Quando sua necessidade é proteger aquela pessoa. A mesma coisa que eu sentia por Ethan. De ter um afeto por ele. Para mim, aquela história de “eu te considero minha irmã”, fazia sentido pelo menos a mim. Não sei se era papo-furado para ele, mas eu sentia o verdadeiro significado.

-Certo. – Perk concordou – Não falamos mais.

Decidimos que o melhor era ir à cornucópia. Andamos o dia inteiro até chegar bem próximo. Chegamos bem no final da tarde, quase à noite. A mesa já estava lá, e as mochilas também. Não havia ninguém ao redor, nem um ruído. Tudo estava silencioso e calmo. Muito calmo.

Até que Shine surgiu da mata. Onde havia seu braço decepado, agora era um monte de pano misturado e ensanguentado. Shine usava uma blusa nova, e um casaco novo. Seus cabelos estavam cortados até os ombros. Havia seu velho “amigo machado” na mão. Sua cara era de valentia e louca por assassinato, mas no fundo de seus olhos, percebi a humildade e o medo.

De repente ela caiu de bruços no chão. Connor surgiu com uma nova arma na mão. Parecia um instrumento cilíndrico, que soltava agulhas. Seu rosto era corajoso e maligno. Connor, o garoto bondoso, matara Shine.

Senti Perk ficar assustado ao meu lado. Sua expressão era de dó e saudades. Perk fora o último amigo de Shine, que conseguiu acalmá-la.

Aquele menino que eu jurei com todas as minhas forças, que seria meu amigo e meu protetor nos Jogos, agora iria me matar sem piedade.

-Vamos avançar! – cochichou Perk, quase se levantando.

Eu o impedi com meu braço, em um movimento brusco.

-Espere. – eu cochichei de volta, tentando acalmá-lo.

Nossos rostos estavam muito próximos, como se fôssemos dar um beijo. Perk me olhou bravo.

-Mackenzie – ele começou- Se eu morrer, não fará diferença. Me deixe lutar com ele e...

-E me proteger – completei brava – Você sempre diz a mesma coisa para mim. Que vai me proteger. Sabe – falei pensativa e entediada- eu penso a mesma coisa. Mas não dá. Só um saíra vivo da arena. – apontei o dedo no peito dele – e vai ser você.

Saí de trás da árvore e quando fui avançar, um impulso forte me jogou para trás. Era Perk.

-Não vai ser eu.

Perk saiu correndo, ante de eu o impedir de ir. Connor ficou tão assustado com a velocidade de Perk, que deixou sua arma cair. Mas que tolice. Agora veria os meus dois amigos (ou que eu acha que eram), lutar até a morte.

Perk enfiou sua espada no coração de Connor, sem piedade. Meu rosto ficou quente e molhado. Meu choro era quieto, inaudível.

Corri até Perk, deixando as lágrimas saírem do meu rosto. Nem me despedira de Connor aquele dia em que desfizemos a aliança. Não falei com ele, e nem ouvi o que ele achava de mim, antes de morrer.

-Seu inútil! – gritei com Perk- Você não devia ter... Ter

-Ter matado Connor? – Disse Perk nervoso- O que você queria que eu fizesse? Dançasse em volta dele? Escuta aqui – continuou – eu prometi a mim mesmo que te protegeria até o final. E esse é o final.

-Perk... Eu não vou te matar!

-Eu vou me matar!

Perk pegou uma lança e mostrou para mim.

-Perk, por favor... – meu rosto voltou a ficar quente e úmido.

Ele pegou a lança e não aguentei ficar de olhos abertos. Cobri um rosto com as mãos e fechei os olhos. Não vi nada o que aconteceu naquele momento. Apenas abri os olhos para ver Perk caindo de joelhos. Ele ainda estava com um pouca de vida.

Ele se encostou a uma árvore com dificuldade enquanto eu me aproximava dele.

-Agora é só esperar a morte. – disse com a voz rouca.

-Tolo. – falei entre soluços. – eu não quero vencer!

-Mas você tem que vencer.

Me calei. Agora não tinha mais volta. Perk logo morreria. Voltei a chorar e enfiar a mão no rosto, como a garota do 7 e o garoto do 6 , no momento em que Shine a decepou.

Eu estava ajoelhada ao lado de Perk, enquanto ele estava encostado na árvore, com a lança no corpo, quando Perk virou-se para mim e disse:

-Eu quero um último pedido.

-Pode falar – disse sorrindo, porém chorando, e acariciando seu rosto com as costas da mão.

-Me beije.

-O quê?

-Me beije – ele repetiu ainda mais fraco.- Me beije nos lábios.

-Perk...

-Por favor – ele suplicou- é meu último pedido, Mackenzie.

Me aproximei do seu rosto. Nossos lábios se encostaram em um toque, e o beijo rolou. O beijo ficou mais intenso por um tempo e ficou assim, até a necessidade de ar tomar conta de nós.

-Obrigado – disse Perk, mais fraco do que nunca – era só isso que eu queria de você.

Acabei dormindo com a cabeça apoiada no peito de Perk. Havia chorado por um bom tempo. Eu acordei com os três tiros de canhão. Perk não estava mais comigo. Comecei a chorar novamente. Ele me deixara sozinha, num mundo ruim, onde eu teria que conviver com a sua perda.

 Foi então que havia me tocado. Estava tão distraída com a morte de Perk, que nem percebera. Eu vencera. Eu vencera os Jogos Vorazes. Eu vencera um pesadelo. O pesadelo de quase todas as crianças. Aquele ano, eu era a vencedora.