Fogo e Gelo escrita por Reira


Capítulo 39
Awake


Notas iniciais do capítulo

"I can't get it right
Get it right
Since I met you
Loneliness be over
When will this loneliness be over?
Life will flash before my eyes
So scared to be lost
I want to touch the other side
And the world
Thinks they are to blame
Why can't we see
That when we bleed we bleed the same..."

(Map of the problematique, Muse)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/221826/chapter/39

Nina POV

Subi na balança e não pude conter minha surpresa. Havia perdido quase dez quilos nos últimos meses. Olhei meu braços finos e suspirei. Iam começar a pensar que eu estava anoréxica.

Eu ia tirar o pijama quando alguém bateu na porta do quarto. Gritei que já ia, achando que era minha mãe, e quando a abri, me surpreendi ao ver Ken atrás de um buquê de flores.

–- Bom dia. - Ele disse, sorrindo. Sorri, tentando parecer feliz. Não que não me agradasse vê-lo, mas eu ainda não estava bem. Meu lado sombrio veio para ficar e seria difícil voltar a ver as coisa bonitas e simples com tanta escuridão e angústia que eu ainda sentia. Eu não era mais a Nina alegre. Antigamente, eu teria pulado, gritado e enchido ele de beijos. Dessa vez apenas sorri, agradeci e lhe beijei tentando não transparecer o que eu estava pensando.

Desde o episódio em que eu tentei me jogar da janela e a Shizuka me salvou, Ken tem me dado muita atenção. Não só ele, mas todo mundo. Todos se preocupam demais comigo, com medo de que eu volte a fazer isso de novo. Agora minha janela tem grades. Meu pai deu a desculpa idiota de que era porque assaltaram a casa da vizinha e pra disfarçar colocou grades nas janelas da casa toda, mas me fiz de tonta pra evitar mais problemas e concordei com a importância de investir em segurança nos dias de hoje. Segurança... e quem está salvo de si mesmo ?

–- Como você está ? - Perguntei, levando ele para dentro do quarto pela mão. Ele coçou a nuca e se sentou na minha poltrona.

–- Bem... ficou sabendo que a Helena acordou ?

–- É sério ? - Há tempos nada me surpreendia tanto. Arregalei os olhos enquanto procurava uma roupa para vestir.

–- É, vai ter até uma festa pra ela...

–- E o Castiel ? E a Shizuka ? - Havia certo desespero na minha voz. Ele riu sem humor.

–- Calma, me ligaram hoje dizendo que o Castiel não está bem, e estão pensando em não levá-lo na festa. Ele ia cantar com a banda lá... - Revirei os olhos.

–- Que ideia mais estúpida !

–- Vamos atrás da Shizuka, ela deve estar mal. Vou tomar banho e te encontro lá embaixo.

–- Ah, não, deixa eu esperar aqui...

–- Não ! - Eu disse, franzindo o cenho. - Vai pra baixo. - Ele me puxou e eu caí em cima dele, e acabei rindo. Não queria, porque estava nervosa com a notícia da Shizuka. Mas Ken era ótimo em me arrancar risadas. Apesar de minha risada agora não ter a alegria de antes, parecer até mesmo sarcásticas, aliviam um pouco do peso de dentro de mim.

Com muita insistência, ele acabou descendo pra sala para me esperar. Tomei um banho demorado, tentando aliviar a tensão, e logo fui procurar algo para vestir. Enquanto procurava uma calça, deixei uma blusa cair no chão. Era uma que tinha um gatinho fofo sorrindo, cheia de corações. A peguei e ao ver a estampa dei uma risada sarcástica. Aquilo me parecia tão bobo agora. É estranho pensar que eu gostava tanto dessas coisas.

E sem querer uma cena veio na minha mente.

"-- Você fica ridícula com isso - Disse ele, rindo, se referindo á minha blusa de gatinho. Eu apenas joguei a almofada na cara dele e voltei a assistir a tevê. - Imagino você saltando de lá pra cá, sorrindo sem parar, com uma blusa dessa...

–- Essa Nina morreu - Eu retruquei.

–- Sinceramente... prefiro você agora. - Ele disse, se aproximando de mim no sofá. Eu tentei me afastar, mas ele foi se aproximando até estar com a boca colada no meu ouvido. Tentei afastá-lo com as mãos, mas ele era forte demais. - Garotas bravas me atraem - Ele sussurrou. Eu ri com escárnio.

–- E se essa garota te matar ?

–- Ela não teria coragem - Disse ele, colocando meu cabelo para trás de orelha e beijando meu rosto.

–- Saia de perto de mim, Lysandre - Eu disse, mas minha voz fraquejou e isso me desarmou. Pude sentir que ele sorriu.

–- Você já poderia ter ido embora se quisesse. Mas você não quer, você depende de mim... você se parece tanto comigo agora. Nós nos merecemos Nina, você vai ficar comigo pra sempre..."

Para sempre...

Aquilo ficou em minha mente durante algum tempo. Quando acordei do transe, me lembrei de Ken lá embaixo me esperando, e de Shizuka. Me senti culpada por me distrair por algo que devo esquecer. Mas o passado era como um monstro de braços compridos que me puxavam para baixo, me prender lá. Nas memórias obscuras. Se não me cuidasse, seus braços me envolveriam de forma a ser impossível desfazer. Senti um arrepio subir pela minha espinha, o mesmo que eu sentia quando ele sussurrava em meus ouvidos. Me lembrei dos olhos heterocromáticos. Das asas nas costas.

Um olhar suave, o cabelo claro, as asas... ele parecia um anjo. Uma aparência que contrastava tanto com sua personalidade...

Suspirei e num impulso joguei a blusa no lixo, e voltei a me trocar, agindo mecanicamenete, evitando pensar. Porque eu sei que no fim acabaria pensando nele.

Ambre POV

–- Já está preparado ? - Perguntei ao Nathaniel, vendo-o passar pela sala para sair. Ele me olhou com uma sobrancelha erguida. - Ora - Dei de ombros. - Não vai ser fácil lidar com uma garota que dormiu por tanto tempo... não seria melhor esperar mais uns dias ?

–- Eu não vou aguentar. - Ele disse. Meu coração até pesou naquele momento. Me coloquei no lugar dele, apesar de não ser do meu feitio. Imaginei tudo que deveria estar passando pela cabeça dele naquele momento. E meu maior medo era ela não dar a menor importância para ele e se derramar pelo Castiel, o que o machucaria muito. Antes que eu dissesse qualquer coisa, ele saiu.

Eu também queria vê-la, mas achava melhor esperar toda esse tumulto passar. Calcei minhas pantufas e resolvi fazer algo para comer. Desde que descobri estar grávida, minha fome aumentou demais. Nunca comi tanto doce como agora.

Enquanto preparava panquecas doces, fiquei pensando em tudo que acontecera e tudo que poderia acontecer. Engraçado pensar que á um ano atrás eu estava agindo futilmente e hoje isso me parecia tão idiota. Aquela pessoa não era eu, não pode ser.

Virei a massa da panqueca, deixando minha mente vagar entre momentos passados e recentes. Olhei para minha barriga, que já estava um pouco saliente. Agora eu pensava em coisas com sentido, como meu futuro. E no futuro dessa criança.

Me lembrei de quando era criança, de quando era zombada. De tudo que me levou a ser o que eu era, aquela garota desprezível. E desejei com todas as minhas forças nunca deixar isso acontecer com essa pessoa que eu teria de cuidar. Pensei em como são as pessoas, em como é o mundo, em como nós somos e me dói aceitar que ela - ou ele - terá de enfrentar tudo isso. Não vai ser como foi comigo, não vai.

E em um desses momentos, acabei lembrando de um relacionado á quem eu mais queria esquecer.

" -- Seu nome deveria ser Vasti - Ele disse, com uma expressão de zombaria.

–- Vasti ? Que nome é esse ?

–- Foi uma Rainha. Uma das esposas do Rei Assuero...

–- Nunca ouvi falar.

–- Claro que não. - Seu tom de voz era de sarcasmo, o que me irritava profundamente.

–- São figuras bíblicas. Vasti era uma Rainha bela, porém prepotente, orgulhosa, desobediente... - Disse ele, se aproximando do meu rosto enquanto o segurava pelo queixo. - Inconsequente...

–- O que ela fez ?

–- Se apresentou ao Rei sem ser convidada. E por causa de sua personalidade, ele não estendeu a ela o cetro de ouro.

–- E o que isso significava ? - Ele apenas sorriu de canto e fez um gesto com uma de suas mãos, como se estivesse cortando seu pescoço. Ergui as sobrancelhas.

–- A vida é como esse Rei - Eu disse - Ela nunca nos estende o cetro de ouro.

–- Porque certas pessoas não merecem. - Ele retrucou. - Ou não são espertas o suficiente para convencer os outros de que merecem."

Saí do transe quando senti o cheiro de queimado. Dei um grito e deixei a panqueca, agora uma massa preta, cair no chão. Desliguei o fogão, afobada, tentando afastar a fumaça.

Saí de perto do fogão tossindo, indo pegar um pano para limpar a sujeira.

Enquanto recolhia os restos da panqueca do chão, me lembrei dessa memória e percebi que minha mão tremia, consequência do susto. E da lembrança profunda. Que me ligou ao pensamento de quanto o desprezo, mas no fundo eu o queria aqui. Queria que ele mudasse, que aceitasse que agora vai ter um filho. Uma lágrima teimosa escorreu no meu rosto, o que acontecia quase sempre que eu me lembrava que estava sozinha nessa. Mas eu teria de enfrentar. Ele jamais irá voltar. Jamais...

Nathaniel POV

Dei um salto no carro ao ouvir uma buzina. Só então percebi que quase ultrapassei o farol vermelho.

Eu precisava relaxar. Abri o porta luvas do carro e peguei um CD da minha banda preferida, Muse. Coloquei para tocar a minha preferida, Map of the problematique, e depois segui tentando diminuir a velocidade.

A música ajudou, mas era impossível relaxar completamente. Milhares de perguntas perambulavam por minha mente, a ansiedade, o medo. Medo de que ela não me reconhecesse, não se importasse...

Ao chegar no hospital, consegui estacionar rapidamente por sorte e corri até a recepção. Não demorou muito até eu ser chamado, e adentrar o enorme corredor rumo ao seu dormitório.

Hospitais sempre foram muito deprimentes pra mim. Aqueles corredores enormes e frios costumavam me assustar muito quando eu era criança. Eu sempre imaginava que haveria algo terrível no fim deles.

Ao chegar em seu dormitório, respirei fundo e girei a maçaneta com a mão trêmula.

Ao abrir, ali estava ela. Encarava a TV com um olhar cansado. Estava pálida, porém seus olhos ainda tinham o mesmo brilho, e seus cabelos, apesar de um tanto bagunçados, continuavam lindos como sempre.

Sua franja, antes curta, agora estava presa para trás.

Ao ouvir o leve rangido da porta, ela olhou para o lado. Ficou me encarando por alguns segundos, com o olhar perdido.

A lentidão de raciocínio é uma consequência quase geral para os que acordam de um coma. Depois de alguns segundos, ela abriu a boca e balbuciou algo. Após duas tentativas frustradas, conseguiu pronunciar meu nome.

–- Nathaniel ?- Ela perguntou. Sua voz saiu um tanto fraca, e podia perceber que ela apertava os olhos.

–- Helena – Sussurrei, deixando uma lágrima escorrer. Sequei-a rapidamente, pois não queria que ela me visse chorar. Aquilo parecia um sonho. Ver aqueles olhos novamente. Era como se uma parte de mim renascesse. Corri e a abracei. Após alguns segundos, ela retribuiu meu abraço.

–- Como você está ? – Ela perguntou, e eu podia ver que seus olhos estavam marejados. Aquele momento era apenas nosso, e não havia mais ninguém. Torcia para que a enfermeira demorasse a voltar. Segurei seu rosto com minhas mãos, e dessa vez não consegui me conter. As lágrimas começaram a escorrer, e eu não conseguia falar. Apenas conseguia fitar aqueles olhos, que a pouco tempo atrás eu achava que só veria novamente em meus sonhos.

–- Como acha que estou – Minha voz falhou, e respirei fundo – Após ver você ? – E sorri. Ela sorriu de volta. Ela olhou em volta, novamente com aqueles olhos perdidos, e logo me encarou novamente.

–- Onde está o Castiel ?

Aquilo foi um baque. Senti como se tivesse caído de cima de uma árvore alta, senti meus pulmões se esvaziarem. Porque ela estava perguntando dele ? Eu estava ali, após tanto tempo, e ela pergunta dele ? Não soube o que responder, apenas continuei encarando seu rosto, agora com uma expressão decepcionada. - Achei que viriam juntos. – Balancei a cabeça e soltei seu rosto, me segurando para não demonstrar o que sentia.

–- Ele não pôde vir – Disse qualquer merda que havia passado em minha mente. Ela nem sequer sonhava tudo que havia acontecido desde então. A raiva me fez querer contar sobre a Shizuka, contar que ainda a amava, mas um cisco de sensatez me fez pensar em como ela se sentiria. E me calei, engolindo todas aquelas palavras amargas, e me senti sufocar.

–- Entendo... – Havia tristeza em seu olhar. Não suportava aquilo. A abracei novamente e disse que precisava ir, e que mais tarde voltaria para conversarmos. Nesse instante a enfermeira entrou, e a cumprimentei com um aceno antes de sair para ir para casa. Antes de ir embora, perguntei ao médico que cuidava de seu caso, quais eram as sequelas. Raciocínio lento, diminuição da visão – nada grave, mas teria de usar óculos – perda leve de audição e um pouco de lerdeza nos movimentos. Não deveria ser deixada sozinha nunca, pois poderia ter tonturas e ataques de sonambulismo, e teria de tomar remédios para controlar possíveis crises de depressão e ansiedade, ou até mesmo uma síndrome do pânico. Também poderia apresentar confusão mental.

Já era doloroso o suficiente saber que ela ficaria com todas essas sequelas. Mas eu estava disposto a cuidar dela, a ajuda-la. Mas não era eu quem ela estava esperando.

Eu estava tão nervoso que pensei que não seria capaz de dirigir de volta pra casa. Pensando nisso, liguei para a primeira pessoa sensata que me passou pela mente – Hoshina – E pedi que ela viesse de táxi até o hospital para me levar para casa no meu carro. Disse que pagaria o taxi de vinda e também para ela voltar pra casa. Expliquei a situação por cima, e ela disse para eu não me preocupar e concordou.

Enquanto a esperava chegar, sabendo que demoraria no mínimo uns vinte minutos, fui até a cafeteria do hospital e pedi um cappuccino. Enquanto estava sentado, esperando o cappuccino esfriar, fiquei observando a garçonete indo pra lá e pra cá, servindo as pessoas. Por um momento minha mente se esvaziou, mas logo os pensamentos daquele noite horrível vieram a minha mente. O que senti ao saber que ela havia acordado. E o que senti ao saber o quanto ela ansiava ver o Castiel... e o quanto fui ingênuo. Ela o amava, ela o ama, e eu esperava o quê ? Que após acordar seu cérebro confundisse as informações e ela passasse a me amar ?

Ri com sarcasmo, apesar da profunda angústia em meu peito, e tomei um gole do cappuccino.

O caminho de volta foi totalmente silencioso. Exatamente isso que eu gostava em Hoshina. Ela sabia que você estava mal.

Sem perguntas.

Mas sempre pronta a ouvir caso quisesse dizer algo.

Ao chegar, não via hora de ir para o meu quarto e tentar relaxar. Mas ao chegar, o que encontrei foram gritos.

Ambre estava chorando e minha mãe parecia nervosa. Eu não queria me envolver, mas perguntar o que havia acontecido foi automático. Minha mãe respirou fundo e me encarou.

–- Eu e seu pai tomamos uma decisão quanto a Ambre e seu bebê.

Lysandre POV

Aquilo parecia errado, mas devia ser apenas até eu me acostumar.

Após ajeitar minhas coisas no hotel, aluguei um carro e fui dirigindo até a casa dela.

Sem rodeios, estacionei, corri até a porta e bati.

Ela me atendeu, com seu olhar como se te condenasse por entediá-la, os cabelos

desajeitados, aquele charme irresistível, aquela inocência no fundo dos olhos.

–- Oi Nina. – Eu disse, sorrindo de canto. Ela apenas arregalou os olhos e deu um passo para trás, como quem vê uma assombração. Sua expressão era claramente uma interrogação. -- Eu senti sua falta...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Gente... após meses, aqui estou eu.
Eu pensei em desistir, mas eu cheguei até aqui não é ?
Me perdoem ;-; prometo que me esforçarei... estamos na reta final, logo tudo acabará. Desse ano não passa !

Obrigada de coração por acompanharem até aqui. Não desistam de mim !



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Fogo e Gelo" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.