Fogo e Gelo escrita por Reira


Capítulo 38
Oasis


Notas iniciais do capítulo

"Oh, and twisted thoughts that spin round my head
I'm spinning, oh, I'm spinning
How quick the Sun can, drop away
And now my bitter hands cradle broken glass
Of what was everything?
All the pictures have all been washed in black, tattooed everything...
All the love gone bad turned my world to black
Tattooed all I see, all that I am, all that I'll be..."

(Black, Pearl Jam)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/221826/chapter/38

Castiel POV







Acordei no meio da tarde com o telefone tocando.

–- Castiel ? - Reconheci a voz na hora.

–- O que foi Dake ?

–- Você tava dormindo ? Não vai ver a Helena ?

–- Vai a merda – Disse, esfregando os olhos.

–- As meninas querem dar uma festa no sábado e querem que a gente toque. Vamos ?

–- Festa ? - Falei em tom de reprovação. - Como festa cara ? A situação agora não pede isso não... - Falei, ainda meio sonolento. Não estava nem conseguindo processar as informações direito. Na verdade, estava dormindo para evitar pensar.

–- Mas é justamente por isso... a festa é pra ela. Castiel, é melhor você enfrentar isso logo e resolver o que quer, cara. Se quer a Helena, ou a Shizuka. A Helena é nossa amiga também, não dá pra evitar ela...

–- Eu sei. Eu sei... - Suspirei fundo.

–- Você nem foi pra escola hoje... - Dei uma risada sarcástica.

–- Até você que brisa percebeu ? Ok Dake. Vou resolver isso hoje mesmo.

–- Tá, mas é pra resol... - Desliguei na cara dele e joguei o celular para a borda da cama. Pensar em tudo isso estava me consumindo que eu mal conseguia me concentrar em uma atividade simples como comer. Desde manhã não coloquei nada no estômago, e meus pensamentos parecem mais como labirintos em que, não importa o caminho que tome, você sempre acaba voltando para o mesmo lugar.

Pensar no olhar de Helena me encarando me dava calafrios. Pensar na dor e no conflito interno que me assombrava, entre a tentação e o amor, o que eu penso ser amor, ao menos. Na dor que senti ao vê-la e agora ter a coragem de dizer á ela que eu não a esperei.

Pensar era um fardo. Meu corpo inteiro parecia pesado demais, somado ao fato de que tudo parecia ridículo e algumas risadas de escárnio escapavam, porque tudo isso é loucura.Em algum momento eu perdi a esperança de que ela abriria os olhos novamente, e me rendi. Um homem como eu se rendeu.

E então me lembrei de Jack, um cara com quem tinha amizade – na verdade, o cara que me fornecia a “mercadoria”. Por um momento passou pela minha cabeça me entorpecer, por um momento eu quis apenas parar de pensar, porque senão eu enlouqueceria.

Foi um erro pensar isso, pois eu já enlouqueci.

Me sentia horrível, como se o mundo fosse desabar em cima de mim. Como se eu carregasse todos os fardos e todas as tristezas do mundo em cima dos meus ombros. É monstruoso o que sua mente consegue fazer consigo mesmo. Porque era como se uma força maior me empurasse para esse abismo, como se alguém sussurrasse em meu ouvido todas as verdades, toda a dor que eu estava prestes a causar. Como se uma mão me calasse me impedindo de responder a essa voz racionalmente, como se eu tivesse cordas e alguém me manipulasse. E por causa do desespero, lá estava eu batendo na porta do Jake como não fazia há anos.

–- O que você quer Castiel ? Você não tinha saído dessa vida ?

–- Cala a boca e me passa logo. - Estendi o dinheiro para ele, que arregalou os olhos de surpresa. Pegou o dinheiro e entrou na casa, e logo retornou com dois saquinhos cheios de pó branco.

–- Aqui está seu pozinho mágico – Disse, com um sorriso sarcástico – Não vai se perder na terra do nunca hein ? - Ele disse enquanto eu me afastava. Suspirei fundo me segurando para não virar um soco na cara dele.

Me sentia incapaz de tomar qualquer atitude que realmente fizesse alguma diferença. Porque cada escolha é uma renúncia e as duas renúncias eram pesadas demais para enfrentar.

Quando cheguei em casa, me olhei no espelho e estava com orelhas profundas, como se não tivesse dormido por dias. É incrível como cansaço da alma consegue transparecer em minutos um cansaço físico de dias.


Minha mente estava enevoada e meu olhar turvo. E aquilo era só o começo. Por ainda havia muito mais e eu tinha consciência que isso poderia acabar comigo. Mas eu não estava me importando, porque de alguma forma eu queria que realmente acabasse. Queria e não queria, e essas duas vontades lutavam dentro de mim. E eu permanecia neutro sem conseguir transformar meus pensamentos em ações, porque agora eu estava entorpecido, literalmente.

Tudo na minha mente pareciam fotografias em preto e branco. Imagens congeladas de Helena passavam por ela como flashes, como águias cortando o céu. Em preto e branco, como se tudo aquilo tivesse morrido. Tudo pintado de preto, como se isso mostrasse o quão negra era a situação dela. A minha.

Ouvi o celular tocar, e tive a sensação de ser a Shizuka. Me arrastei até a cama e peguei o celular. Ao atender, ouvi sua voz preocupada.

–- Castiel ? Porque não foi á aula hoje ? Está tudo bem ? - Minha resposta foram reticências, pois apesar de pensar minha voz não saía. Eu queria dizer, mas simplesmente não saía. E meus braços estavam tão fracos que até o celular parecia pesado demais.

–- Castiel... ? Fala comigo ! - Seu tom de voz estava começando a ficar nervoso. Quando ela ia dizer meu nome novamente, deixei o celular cair e sem capacidade de pegá-lo, voltei para o meu oásis negro. Oásis costumam ser ilusões da mente, uma falsa esperança. Não é algo positivo. As pessoas costumam chamar de oásis tudo que traz paz, tudo que parece ser um fio de luz em meio á escuridão. Mas não é nada disso. Quando um homem no meio do deserto, com sua mente conturbada, incapaz de pensar racionalmente, de pensar em uma solução, com a mente cansada e o corpo sofrendo em meio a sede, vê um poço de água, corre desesperado, sentindo em prazer o equivalente á sua dor, mas quando vai tocá-la, percebe que não passa de um monte de areia. E a dor volta ainda mais forte, porque a dor é sempre mais forte com a morte da esperança. Por algum instante aquilo lhe trouxe paz, sua mente se clareou. E mesmo que bebesse, mesmo que fosse real, aquilo apenas esticaria seu sofrimento... todo sofrimento faz da mente um deserto, e pensar racionalmente é quase impossível. Porque estar nesse deserto você precisa permitir, mas quem tem força para ignorá-lo ?

E o oásis é apenas uma mentira...






Helena POV






Como eu poderia descrever a mente de alguém que dormiu por tanto tempo ?

Eu me senti como a Bela Adormecida, mas nessa versão não havia príncipe. Nem contos de fada. Apenas a realidade batendo em mim sem piedade.

Quando você acorda de manhã, demora alguns minutos para processar tudo que aconteceu e qual vai ser sua rotina do dia. Escova os dentes e lava o rosto com certa lerdeza... agora multiplique essa demora por meses.

Fiquei em silêncio me encarando no espelho. Meu rosto não envelheceu em nada, mas eu me sentia velha por dentro. É esmagadora a sensação de ter perdido tanto tempo.

–- Você vai recuperar – Eu ouvia das pessoas próximas á mim – Muitas pessoas perdem esse tempo também, mas de forma fracionada, entende ? Vivendo sem objetivo – E davam uma risada. Mas eu não ria. Porque minha mente estava lerda demais para processar que aquilo era engraçado. Nada se encaixava, minha mente era como um pássaro voando veloz sem focar em nada. Olhando verozmente para as paisagens á sua volta, em flahses rápidos, sem parar para descansar um minuto. Eu perguntava mecanicamente sobre minha família, meus amigos. E ia me contando aos poucos, tudo que havia acontecido. E então me lembrei da noite do acidente.

O impacto e a escuridão.

Ao lembrar, sentia meu corpo doer, como se a batida tivesse sido ontem. Em certo momento, cheguei até mesmo a ter crises, chorando desesperadamente, gritando, incapaz de controlar minhas emoções e pensamentos.

Aos poucos, como quem organiza um quarto, os pensamentos foram se ajeitando. Mas eu ainda não havia aceitado totalmente. Me reerguer e conseguir conviver normalmente – ser normal de novo – seria um processo demorado.

E quando a escuridão pareceu dar um tempo, o rosto dele me veio á mente.

Castiel.

Eu precisava vê-lo. Eu o amava tanto, e esse sentimento foi voltando, até eu ter a certeza. Eu precisava desesperadamente vê-lo.

Me pediram paciência, me pediram para esperar até que tudo se acalmasse. Que haveria festa para mim, que eu o veria lá.

Mas eu não queria esperar.

Eu o queria mais que tudo. Eu o amava, e quando me recordei da noite do acidente, me lembrei da música que ele tocou para mim, e a ouvi durante todo o dia.

Me agarrei á ele, como a única coisa que fazia sentido.

Como um oásis em meio ao deserto.






Shizuka POV





–- Isso não pode estar acontecendo ! - Gritei, nervosa, para Hoshi ao telefone. Ela tentava em vão me acalmar, mas eu não ouvia. Castiel não atendia mais meus telefonemas, e eu tinha a forte sensação de que algo muito ruim havia acontecido.

–- Se acalma, a gente vai até lá. O Armin chegou e a gente vai te levar lá, ok ? - Como sempre, a força de Hoshi me servindo de apoio.

Cada minuto esperando eles chegarem parecia interminável, assim como os minutos para chegar até a casa dele. Chamamos e a empregada abriu para nós, pois também estava preocupada, porque tentou bater no quarto dele e não teve resposta e a porta estava trancada. Ao ouvir isso, me desesperei e corri até a porta do quarto dele, batendo e gritando desesperadamente.






Castiel POV





Eu ouvi a voz de Shizuka ao longe. Olhei para o lado, com a visão quase escurecida, tentando encontrá-la. Mas não via nada, minha mente mal conseguia focar em alguma coisa. Estendi os braços num ato mecânico como se aquilo pudesse me fazer encontrá-la, e de repente a vi em frente á mim. Passando a mão em meu rosto, dizendo que tudo ficaria bem. Coloquei minha mão em cima da sua, sem conseguir dizer uma palavra. Gritando em silêncio para que ela me salvasse. Pedindo desculpas em silêncio por ser tão covarde. Dizendo no completo silêncio e solidão que eu só queria ser capaz de enfrentar tudo sem desmoronar. Ser capaz de ignorar as vozes em minha mente, o monstro do medo me consumindo.

Um oásis em meio ao deserto.

Uma mentira.

E tudo ficou escuro e não ouvi mais a sua voz me chamando.







Shizuka POV





–- Ele não abre... -Sussurei, quase sem voz. Armin tentava encontraruma solução enquanto Hoshi me abraçava, tentando me acalmar, e a pobre empregada sem entender nada segurava um copo de água com açúcar, pronto para estendê-lo para mim assim que eu me acalmasse um pouco.

–- O que a gente vai fazer ? - Ouvi Hoshi sussurrar para Armin, mas fingi que não para ouvir a resposta dele. Ele respirou fundo e passou as mãos no rosto, claramente nervoso.

–- Podemos tentar abrir com uma chave de fenda. Onde estão as ferramentas ? - Perguntou ele para a empregada. Hoshi pegou o copo da mão dela, e me deu. Bebi sem questionar enquanto os ouvia descer a escada atrás de ferramentas.

Por um momento senti raiva em saber que aquela garota era culpada por tudo isso, mas depois me sentia culpada por lembrar que na verdade ela não tinha culpa. Ninguém era, mas todos se sentiam. A culpa não é racional, na maioria das vezes. Nós que nos submetemos á ela.

Quando eles voltaram, esperei em silêncio, tentando não pensar no pior. Sentindo as lágrimas molharem meu rosto sem que eu pudesse evitá-las, até que Armin conseguiu abrir e entrei correndo. Ele não estava no quarto. Corri até o banheiro e ele estava deitado ao lado da banheira, de braços estendidos e olhos fechados. Gritei e me ajoelhei diante dele, sacudindo e chamando seu nome, tentando em vão acordá-lo.

–- O que aconteceu ?- Perguntou Hoshi, uma pergunta retórica obviamente. Armin pegou os saquinhos em cima da pia e então entendemos tudo.

–- O que... ?- Perguntei, incrédula. - Castiel, porque você... - Impossível. Ele não faria isso. - Ele não faria isso...

–- Não em seu estado normal, Shizu – Disse Hoshi. - Vou chamar a ambulância, fique aqui com ele. - Ela pegou o celular e saiu para o quarto enquanto discava. Armin permaneceu ali, olhando a cena tão incrédulo quanto eu. Passei as mãos pelo rosto dele, entendendo que aquilo não era ele. Ele não fez de propósito, é apenas humano. E eu o amo por isso. Porque ele sente, ele demonstra que sente e mesmo tendo essa recaída, eu sei que ele conseguiria ser forte.

–- Tudo vai ficar bem, Shizu. Essa não é a primeira vez. - Encarei Armin. Eu sabia que não, mas fazia tanto tempo... eu poderia pensar que ele não é forte, mas é fácil julgar. Tudo é fácil quando vemos a situação de fora. E eu me esforçava de verdade em entender o que era estar no lugar dele.

Me senti mais aliviada ao ouvir a sirene da ambulância, e o acompanhei o caminho todo até o hospital. Fui o caminho todo sem dizer palavra, apenas olhando para seu rosto, me apoiando na esperança de que uma hora, essa tempestade passaria. Demoraria, mas passaria.







Lysandre POV






Malas prontas, sem lentes. Tentando ser o verdadeiro Lysandre após um Coup D'etat mental.

Digo isso porque derrubar suas forças interiores é como um golpe de estado. Você sabe que o que te domina está errado. Reúne forças. E sutilmente derruba os ideias que te governavam, e no meu caso o governo era totalitário.

Você tem medo, é claro. Não é fácil assumir as rédeas de si mesmo e derrubar tudo que te prende, se livrar de seus medos, não deixar aquela maldita voz te controlar.

Com meu olhar heterocromático chamando a atenção por todo o aeroporto, peguei o avião de volta para os EUA.

Mas a pergunta era se isso duraria. Se eles voltariam. Porque assim como todo governo, demoram-se anos para apagar as manchas do domínio violento e impiedoso de seus antigos líderes.E derrubá-los gera consequências, muitas vezes, pesadas demais.

Essa revulação não é televisionada. A maior de todas. A que ocorre silenciosamente, para o bem ou para o mal, dentro de nossa mente. Por é da mente é que vem as ações, e das ações...

Acabei pegando no sono graças aos remédios para dormir. E quando o avião pousou, depois de me acomodar no hotel, fui direto para a casa dela. Ignorando qualquer pensamento de que aquilo era loucura, ridículo e atípico do vilão. Agora eu sou o anti-herói. Porque herói é pensar demais...

Mas eu vou salvar a princesa, então talvez eu possa ser considerado um...







Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Gente,ressurgi das cinzas !!!111!!!

Espero que gostem do capítulo ;^; a fic está na reta final... muito obrigada por terem comentado, não consegui nem responder gente, me desculpem mesmo ;^; mas muito obrigada, eu li todos, vocês são todos um lindos ♥ prometo responder a todos assim que der !!
Não me abandonem ;-; não abandonarei a fic até que esteja terminada ! ÒwÓo
Mas o que acharam ?
Beijos para vocês, e comentem !Prometo responder os novos e os antigos que estão pendentes u-u



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Fogo e Gelo" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.