Kuroi Crystal escrita por Luciane


Capítulo 9
Capítulo 8 - Um pedido de ajuda




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Yuuhi não sabia porque havia decidido ir àquele lugar. Foi um trajeto feito quase mecanicamente e, quando deu por si, já estava naquele armazém escuro e aparentemente deserto.
Caminhando pelo local, encontrou, num canto, os únicos indícios que provavam que alguém vivia ali: uma mochila jeans, um livro e um MP3-Player. N’outro canto, um pouco afastada, havia uma sacola ao lado de um cobertor dobrado. Voltando a olhar para a mochila, Yuuhi apanhou o livro que se encontrava sobre esta. Nesse momento, um relâmpago cruzou o céu, lançando um rápido e trêmulo flash de luz azulada no ambiente, o que lhe o permitiu ver a capa do livro: “Nemesis”, de Agatha Christie.
Ouviu passos e voltou-se para a direção em que eles vinham. Mais um relâmpago e, novamente, o lugar viu-se iluminado. Com isso, os dois puderam se ver.
Sayuki usava uma calça preta, larga no corpo, e o mesmo casaco que usara na noite em que Yuuhi a seguiu até a casa onde ela morava. Contudo, dessa vez o capuz estava caído para trás, o que possibilitou ao garoto ver que os cabelos dela estavam molhados. Com isso, ele não pôde evitar sorrir para si mesmo, pensando que, com os cabelos soltos, aquela garota até que conseguia ter a sua beleza.
Já Karin, em contrapartida, não o admirava nem, tampouco, avaliava as roupas dele. Apenas o encarava com acentuado ódio.
Ignorando totalmente o olhar dela (mesmo porque, estava escuro demais para reparar nisso), Yuuhi olhou novamente para o livro em suas mãos e comentou:
-“Agatha Christie”? Minha irmã também é fã dessa escritora. Tem quase todos os livros dela. – Ele voltou a olhá-la – Sabe que... Eu nunca poderia imaginar que você fosse do tipo que curtisse romances policiais. Na verdade, eu nem sei mais o que imaginar de você: uma criatura das mais imprevisíveis que já conheci.
Por alguns segundos, houve apenas o silêncio como resposta. Até que ela fechou os punhos, indo com eles em direção ao colega de escola. O livro caiu das mãos de Yuuhi assim que seu rosto foi atingido pelo primeiro soco. E outros vieram... Dois, três, quatro, cinco... Ela descontava naqueles golpes todo o ódio que sentia por estar naquela situação. E Kawamoto não fazia o menor esforço para se defender ou esquivar. Sentia que aquela era uma forma de Sayuki se vingar pelo que ele lhe havia feito naquele dia no terraço da escola. E ele, como uma forma de penitenciar-se pelo que fizera, absorvia sem reação o duro castigo, pois não se perdoava por ter agredido uma garota.
Ela ainda o socava quando sentiu sua vista embaçar. Seu corpo amoleceu e começou a cair lentamente. Yuuhi foi rápido em segurá-la, impedindo que ela chegasse a cair no chão. Nesse momento, sentiu que a temperatura do corpo dela parecia mais alta que o normal.
-Sayuki? Tudo bem aí?
A garota ainda levou algum tempo para sintonizar aquela pergunta. Suas pálpebras pesavam, a cabeça doía, seu corpo parecia queimar e ela sentia frio... Muito frio.
Quando finalmente deu-se conta de sua situação, percebendo os braços de Yuuhi que a amparavam, recobrou-se de súbito e o empurrou, afastando-se dele.
-Não toque em mim. – Alertou ela, com a voz baixa, mas autoritária.
Ele irritou-se com a reação:
-Só estava tentando ajudar, sua ingrata!
-Não preciso da ajuda de ninguém.
-Vem cá, tu já olhou pro céu? Tá armando mó pé d’água.
-E eu com isso?
-Por acaso acha que está protegida aqui? Essas telhas tão tudo quebradas. Isso aqui vai ficar tudo molhado.
-Problema meu. Dá o fora!
-Aff... Entende, criatura! Tu não parece estar nada bem, e vai piorar ficando aqui nesse frio e nessa chuvarada que tá pra cair. Volta pra tua casa.
-Não tenho casa.
-Tua família deve tá preocupada contigo.
-Não tenho família.
-Conselho de amigo, garota: não dá pra passar essa noite nesse lugar.
-Não tenho amigos.
-O que tu tem afinal?
-Eu tenho a mim, mais do que o suficiente. Agora dá o fora daqui.
-Essa mania de querer bancar a auto-suficiente não vai te levar a lugar algum.
Nesse momento, Yuuhi teve a impressão de ver um leve esboço de um sorriso sarcástico se formar no rosto da jovem. Ela, então, comentou:
-Pelo menos em mim eu posso confiar. Em mais ninguém.
Yuuhi permaneceu calado, sustentando o olhar de Karin. Pensava em como uma pessoa tão jovem poderia ser tão rancorosa àquele ponto.
-Vai embora, já disse. – Ela ordenou.
-Eu vou mesmo! Não sei porque perdi meu tempo me preocupando com você.
-Dispenso sua preocupação.
-Já te disse que você é insuportável?
-Já te disse que tua opinião não me interessa?
-Afe... Quer saber? Fui um idiota me preocupando contigo. Tomara que morra logo. Parece que não vai fazer falta pra ninguém mesmo.
Dizendo isso, o rapaz virou-se, caminhando em direção à saída do local. Karin o acompanhou com os olhos, pensando sobre as palavras que ele havia dito... Não deixava de ter razão.
Assim que ele saiu, ela sentou-se no chão, encolhida. Olhou para o cobertor que Hideki havia levado para ela alguns dias atrás e, por fim, o pegou, enrolando-o ao seu corpo. Estava com frio demais para continuar bancando a orgulhosa.

*****
-Está esfriando... – Comentou Maaya, de pé, próxima à janela da sala, segurando uma xícara de chá.
Sentado em um dos sofás, assistindo a um programa qualquer na tevê, Hideki concordou:
-É, parece que essa noite será bem fria. E ainda estamos no verão. Tempo louco...
Maaya ficou em silêncio por algum tempo, ainda olhando para o céu, preocupada. Parecia que a chuva que estava para cair não seria das mais mansas.
-Como ela deve estar?
Hideki voltou os olhos para ela. Após uma breve pausa, respondeu:
-Não sei, mãe. Mas você sabe que de nada vai adiantar eu ir até lá novamente. A garota é a teimosia em pessoa. E, pelo que percebi, não quer mais me ver nem pintado na frente dela. Se eu for até lá, tudo o que conseguirei será outra reação violenta dela, o que não vai nos ajudar em nada, muito pelo contrário.
Ela suspirou. Ainda olhando pela janela, levou uma das mãos ao cristal preso em seu colar, passando de leve os dedos sobre ele.
-Ela não está bem.
-Coisa da sua cabeça, May. Como pode saber como ela está?
-Meu coração diz que ela não está bem. E se você me chamar de “May” mais uma vez, eu te deserdo.
-Desculpe, MÃE. ¬¬’ É força do hábito u.u... Mas se acalme. Está impressionada por causa do tempo, apenas isso. Ela está bem, sim.
-Sabe que só vou me acalmar quando tiver ela perto de mim novamente.
-Pode ter ela perto de você. É muito simples: conte a verdade.
-Se eu contar a verdade, aí é que vou acabar afastando-a de vez. Além do mais... Já se passaram tantos anos... Por que contar agora?
-Porque agora talvez ela precise de você mais do que nunca.
Ao ouvir aquilo, Maaya olhou para o filho, pensando sobre aquela afirmação. Após alguns segundos de silêncio, preparou-se para dizer alguma coisa. Nesse momento, no entanto, a porta se abriu. Por ela entrou Yuuhi, já um pouco molhado com a chuva que começava a cair.
-Aff... Cheguei na hora certa. Quase que pego essa chuvarada na rua. – Yuuhi bocejou, cansado – ...Mas eu tô quebrado. Acho que vou tirar um ronco. Boa noite pra vocês!
-Boa noite. – Responderam os dois, sem realmente prestarem muita atenção ao que o bad boy havia dito. Continuavam a olhar nos olhos um do outro.
Hideki foi o primeiro a desviar o olhar, desligando a tevê e levantando-se do sofá.
-Também vou dormir. Faça o mesmo, mãe.
-Eu vou mais tarde, filho.
-Relaxa, mãe. Ela vai ficar bem.
Ela sorriu de leve, fingindo e querendo acreditar naquelas palavras. Hideki saiu, subindo as escadas e indo para o seu quarto. Uma vez sozinha, Maaya voltou os olhos novamente para a janela. A chuva já caía forte.
-Minha menina... Espero que realmente esteja bem, filha.

*****
“Dos meus tios. É deles que estou fugindo”.

“Eles precisam de mim por perto, para receberem a grana do seguro que meus pais deixaram. Sempre fujo de casa, mas eles sempre me encontram. Dessa vez resolvi ficar escondida até conseguir grana suficiente para sair da cidade... Por isso andei roubando”.

“Vou continuar aqui, até que me encontrem. Depois fugir de novo, até que me encontrem novamente. Não tenho muito mais o que fazer.”

“Vai embora. Eu não preciso de você. Não preciso de ninguém. Fico muito melhor sozinha.”

“Dos meus tios. É deles que estou fugindo”.

“...É deles que estou fugindo”

Ele acordou assustado e suando frio. As palavras de Karin ecoavam em seus ouvidos, e o olhar dela parecia fixo em sua mente. Um olhar totalmente sem emoção, mas que parecia transbordar de ódio a um simples toque de outra pessoa. O mesmo parecia acontecer com sua voz. Aquela garota realmente parecia ter problemas... Sérios problemas.
Sentando-se na cama, recordou-se da noite em que seguira Sayuki até sua casa e da impressão que tivera de seus tios. A tia parecia uma típica dona de casa japonesa, como qualquer outra. Aliás, também se mostrou preocupada com a sobrinha e até carinhosa. Já o tio, certamente era o homem bêbado que ele vira entrar na casa pouco depois. Aquele, nem de longe, inspirava qualquer confiança em Yuuhi.

“... Eu não preciso de você. Não preciso de ninguém. Fico muito melhor sozinha!”

“Pelo menos em mim eu posso confiar. Em mais ninguém.”

A voz dela continuava a ressoar em sua mente. Yuuhi balançou a cabeça, tentando se livrar daquilo.
-Yuuhi, se liga... Tu não vai salvar o mundo, cara! Por que está tão preocupado com a monstrenga? – Ele pensou.
Mas não soube responder a própria pergunta.
O som estridente de um trovão chamou-lhe a atenção. Yuuhi olhou pela janela. A chuva estava forte. Fazia frio. Como estaria Karin naquele lugar?
-Cara... Mas por que se preocupa com ela? Por quê?
Mais uma vez sua mente não foi capaz de responder. A verdade é que, mais do que uma mera preocupação infundada, ele sentia que algo acontecia àquela garota. Sentia que precisava ajudá-la... E não podia deixar para amanhã.
Amanhã poderia ser tarde demais.
Sem questionar mais sobre aquele pressentimento, Yuuhi levantou-se da cama num pulo. Tendo cuidado para não fazer muito barulho, saiu da república, pouco se importando com a forte chuva que caía.

*****
-Karin... – Murmurou Maaya, ao despertar.
Tivera um sonho estranho e, ao acordar, sentiu um aperto no peito que indicava que aquilo não se tratava de um mero sonho. Era algo como um pressentimento, com uma intensidade tamanha que ela não conseguiria ignorar e voltar a dormir.
Sabia que ainda não era o momento... Sabia que não deveria tentar se aproximar dela... Mas também sabia que não poderia ignorar o que sentia. Seu coração lhe dizia que Karin precisava dela, e ela não deixaria aquela garota à deriva mais uma vez.
Levantou-se da cama e, apressadamente, pegou uma capa de chuva, as chaves do carro e saiu.

*****
Já passavam das onze da noite e Jean estava completamente sem sono. Sabia que seria bom que dormisse cedo, pois as sete da manhã já precisava estar à disposição de Nathalie. Porém, ainda sentia dificuldades para se acostumar àquela nova rotina.
Já cansado de se remexer de um lado para o outro da cama sem conseguir dormir, o rapaz se levantou, perfazendo o trajeto até a cozinha para beber um copo de água. Porém, ao passar pelo corredor, viu que as luzes da sala estavam acesas. Esticando o pescoço, avistou Nathalie sozinha, sentada em um sofá.
Aproximando-se devagar, perguntou:
-Também perdeu o sono, princesa?
Ela sobressaltou ao ouvir aquela voz. Voltou seus olhos assustados para o rapaz que sentava-se ao seu lado no sofá.
-Jean! Que susto você me deu!
-Sou tão feio assim? – Ele brincou.
Ela riu.
-Assustou-me por ter chegado de repente.
-O que faz acordada a uma hora dessas? Amanhã cê tem aula.
Ela suspirou.
-Perdi o sono, mas não sei porque. Acho que estou pensando em muitas coisas, por isso não consigo dormir.
-E posso saber em que coisas a princesinha tanto pensa?
-Eu... Não saberia explicar. Porque... Eu mesma não sei o que sinto ao certo.
-Bem, se você tentar explicar, eu posso tentar ajudar.
Ela abaixou o rosto e puxou uma mecha dos cabelos, passando a enrolá-la entre os dedos. Teve vergonha de continuar a encará-lo e não queria que ele percebesse tal constrangimento com a situação. A verdade é que estava confusa em relação aos seus sentimentos... E a única pessoa com quem poderia conversar sobre aquilo era exatamente a mesma que lhe ocasionava essa “confusão”.
-Já esteve apaixonado? – Ela disparou, ainda evitando olhá-lo.
Jean piscou, pego de surpresa com a pergunta.
-Apaixonado? O.o... Er, acho que não. Quero dizer, já gostei muito de algumas garotas, mas nada a ponto de perder o sono.
-Ah... Certo...
E ela continuou a mexer nos cabelos de forma tímida. O francês a fitou em silêncio por um instante, antes de sorrir levemente. Então, Nathalie estava apaixonada? De fato, a mudança de cidade parecia estar começando a fazer bem a ela.
-É um irmão de uma menina da escola ou coisa do tipo? – Perguntou ele, sem perceber que a face dela ficou ainda mais vermelha.
Após pensar por um segundo, Nathalie mentiu:
-É... Irmão de uma colega minha.
Mesmo sem olhá-lo, Nathalie percebeu que ele sorriu ainda mais ao ouvir aquilo, o que a fez ter ainda mais certeza de que, seja lá o ela que sentia por Jean, não era recíproco. Ele, por sua vez, não podia deixar de achar graciosa aquela situação. Nathalie, aquela menina tão inocente, tão ingênua... Apaixonada pela primeira vez em sua vida. Ao mesmo tempo, ele não sabia que conselhos dar a ela ou o que dizer para ajudá-la. Aquilo, decididamente, era o tipo de conversa que ela deveria ter com uma amiga. Afinal, mulheres entendiam bem mais dessa coisa de romantismo do que os homens. Só que ele sabia que Nathalie não tinha amigas... Ele era seu único amigo, e com certeza, a única pessoa a quem ela havia decidido contar sobre o fato. Não poderia deixá-la na mão.
-E ele?
-Ele não parece sentir o mesmo por mim.
-Que cara idiota! Como dispensa uma princesa que nem você?
Ela sorriu de leve, mas Jean percebeu que o sorriso parecia triste. Realmente, a sensação de estar amando alguém e não ser correspondido não deveria ser das melhores. Ainda mais quando se está amando pela primeira vez na vida.
Percebendo que a garota parecia se entristecer com aquele assunto, ele não mais insistiu naquilo e tentou distraí-la:
-Já que somos dois sem-sono, que tal caçarmos algo pra assistir na tevê?
Ela aceitou a sugestão e, em poucos minutos, os dois já estava rindo enquanto assistiam juntos a alguns desenhos.

*****
Yuuhi entrou correndo por aquele armazém. A chuva caía forte, e, sem dúvida, ninguém se abrigava dela naquele local. O chão estava completamente encharcado devido à quantidade de telhas quebradas que lá havia.
Parou subitamente ao vê-la. À primeira vista, parecia-lhe nada mais que um corpo sem vida, inerte no chão molhado, enrolado em um cobertor que já parecia inteiramente encharcado. Contudo, quando voltou a se aproximar (dessa vez a passos lentos), pôde ouvir alguns gemidos de dor, além de notar que ela tremia incontrolavelmente. Abaixou-se ao lado dela e tocou de leve o seu braço. Foi um toque sutil, mas suficientemente significativo para causar uma violenta reação. Ainda com os olhos fechados, garota se remexeu, na nítida intenção de afastar-se dele. Diante disso, ele permaneceu parado, olhando para ela, impressionado com aquela reação tão súbita.
O que ele não percebeu é que, nesse momento, mais alguém chegava ao armazém. Maaya parou atrás de uma grande caixa, intrigada com o que via. Afinal, por que Yuuhi também estava ali? Não poderia fazer idéia de que aqueles dois se conheciam. Contudo, não parou muito tempo para pensar sobre isso e logo voltou sua atenção à adolescente encolhida no chão. Devido à distância e à falta de iluminação, não conseguia enxergá-la com nitidez. Porém, dava para perceber que ela não parecia nada bem.
Numa segunda tentativa, Yuuhi tornou a encostar suas mãos na garota, com a intenção de tentar tirá-la daquele lugar. Nisso, respirando pesadamente, ela se encolheu mais, numa tentativa de proteger-se.
-Não... Me solta! – Disse ela, parecendo estar delirando – Afaste-se de mim! -Karin... – Murmurou Maaya, olhando totalmente perplexa para a cena.
Yuuhi, não menos preocupado, mais uma vez tentou pegar a garota em seus braços. Dessa vez, ela o empurrou num movimento mais brusco, se encolhendo ainda mais e gritando:
-AFASTE-SE! Não toque em mim! TIRE SUAS MÃOS DE MIM!
-Mas o que deu em você? – Murmurou Yuuhi, enquanto se levantava e recuava alguns passos, ainda olhando para a garota. Por mais que tentasse, não conseguia entender aquela reação.
Já Maaya, vendo o estado de pânico no qual Karin se encontrava, não mais conseguiu se controlar. Não iria mais ficar parada vendo o estado em que aquela menina se encontrava. Sendo assim, ela não mais tentou se esconder e correu até onde os dois jovens estavam.
Yuuhi se surpreendeu ao ver aquela mulher ali.
-Maaya? Mas o que faz aqui? – Ele perguntou.
Mas ela não respondeu. Abaixou-se ao lado de Karin e, num gesto de carinho, passou levemente a mão pelos cabelos castanhos desta. Percebendo que a estudante continuava agitada, Maaya aproximou seu rosto do ouvido dela e disse, com a voz suave:
-Shiiiiiu... Calma, querida! Acalme-se, nós só queremos te ajudar, tudo bem? Ninguém aqui vai te fazer mal. Mas para te ajudarmos, você tem que se acalmar, tá?
Como mágica, aos poucos a respiração de Karin foi se normalizando, ao mesmo tempo em que ela parava com os movimentos bruscos. Yuuhi ficou surpreso com aquilo, tentando entender que tipo de magia Maaya poderia ter usado para conseguir acalmar aquela “fera”.
-Isso... Calma... Calma... – Maaya sorriu, aliviada, ao ver que a garota estava mais tranquila. – ...Isso. Vai ficar tudo bem, minha querida. Tudo bem... – Ela levantou-se e olhou para Yuuhi – Pode tentar agora.
Ele piscou, perplexo.
-Como conseguiu isso?
-Psicologia. – Foi toda a resposta que ela deu – Agora temos que tirá-la daqui. Está com muita febre.
-Podemos levá-la para a república?
-Mas que pergunta! Lógico que DEVEMOS levá-la para lá. Essa garota vai morrer se continuar nesse lugar. Agora anda.
Yuuhi concordou. Com cuidado, pegou Karin – ainda enrolada ao cobertor – em seus braços. Maaya tirou a capa de chuva que estava usando e a colocou sobre a garota.
-Eu vou na frente para abrir a porta do carro, assim vocês pegam menos chuva.
O rapaz concordou e Maaya saiu correndo na frente. A cada passo, controlava-se para manter-se firme. Não iria chorar naquele momento, precisava ser forte ou colocaria tudo a perder.
Yuuhi foi andando logo atrás, transportando a garota.

*****
-Nhai... Que é que tá rolando?... – Resmungou Tiemi, enquanto despertava com a invasão de vozes aflitas e o incômodo da luz que alguém acendia em seu quarto.
Quando suas vistas começaram a se acostumar com a luminosidade, conseguindo enfim abrir os olhos, ela avistou Yuuhi deixando uma pessoa em cima da cama ao lado da sua e Maaya se aproximando. Os três estavam encharcados.
Olhou melhor para a cena, e logo reconheceu aquela garota.
-Ué... Essa daí não é a Sayuki? O.o
Ninguém respondeu. Estavam aflitos demais com a situação. Logo Hideki também chegou ao quarto, aproximando-se preocupado. Antes que o filho também perguntasse qualquer coisa, Maaya lhe pediu:
-No meu quarto tem uma caixa de primeiros socorros. Traga para mim, rápido.
Hideki imediatamente saiu correndo. Maaya olhou para Tiemi, que já estava de pé próxima a eles, e pediu:
-Você, querida, pegue algumas toalhas, por favor.
Embora ainda confusa, Tiemi correu até o banheiro do quarto, retornando segundos depois com três toalhas em mãos. Maaya pegou uma delas, passando pelo rosto, braços e cabelos de Karin. Hideki logo retornou com a caixa de primeiros socorros, que a mais velha rapidamente abriu para pegar uma tesoura. Afastou a mão que Karin mantinha na coxa direita e fez um corte na calça, descobrindo uma ferida visivelmente infeccionada.
-Taí o motivo da febre. – Informou.
Yuuhi olhou para aquilo, preocupado.
-Mas tá bem feio, hein?
-Se ela tivesse tratado esse corte desde o início, isso não teria acontecido. – Disse Maaya, num tom de reprovação, enquanto terminava de cortar a perna da calça, começando, em seguida, a desinfeccionar o ferimento – Deki, traga um copo com água, por favor.
O rapaz novamente saiu do quarto, indo à cozinha fazer o que a mãe lhe pedira. Quando voltou, Maaya já enfaixava o ferimento da garota.
-Ela vai ficar bem, May?
-Mãe. – Corrigiu ela, automaticamente – Vai, sim. Creio que pela manhã já deva estar bem melhor. – Abriu novamente a caixa de primeiros socorros, pegando um antibiótico. – Agora me ajudem a fazer com que ela tome esse comprimido.
Yuuhi a ajudou a erguer o tronco da garota. Maaya, então, colocou-lhe o remédio na boca. Hideki aproximou-se com o copo de água, virando-o lentamente entre os lábios flácidos de Karin. Parou quando ela subitamente começou a tossir, engasgando-se com a água.
-Já chega, Deki. – Pediu Maaya – Ela já engoliu. Agora só precisamos trocar essa roupa molhada e agasalhá-la. Me ajuda com isso, Tiemi?
-Ah... Claro. – Respondeu a garota – Mas minhas roupas não devem caber nela.
Maaya olhou para o filho e pediu:
-Hideki, pegue um pijama de frio no meu guarda-roupa.
Hideki foi buscar o que a mãe pediu. Entendendo a deixa, Yuuhi também saiu, deixando Maaya e Tiemi cuidarem sozinhas daquele trabalho.

*****
Após entregar as roupas a sua mãe, Hideki parou no corredor, de frente para Yuuhi, que estava sentado no chão, ao lado da porta do quarto onde tudo acontecia. Sem rodeios, tratou de expor a dúvida que assolava sua mente desde o momento que o vira chegar à República junto a Maaya e Karin:
-De onde conhece a garota?
Encarando o amigo, Yuuhi respondeu de forma séria:
-Ela estuda no meu colégio. Ou pelo menos estudava. Acho que não chegou a assistir nem um dia inteiro de aula. Era da turma da Tiemi. Mas... Acho que a pergunta é: de onde VOCÊ a conhece? Sabia que já tinha te visto em algum lugar, mas só hoje me dei conta: você é o cara que eu vi conversando com a Sayuki outro dia.
Por qualquer razão, Hideki não se mostrou surpreso com aquilo. Sentou-se também no chão e respondeu, com tom de bom humor:
-Ela roubou minha carteira outro dia. Foi assim que a conheci.
Yuuhi também não se surpreendeu com a resposta.
-Devemos admitir que ela é boa nisso.
Hideki riu.
-Se é! Quando percebi, ela já estava longe levando minha carteira. Eu a segui até aquele armazém e vi que a situação dela não estava das melhores, por isso ainda voltei lá umas duas ou três vezes na tentativa de ajudar. Só que ela é teimosa demais! Bem, agora que eu já te contei como eu a conheci, me conte em que momento você me viu conversando com ela?
-Foi por acaso. Eu não sabia que tinha alguém naquele armazém. Afinal, aquilo tá sempre deserto.
-Ah, é? E o que você estava fazendo naquele lugar?
-Tava... Só de passagem u.u. Mas teve uma coisa que me chamou a atenção nessa conversa de vocês: você me disse outro dia que não teve irmãs nessa vida.
-E não tive.
-Mas disse a Sayuki que ela lembrava muito a sua irmã caçula.
Hideki hesitou por um segundo, antes de responder:
-Eu disse por dizer. Ela queria uma resposta para o porquê de eu estar querendo ajudá-la. Disse aquilo apenas para convencê-la de que não tinha nenhuma segunda intenção, e de fato eu não tenho.
-Ãh, bom. – Yuuhi se convenceu com a resposta – Porque ela não tem absolutamente nada a ver com Akemi u.u.
Novamente, Hideki riu.
-Sei que não. Bem... Mas, se a diferença de idade entre eu e minha irmã for a mesma da outra vida, hoje ela deve ter mais ou menos a idade dessa garota.
Yuuhi ia responder qualquer coisa, mas parou ao ver a porta do quarto se abrir finalmente. Tiemi e Maaya saíram, notando os olhares preocupados que os rapazes lançavam para elas.
-Fiquem tranqüilos, ela vai ficar bem. – Garantiu a dona da república.
-Menos mal. – Comentou Yuuhi – Mas me responde, Maaya, como você...
Já sabendo o que ele iria perguntar, Maaya o interrompeu, sendo ágil em inventar uma desculpa:
-Eu te segui, Yuuhi. Vi você saindo em meio a essa chuva e resolvi ir atrás de você. Não deveria sair desse jeito no meio da noite sem nos avisar. Sabia que algum inimigo pode te encontrar?
-Foi mal por te preocupar, May.
-Tudo bem, mas não faça mais isso, viu?! – E ela olhou para a garota ao seu lado – Tiemi, querida, me desculpe por ter te acordado. Estava um pouco aflita pelo estado da menina e acabei entrando no primeiro quarto que encontrei.
Tiemi sorriu, compreensiva:
-Não esquente com isso, May.
-Durma essa noite no meu quarto. – Sugeriu a mais velha – A menina pode piorar e eu quero estar por perto caso isso aconteça. Devo levantar algumas vezes durante a noite para ver como ela está e, certamente, devo fazer barulho, acender a luz... Você tem aula amanhã cedo, precisa descansar.
Tiemi concordou e foi para o quarto de Maaya. Hideki e Yuuhi também foram dormir.
Maaya entrou novamente no quarto. Abaixou-se ao lado da cama onde Karin já parecia mais tranqüila, num sono menos conturbado. Repousou-lhe a mão sobre a testa... A febre ainda estava alta.
Sentou-se na cama ao lado e lá permaneceu, olhando para a adolescente. Até que a porta se abriu com a chegada de Hideki, que foi até a mãe, sentando-se ao seu lado.
-Yuuhi já dormiu? – Ela perguntou com a voz baixa, sem tirar os olhos de sua paciente.
-Já. – Hideki respondeu, também se fixando na garota. – Ela vai mesmo ficar bem?
-Eu espero que sim. Mas se continuasse naquele lugar... Não quero nem pensar. – Ela suspirou. Os olhos marejados, um forte aperto no peito – Ela está muito machucada... O corpo cheio de hematomas...
-O que você queria, mãe? Ela tem inimigos em todas as esquinas. A cada dois passos que dá na rua, pára pra brigar com alguém.
-Será apenas isso? ...Por Deus, Deki, o que fizeram com minha menina? – Ela não obteve resposta, mas sabia que essa sua dúvida também assolava a cabeça de Hideki. Respirou fundo e piscou repetidas vezes, para tirar dos olhos as lágrimas que ameaçavam escorrer. Forçou um sorriso. – Mas agora ela está bem. Foi medicada, está agasalhada, protegida... E vai continuar protegida pra sempre.
-Não se iluda muito, mãe. Quando ela acordar, com certeza vai querer ir embora.
-E quem disse que eu vou deixar? Agora que ela está aqui, não irá mais sair de perto de mim nem por decreto.
-Você diz isso porque não sabe o gênio forte que essa garota tem.
-Legal. O meu também é. Acho que nós duas vamos nos dar muito bem.
-Eu acho que por isso mesmo é que vocês duas vão se dar muito mal ¬¬.
Mas Maaya estava tão decidida que não se convenceu com os argumentos do filho.
-Se ela tem personalidade forte, a minha é mais ainda. Se ela é teimosa, eu sou muito mais. Por isso não irei permitir que ela volte para aquele lugar horrível. Ela ficará aqui conosco e assunto encerrado.
-Já parou pra pensar em uma coisa? Ela é menor de idade. Logo os tios vão procurá-la. E você pode acabar tendo problemas com a justiça.
Ela fez uma pausa, parecendo refletir sobre aquilo. Não sobre a ameaça de ter problemas legais, mas sobre os tios da garota.
-Como será esse homem com quem Sakuya se casou?
-Karin não parece gostar dele. Nem dela, na verdade.
-Acredita que Sakuya a maltrate?
-Bem, ela me disse que estava fugindo dos tios. Disse que eles a exploram e deu a entender que também sofre agressões físicas por parte deles.
-Deve haver algum engano, Hideki! Sakuya tinha um carinho tão grande pela sobrinha... Ela não seria capaz de fazer mal a uma criança. Ainda mais a Karin.
-As pessoas mudam. – Foi todo o comentário que Hideki fez.
Diante daquilo, Maaya ficou em silêncio. Quando voltara à vida com o corpo e a identidade falsos de Shihara Maaya, sabia que não teria mais qualquer direito sobre a filha. Ainda assim, quis lutar por isso, quis tê-la de volta, mas logo percebeu que essa não seria a mais racional das atitudes. Estava sendo constantemente perseguida por inimigos de sua vida passada. Fugir, se esconder e matar outros seres humanos passou a ser rotina comum e de forma alguma teria o direito de envolver uma criança nisso e de expô-la a tantos riscos. Ao mesmo tempo, sentia-se confortada pelo fato da pequena Sayuki Karin estar sob os cuidados da única parente viva: Sayuki Sakuya, irmã caçula de Maaya. A ruiva confiava inteiramente na irmã. Por isso, agora estava absolutamente chocada por perceber que esta não cuidara da sobrinha tão bem assim.
Naquele momento, um remorso imensurável corroeu-lhe por dentro. Sua filha não era feliz. Isso se refletia em seu comportamento. Pelo que Hideki já havia lhe contado, era uma garota fria, rancorosa, fechada... Sozinha por opção.
-Pois que coloquem a polícia atrás dela. – Maaya disse, por fim – Acionem a justiça, o exército, a aeronáutica, a Guarda Imperial, o que for! Não vou permitir que a levem de volta. Terão que me matar para tirá-la de mim novamente.
Àquelas palavras, Hideki voltou os olhos para Maaya. Uma das coisas que mais o admiravam nela era sua força de vontade e sua determinação. Sabia que ela realmente não mediria esforços para proteger aquela garota. Mas ela não estaria sozinha nisso. Ele também não iria permitir que ninguém voltasse a fazer mal a Karin. Sua sobrinha... Mais do que isso: sua irmã!
-Vai dormir, mãe. Deixe que eu fico com ela.
-Tá brincando? Nem pensar! Quero ficar ao lado dela. Quero tentar compensar nem que seja um pouquinho dos doze anos que estive ausente.
O ruivo concordou em silêncio. Deu um beijo no rosto de sua mãe e saiu do quarto.
Maaya continuou no mesmo lugar, velando o sono de sua filha.


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