Kuroi Crystal escrita por Luciane


Capítulo 7
Capítulo 6 - Lembranças de uma vida passada




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Dois dias haviam se passado desde que Mitsuki e Asami se mudaram para Kyoto. O combinado foi que Tiemi e Yuuhi ficariam morando sozinhos em casa, até arranjarem outro lugar para morar. Mitsuki aprovava a idéia de os dois irem para uma pensão ou república estudantil, onde não teriam maiores preocupações com afazeres domésticos (apenas uma ou outra tarefa diária, talvez) e - o melhor na opinião dela - ficariam sob a supervisão de um adulto. Não que ela tivesse mentido ao declarar que confiava nos filhos, mas não poderia ignorar o fato de eles serem apenas dois adolescentes. A presença de algum adulto a deixaria bem mais tranquila.
Os dois caminhavam pelas ruas, a caminho da escola. Como de hábito, Tiemi ia bem à frente, bronqueando, enquanto Yuuhi a seguia a certa distância, resmungando respostas não muito educadas. Mais um dia em que exercitavam a típica relação de amor e ódio entre irmãos.
Por estar sonolento, Yuuhi esbarrou em alguém. Num primeiro momento, apenas percebeu que se tratava de uma mulher e que as sacolas de compra que ela carregava caíram no chão devido ao impacto. Educadamente, ele se abaixou para pegá-las e, quando levantou, enfim a reparou melhor. Era uma ruiva, com um belo corpo e um simpático sorriso.
-Obrigada. É muito gentil. – Ela agradeceu, enquanto tirava os óculos escuros que cobriam seus olhos e apanhava as sacolas de volta.
-Ah... Não foi nada. – Yuuhi respondeu, analisando que a moça também tinha lindos olhos negros.
-É um desastrado mesmo. – Tiemi se aproximou, mas Yuuhi nem pareceu ouvir suas palavras... Ainda olhava para a mulher, encantado.
-...Que gata! – Pensou ele.
A moça continuava a sorrir.
-Me desculpe mais uma vez. É que ando tão atarefada... Acabei de comprar uma casa nas redondezas, e estou montando uma república de estudantes... Então, sabem como é isso de mudança, né?! Estou sempre tendo que comprar uma ou outra coisinha pra casa.
Foi a vez de Yuuhi sorrir, empolgado. Pensou que aquela mulher não era apenas uma “gata”. Também era um anjo que aparecia no momento certo para resolver os seus problemas.
-Disse “república de estudantes”? – Ele indagou – Que coincidência incrível! Sabe que eu e minha irmã estamos mesmo pensando em nos mudarmos para um lugar desses?
Maaya fingiu-se de surpresa.
-Oh, que coincidência incrível! – Ela olhou para Tiemi – E essa mocinha? É ela a sua irmã?
-É, essa peste aí mesmo. ¬¬’
-Teria o maior prazer em recebê-los como meus primeiros hóspedes. Não querem ir lá para dar uma olhada no lugar?
-Podemos deixar para mais tarde? – Pediu Tiemi - É que agora temos aula, e...
-Aula? E quem liga pra isso? – Disse Yuuhi, interrompendo a irmã – Vambora!
Maaya sorriu e saiu guiando os estudantes. Tiemi acompanhou, pondo-se novamente a bronquear com Yuuhi:
-“Quem liga pra aula?” ¬¬ E é isso que você chama de ser responsável e cuidar da sua irmã, tapado?! Ò_ó

*****
-Obrigada!
Enquanto agradecia formalmente o senhor da loja de revistas, onde acabara de comprar um jornal, Luna virava-se para sair do estabelecimento, ao mesmo tempo em que, curiosa, começava a olhar a capa do jornal. Nessa distração momentânea, acabou levando um forte esbarrão de um grupo de colegiais que passava pelo local naquele momento. A loira já se preparava para pedir desculpas, mas conteve-se ao ouvir as garotas saírem reclamando:
-Gaijin estúpida!
-Tinha que ser gaijin!
-Psiu! Falem baixo, ela pode ouvir!
-De que adianta ouvir, se não vai entender?
Elas riram. Parada no mesmo lugar, Luna seguiu as estudantes com os olhos e comentou, com a voz baixa:
-Sou “gaijin”, mas entendo japonês. ...Idiotas.
Bufando, ela seguiu em direção oposta a das colegiais e, após caminhar por uma quadra, chegou ao prédio onde morava. Ao entrar em seu apartamento encontrou Harumi sentada no sofá, fazendo algumas contas num pedaço de papel. Sentou-se ao lado dela, entregando-lhe o jornal.
-Aqui está. Podemos começar a pesquisar preços de aluguel.
Sem desviar a atenção de suas contas, Harumi disse:
-Acho bom começarmos a pesquisar empregos de meio expediente também. Porque, com a ajuda de custo que recebemos do consulado, será difícil pagar um aluguel maior do que o que pagamos aqui. E não vamos encontrar nada mais em conta.
-Emprego... – Luna fitava o nada, pensativa – Acho que será difícil encontrar alguém que queira me dar um emprego.
-Não faz drama, Lu-chan.
-Drama? – Revoltada, a loira se levantou, ficando diante da amiga – Nesse país, eu vou sempre ser uma estranha. Acha que será fácil eu achar um emprego? Eu não acho nem calças pra comprar. Imagine o que é ter manequim quarenta num país onde as mulheres vestem trinta e quatro!
Olhando para a mais nova, Harumi arqueou as sobrancelhas.
-Eu visto trinta e seis e não fico reclamando. – Foi a sua resposta.
Luna se revoltou ainda mais. Bufando, ela se jogou sentada no sofá e cruzou os braços, fazendo bico. Harumi piscou, sem entender a situação.
-O que aconteceu? Foi ao shopping e não achou uma calça que te servisse? Isso acontece com toda mulher, acredite!
-Não se trata de calças, Haru. Foi só um exemplo.
-Então do que se trata?
A loira fez uma breve pausa antes de começar a explicar:
-Estou cansada de ser olhada com diferença, como se eu fosse um ET.
-Entendo...
-Mesmo?
-É. Você se revolta com a mania de superioridade das pessoas, que estão sempre fazendo questão de definir bem as diferenças, numa forma de se acharem melhores que os outros.
-É! – Luna a olhou, feliz por estar sendo compreendida – É exatamente isso!
-Como, por exemplo, os homens.
Luna piscou.
-Homens?
-É! – Agora Harumi é que se via tomada por uma súbita revolta e se levantava do sofá, enérgica – Eles adoram deixar evidente a superioridade deles. Sabe o que aquele infeliz me disse quando o peguei no flagra com outra? Desculpou-se com um “você tem que entender que eu sou homem”. Essa é a justificativa pra traição dele? Se eu fizesse o mesmo, eu seria uma vadia, mas ele... Ah, ele pode! É claro que pode! Porque é homem! Se as mulheres japonesas são umas submissas, frutos de uma sociedade altamente machista, eu não sou assim. Traição é algo que eu nunca vou tolerar! Arg... Isso é revoltante!
Diante daquilo, Luna suspirou.
-Haru... Acho que isso não tem muito a ver com o que eu dizia.
-Tem! É claro que tem! Quer saber? Eu decidi declarar guerra aos homens. Resolvi até que vou virar lésbica.
-Er... – Uma grande gota escorreu em Luna – Não acho que isso seja uma coisa que se “decida” virar.
-Tem razão. – Harumi pensou por um segundo – Vou virar freira então.
Luna mal conseguia acreditar no que ouvia.
-Você nem é católica!
-Que mania a sua de ficar se prendendo a detalhes!
Ainda tomada pela revolta, Harumi seguiu para a cozinha buscando descontar sua raiva devorando um pouco de sorvete. Diante daquilo, tudo o que Luna pôde fazer foi suspirar em desânimo. Sabia que ainda demoraria até que sua amiga se recuperasse do término de seu namoro. Apesar de ser altamente romântica, Harumi era radical em suas opiniões e valores, e uma das coisas que ela menos tolerava era justamente a traição. Por isso sofria tanto com o fato de ter sido traída pelo ex-namorado.
Deixando aquilo de lado, a loira apanhou o jornal e, com a caneta que Haru usava para fazer as contas num pedaço de papel, começou a circular alguns anúncios de apartamentos para alugar. Na maioria deles não constava o preço, o que a obrigaria a telefonar ou mesmo ir até os locais.

*****
-Da hora! – Foi a resposta de Yuuhi quando perguntado por Maaya sobre o que ele e a irmã tinham achado da república.
Acotovelando-o, Tiemi foi mais educada:
-Gostamos muito do local, Shihara-san.
-E, principalmente, gostamos muito do preço =D – Acrescentou Yuuhi, apenas para ser, novamente, socado pela irmã – Quié, peste? ¬¬’ Vai dizer que você também não ficou feliz por encontrar um lugar barato? ¬¬
-Mas você não precisa ficar falando essas coisas! – Ela murmurou, envergonhada.
Maaya achou graça e ia dizer alguma coisa, porém, nesse momento a porta da sala se abriu e por ela entrou um rapaz de olhos e cabelos negros. Pela semelhança dos traços, Tiemi e Yuuhi presumiram se tratar de um irmão da dona da república.
-Bom dia. – Cumprimentou o recém-chegado.
-Bom dia. – Responderam os irmãos, educadamente.
Maaya os apresentou:
-Kawamoto, Sakomura... Esse é Hideki Shihara, meu filhote.
-Mãe, por favor ¬¬! – Reclamou o jovem, sem graça pela ruiva ter se referido a ele como se fosse uma criança.
-“Mãe”? – Repetiram os dois irmãos, em coro – A senhorita tem um filho dessa idade? – Perguntou Yuuhi, sem fazer a menor questão de ser conveniente.
Maaya não se importou com a pergunta. Pelo contrário, sentiu-se até mais jovem com aquilo.
-Eu me casei muito nova. – Explicou.
-A senhora é casada? ;___;
-Yuuhi, pára com isso! ¬¬’ – Murmurou Tiemi. – Está sendo muito intrometido.
-Não se importe, querida. – Maaya pediu – Deixe que ele pergunte o que quiser. Afinal, já que vamos dividir o mesmo teto, não é? – Ela olhou para Yuuhi e explicou – Sou viúva há doze anos.
Yuuhi pensou em responder algo, contudo seu olhar se deteve em Hideki. Por um momento, achou-o familiar. Mas não conseguiu se lembrar de onde o havia visto antes.
-E a senhora tem outros filhos? – Perguntou Tiemi, já simpatizando com a dona da república.
-Senhora? Ah, não sou tão velha! ^-^ Pode me chamar apenas de você. E... Não, tenho apenas Hideki. ...Bem, que tal um de vocês me acompanhar até o escritório para preenchermos as fichinhas de vocês?
-Er... Desculpe, é que não estamos com o dinheiro agora... – Respondeu Tiemi, sem graça.
-Não se preocupe com isso, querida. O primeiro mês é cortesia para vocês.
-Tô adorando esse lugar! =D – Vibrou Yuuhi, novamente para deixar sua irmã constrangida.
-Yuuhi, tenha modos! ¬¬’
Maaya riu novamente e pediu para que Yuuhi a acompanhasse. Enquanto isso, Hideki ficou na sala conversando com Tiemi.
O escritório era bem espaçoso. Ficava ali mesmo, no primeiro andar, numa porta à esquerda da sala de estar. Havia nele muitas estantes repletas de livros, alguns quadros e uma grande mesa com um computador. Maaya sentou-se atrás da mesa e pediu que Yuuhi também se sentasse. Ele assim o fez.
Quando se sentou, notou que Maaya apoiou os braços sobre a mesa, olhando fixamente para ele, o que o deixou um pouco sem graça.
-Er... A senhora não ia preencher as tais fichas? – Ele perguntou.
-Vou, mas, antes disso, nós precisamos conversar, Yuurei.
Ele se assombrou um pouco por ter sido chamado daquela forma. Por qualquer razão, tal nome lhe soava bastante familiar. Porém, não deixou transparecer tal surpresa e apenas corrigiu a mulher:
-Desculpe, meu nome é Yuuhi.
Sorrindo, a ruiva puxou o colar que ocultava por dentro da blusa, mostrando para ele o cristal transparente pendurado em sua extremidade. Yuuhi olhou um pouco confuso, perguntando-se o que a dona da República estaria tentando lhe mostrar com aquilo. Porém, não teve tempo de dizer uma única palavra. Logo, a pedra emanou uma forte luz azul que iluminou todo o ambiente, cegando-o por alguns momentos.

*****
Nagoya - Japão

-Ei, china! Espere!
Ao ouvir o chamado, o rapaz parou no corredor. Lembrava-se de que, quando criança, ficava irritado ao ser chamado daquela forma pejorativa, que contribuía para que fosse tratado com preconceito por alguns colegas. O ódio entre japoneses e chineses era algo antigo, desde as antigas guerras entre os dois países. A guerra acabou, as relações diplomáticas foram restabelecidas, mas os antigos conflitos deixaram marcas em seus povos, dentre as quais a antipatia mútua. Tanto que mesmo ele, Maeda Kairi, com nome e nacionalidade japoneses, sofria tais preconceitos.
O motivo para isso, no seu caso, vinha da aparência física. O sobrenome japonês fora herdado de seu falecido pai, mas sua mãe era chinesa. E foram os traços dela que ele puxara.
A maioria dos ocidentais não notaria tais diferenças. Entretanto, aos olhos de um japonês, era impossível um chinês passar despercebido. Maeda era alto e tinha o tom de pele um pouco menos pálido que o dos japoneses, além de sutis diferenças no formato do rosto e dos olhos.
Atualmente, no entanto, ele não se importava mais com isso. Aos dezenove anos de idade, era sério e centrado demais para se preocupar com coisas assim.
-China! – O colega de trabalho que se aproximava repetiu. Finalmente o alcançou – ...Yamamura-san quer falar com você.
Agradecendo o recado, Kairi seguiu para a sala de seu chefe. Lá chegando, foi convidado a sentar e ouviu atentamente o que o senhor Yamamura tinha a dizer. Ao final, levantou-se e apoiou as mãos sobre a mesa, em choque com a notícia.
-Tóquio?
-Tóquio. – Repetiu calmamente o dono da empresa. – Por que o espanto? Com a expansão de nossa filial por lá, muitos funcionários de confiança estão sendo transferidos. E você foi um dos selecionados.
-Achei que o quadro de transferências já tivesse sido preenchido.
-Tinha, mas perdemos um de nossos funcionários para uma empresa concorrente. Sei que você não demonstrou interesse pela oferta de transferência, mas o seu nome foi o primeiro no qual pensei para cobrir essa vaga.
Kairi não poderia negar que se sentiu orgulhoso pelo comentário. Era um ótimo profissional e, por isso, tinha o respeito e a admiração de seus superiores. Porém, não poderia aceitar aquela oferta, não naquele momento!
-Sinto muito, senhor, mas acredito que haja outros funcionários interessados nessa transferência.
O senhor Yamamura, que já era um homem bastante sério, encarou o jovem de forma ainda mais severa que o habitual.
-Escute, rapaz, essa é uma grande oportunidade. Não deveria desperdiçar.
-O senhor está me transferindo pra outra Cidade e eu deveria considerar isso como uma grande oportunidade?
-Terá todos os custos de viagem pagos pela empresa. E vai receber um belo aumento.
-O problema não é esse. É só que...
-Se o problema é a faculdade, tranque-a. Em Tóquio estão as melhores Universidades do país e sei que conseguirá uma vaga em alguma delas. Agora volte pro trabalho enquanto eu agilizo os papéis de sua transferência.
-Será que eu teria como recusar isso?
-Lógico que tem. Devo assinar sua demissão agora ou você ainda quer pensar melhor no caso?
O rapaz suspirou, vencido. Ainda que deixar Nagoya naquele momento fosse algo completamente inviável, não poderia perder um emprego que tanto se esforçara para conseguir.
Por fim, levantou-se e respondeu, somente:
-...Vou voltar para o meu trabalho enquanto o senhor agiliza minha... Transferência.
E saiu da sala. Ainda no corredor, parou, apoiando as mãos sobre a parede, pensativo. Sabia que aquela transferência – aos dezenove anos de idade – mudaria totalmente sua vida. Jamais cogitara a possibilidade de qualquer mudança nessa fase de sua vida... Pelo menos nenhuma tão radical.
-Bom dia, Maeda. –Disse uma jovem colega de serviço que passava no momento.
Ele forçou um sorriso, respondendo ao cumprimento. Apesar do preconceito que sofria, Kairi Maeda costumava fazer um relativo sucesso entre as garotas, mas não se envaidecia muito com isso. Era sério, responsável, e tinha preocupações demais na cabeça para pensar em romances ou relacionamentos sérios.
-Tóquio... – Murmurou, antes de finalmente seguir seu caminho, indo para o serviço.

*****
Já era noite e as risadas podiam ser ouvidas à distância. Formando um círculo no chão, um grupo de jovens conversava alegremente. Dentre eles, apenas dois adultos: May e Genki Shiawase, pais de Akemi e Hinoky, além de praticamente “tios” do restante. Relacionavam-se como uma grande família.
-O que eu quero saber é quando esse casamento vai sair. – Perguntou May, deixando a filha levemente ruborizada.
Yuurei segurou a mão de sua noiva e respondeu:
-Por mim, já teríamos nos casado. Mas a sua filha insiste em esperar.
A mencionada ficou ainda mais vermelha, mas não disse nada. Akemi era tímida e falava pouco quando estavam em grupo.
-Acho que eu ainda vou me casar antes desses dois. – Quem falou foi uma menina de dezesseis anos: Natsu.
Ao ouvir o comentário da irmã caçula, Yuurei parou de rir, olhando sério para ela.
-Casar? Não acha que está muito nova pra pensar nisso?
-Não. – Ela respondeu, sorrindo inocentemente.
Todos, com exceção de Yuurei, acharam graça. Sabiam que, apesar daquele casal de irmãos discutir o tempo inteiro, tinham enorme carinho um pelo outro. Disso decorriam o extremo ciúme e o cuidado que o rapaz tinha para com sua irmã. Não importava quantos anos ela tivesse: para Yuurei, Natsu seria sempre sua irmãzinha que necessita de total proteção da parte dele.
Foi a vez de Genki se pronunciar sobre o assunto:
-Se Akemi acha que é melhor esperar mais um pouco, não vejo problemas nisso.
-Esperar...
Todos olharam surpresos para Akemi ao ouvi-la se pronunciar. Sua voz parecia triste e seu olhar estava distante.
-...Será que podemos nos dar a esse luxo?
E todos se calaram, refletindo sobre aquelas palavras.

-Yuurei... – Murmurou Yuuhi, tornando a abrir os olhos. Encontrou Maaya na mesma posição, ainda sorrindo para ele.
Há até poucos instantes, ele era apenas Kawamoto Yuuhi, um adolescente japonês, como tantos outros. Agora, algo absurdamente anormal tinha acontecido. De repente, era como se ele fosse duas pessoas. Não, uma pessoa apenas, mas com dois nomes e duas vidas. A cabeça doía terrivelmente, enquanto ele tentava se habituar àquilo. Enquanto isso, continuava a olhar para Maaya, tentando entender que ligação ela teria com a situação.
Parecendo ler os pensamentos do garoto, a ruiva se “apresentou”:
-Shiawase May. Já se lembra de mim, não é?!
-May... – Ele repetiu. Fechou os olhos por um momento, tentando suportar a dor horrível em sua cabeça – Está... diferente.
-É, todos estamos. E aquele, lá na sala, é Hinoky.
Hinoky. O melhor amigo de Yuurei. Será que era por isso que Yuuhi teve a sensação de já conhecer Hideki quando o viu minutos antes? Chegou à conclusão de que não se tratava disso. Conhecia-o desta vida, não da anterior. Mas deixaria para pensar sobre isso mais tarde. Pensou que se Hinoky e May estavam ali, havia grandes chances de “ela” também estar. Parecendo recuperar-se completamente da dor de cabeça, ele perguntou, aflito:
-E onde está a Akemi?
Maaya deixou de sorrir:
-Apenas nós três despertamos as lembranças.
-Mas você sabe quem ela é e onde ela está... Não sabe?
-Sei apenas que está no Japão... Em Tóquio. Mas... Quem é, isso eu não sei.
-Ela não renasceu como sua filha?
Ela sorriu tristemente, fazendo que não com a cabeça. Ainda que não fosse uma resposta sincera, tinha suas razões para, ao menos por enquanto, omitir certos fatos.
-Hinoky também não.
-Mas você disse que ele...
-Ele é irmão mais novo de Takashi... Genki.
Yuuhi não pôde evitar esboçar um leve sorriso ao ouvir aquilo.
-Encontrou Genki nessa vida?
-Se encontrei? Casei com ele! – Ela riu, divertida. No entanto, logo a tristeza tornou a dominar as suas feições. – Mas ele se foi. Antes mesmo que algum de nós dois pudesse recobrar as lembranças da outra vida.
-E quando foi que você lembrou de tudo?
-Cinco anos depois... Que morri.
-Que o quê?
Vendo a expressão totalmente confusa no rosto do rapaz, Maaya começou a contar o que havia acontecido. Porém, preferiu continuar a ocultar certos fatos:
-Pessoas normais não se lembram de existências passadas, Yuuhi. Mas nós, que protegemos o cristal negro, levamos essa missão para além de uma única vida. Talvez seja por isso que temos nossas antigas memórias preservadas, para nunca esquecermos de nossa missão e de nossos inimigos. Existe algo acima de nós e além de nossa compreensão que cuida disso. Takashi e eu estávamos juntos há seis anos quando aconteceu o acidente. Voltávamos de uma viagem quando nosso carro desgovernou, batendo de frente com um caminhão. Foi aí que Takashi e Ayumi morreram.
-Quem é Ayumi?
-Esse era o meu verdadeiro nome nessa vida.
Yuuhi ergueu as sobrancelhas, confuso.
-Está dizendo que você está morta?
-Não exatamente. Depois desse acidente, eu me lembro de acordar num quarto desconhecido. Ao me sentar na cama, dei de cara com um espelho. Via uma imagem refletida nele... Essa imagem que está vendo agora. A imagem de uma pessoa totalmente diferente de Ayumi. Ao lado da cama, em uma mesinha, encontrei alguns documentos no nome de “Maaya Shihara”... E as fotos dos documentos eram da mesma mulher que eu via refletida no espelho. E foi nesse momento que as lembranças de May vieram à minha mente. Lembrei da minha missão e passei a me dedicar a ela.
-Então, alguma coisa ou alguém “arranjou” uma nova vida pra você? Isso quer dizer que você é imortal?
Ela riu.
-Eu não contaria muito com isso. Foi-me dada uma nova chance, certamente porque eu não tinha ainda resgatado minhas lembranças nem começado a procurar por vocês. Isso certamente não vai acontecer outra vez.
-E o que aconteceu depois que voltou com uma nova identidade e lembrou da missão? O que fez durante esse tempo?
-Acontece que, infelizmente, não somos os únicos que tem o “privilégio” de lembrar da vida passada. Todos que tiveram algum envolvimento com o cristal em algum momento resgatam suas lembranças. E isso inclui os nossos inimigos. Eu fui perseguida por eles durante muitos anos e matei mais gente do que consigo contar.
-É até difícil imaginar uma coisa dessas.
-Não é algo de que me orgulhe. Mesmo vivendo uma vida de riscos constantes, comecei a procurar por Hideki, antes mesmo de saber que ele havia sido meu filho Hinoky na outra vida. Quando eu e Takashi nos casamos, ele foi morar conosco e acabei me apegando a ele como um filho... Nem sequer poderia imaginar que ele era de fato o meu menino. Quando o encontrei, fui obrigada a levá-lo comigo, ainda que isso significasse colocar a vida dele em risco. Ele estava completamente infeliz, vivendo em um orfanato e eu não poderia deixar que ele continuasse naquelas condições. Então o adotei legalmente e, pouco tempo depois, ele despertou suas lembranças.
-E como me encontrou?
-Meu cristal me mostrou que o destino traria todos vocês para esse ponto. Foi por isso que escolhi Tóquio para abrir essa república. Em breve os demais estarão aqui também.
-Continua com esse papo de maluco de “Meu cristal me mostrou”, é? Seu cristal é o único “falante” da parada. ¬¬’
Maaya sorriu achando um pouco de graça da situação. Yuurei não havia mudado em nada no jeito... Com certeza também continuava o mesmo mulherengo e arrumador de brigas de antes! Se, ao menos, Akemi estivesse ali para colocá-lo novamente nos eixos...
Ele ficou em silêncio, refletindo melhor sobre aquilo tudo. Até minutos atrás era apenas Yuuhi Kawamoto... Agora, as lembranças de Yuurei estavam tão vivas em sua memória quanto as atuais lembranças. Era estranho de um momento para outro passar a ter duas vidas.
Olhou novamente para Maaya, repetindo uma pergunta que já havia feito:
-E Akemi?
-Não sei nada dela. Mas não se preocupe, vamos encontrá-la.
-E Natsu?
-Creio que Natsu esteja mais próxima do que imagina.
-Tiemi... – Ele murmurou, um pouco incrédulo.
Maaya fez que sim.
-Parece que escolheram ser irmãos de novo, não é?
-É... Parece que literalmente escolhemos ¬¬’.
-É apenas uma suposição... E é melhor você não se iludir muito com isso. Pode ser que não seja ela.
-Tá brincando? ¬¬’ Agora tudo faz sentido pra mim! Ela continua a mesma chata e insuportável de sempre! ...Por falar nela, acho que estou demorando demais aqui... Ela pode desconfiar.
-Tem razão. – Ela se levantou. Yuuhi fez o mesmo. – Lembre-se de duas coisas: nenhuma palavra sobre isso com ninguém, nem mesmo com sua irmã. E, como nos bons e velhos tempos, cuide bem de seu cristal.
-Cristal?
Maaya apontou para o pescoço dele. Foi só então que ele percebeu a presença de um cristal azul marinho preso por um cordão ao seu pescoço.
Ele fez que sim em silêncio e os dois voltaram para a sala.
Pouco depois, os irmãos despediram-se dos donos da república e rumaram para casa, buscar suas coisas. Ficou combinado que, nesse mesmo dia, à noite, eles se mudariam para a república.
No caminho, Tiemi ia tagarelando sobre qualquer coisa que Yuuhi parecia não prestar a mínima atenção. No entanto, mantinha seus olhos fixos na garota o tempo inteiro. Até que, percebendo isso, ela parou e o encarou, irritada.
-Nem tá me escutando, né tapado? ¬¬...Que tanto cê me olha? O.o Perdeu alguma coisa, foi?!
-Já disse alguma vez que te adoro, irmãzinha? ^-^
Ela piscou, sem entender. Instantes depois sua expressão tornou-se brava.
-... Que cê quer? ¬¬
-Não quero nada. O.o
-Andou bebendo, foi?! ¬¬”
-...Não, Tiemi-chan, eu não bebi, não. ¬¬”
-Então o que você quer?
-Aff... Já disse que não quero nada, garota! Não posso te fazer um agrado não, é?
-Você não me faz agrados quando não quer nada. Anda, desembucha!
-Já disse que não quero nada, sua mala! ¬¬
-Então porque disse aquilo? Ò_ó
-Porque, por um momento de loucura, eu achei que gostasse de você. Agora tô vendo que num te suporto, isso sim. ¬¬
-Eu também não suporto você! Ò_ó
-Acho que tem uma mosquinha zunindo por aqui...
Nesse clima de discussão, os dois seguiram o caminho de casa...

*****
-Oniisan!?
Sentado no chão na frente de sua casa, o rapaz voltou os olhos negros para a dona, que, sorrindo, perguntou:
-Posso?
Ele balançou de leve a cabeça, fazendo que sim, e a garota sentou-se ao seu lado.
-Então... Você vai ser pai.
Hinoky ficou em silêncio e, diante disso, Akemi suspirou tristemente. Sabia que, na situação em que estavam, aquele não era bem um motivo para comemorações.
-Naoko vai precisar muito de seu apoio nesse momento, meu irmão.
O silêncio novamente. Ele sabia que sua irmã tinha razão: Naoko também estava abalada com aquilo e precisaria mais que nunca que ele estivesse ao seu lado. Mas, para ele, isso também não seria nada fácil.
-Akemi...
Ela voltou seus olhos para ele, esperando que ele prosseguisse. Ainda levou alguns minutos até que ele criasse coragem para continuar.
-...Acha que Naoko e eu teremos a chance de ver o rosto de nosso filho?
Ela sentiu algumas lágrimas virem à tona. Piscou algumas vezes, tentando contê-las. Não poderia desmoronar daquele jeito na frente de seu irmão. Precisava ser o mais forte possível, para tentar passar um pouco dessa força para ele.
No entanto, não poderia mentir.
-Queria muito poder te dizer que sim, meu irmão.
Mais um instante de silêncio... E Hinoky também já não conseguiu mais conter suas lágrimas.
-Por que, Akemi? Por que nós? Nossa mãe diz que é uma honra e um privilégio ser um dos escolhidos para ser guardião de um fragmento do cristal... Só que eu não vejo honra nenhuma em ser privado de fazer planos para o futuro... Em não poder ter nem ao menos a chance de criar meu filho... Em ter a dura certeza de que talvez ele nem ao menos chegue a nascer... Em...
O choro o impediu de continuar. Akemi não disse uma única palavra, apenas levou uma das mãos ao ombro do irmão e permaneceu assim, em silêncio, chorando baixo ao lado dele. Queria poder dizer algo que o tranquilizasse, mas sabia que isso não era possível.
Talvez ela não tivesse a noção de que sua simples presença ali, ao lado dele, já o tranquilizava.

-Akemi... Você não faz idéia de como eu queria que estivesse aqui conosco, mana.
Ele tirou os óculos escuros, olhando para o depósito. Dois dias já haviam se passado desde a última vez que ali estivera. Como Karin deveria estar? Tinha a consciência de que não era conveniente ir vê-la com tanta frequência, mas também sabia que aquela garota não tinha mais ninguém por ela. Ele precisava ajudá-la... Mais do que simplesmente para cumprir sua missão.
Assim, ele entrou no local.

*****
Após desligar o chuveiro, Karin saiu do minúsculo Box e encarou por um instante a própria imagem refletida num caco de espelho preso à parede, perdendo-se em seus pensamentos. Era uma sorte que aquele pequeno banheiro nos fundos do armazém ainda funcionasse razoavelmente bem. Pelo menos água tinha, ainda que fosse fria.
Com o corpo ainda molhado, ela vestiu uma calça larga e uma camiseta e saiu do banheiro, deixando os cabelos soltou para que secassem naturalmente. Enquanto caminhava, levou uma das mãos à perna ferida e soltou um gemido de dor. Aquele maldito ferimento parecia recusar-se a cicatrizar.
Ao chegar ao local onde dormia, teve a surpresa de deparar-se com uma desconhecida sacola de papel. Desconfiada, aproximou-se para verificar o que havia ali dentro e avistou duas garrafas de água, algumas frutas e uma pequena caixa de primeiros socorros. Ao lado da sacola, notou que havia um cobertor dobrado com um bilhete em cima, que ela de imediato apanhou para ler.

Ouvi o som do chuveiro, então resolvi deixar essas coisas aqui e ir embora. Melhor assim, já que sei que você não simpatiza muito comigo.
Sei que não anda se alimentando direito. Se continuar desse jeito irá acabar doente, e não é isso que quer, não é? Ouvi no rádio que uma frente fria está para chegar na cidade. E, pelo que vi, você não trouxe nada para se proteger do frio.
Não, isso não é uma esmola e eu não tenho nenhuma segunda ou terceira intenção com você. Só quero ajudar! Tem meu telefone. Se precisar, ligue! A qualquer hora do dia ou da noite. Conte comigo para o que precisar, menina!
Cuide-se.
Shihara Hideki.

Ao terminar de ler, ela amassou o papel com ódio, jogando-o longe. Que direito aquele sujeito julgava ter para se meter a dar uma de “protetor” dela? Ela sabia se cuidar sozinha e não precisava de ninguém. Sempre fora assim, e estava certa de que sempre seria.
Ignorando toda aquela “esmola” diante de si, ela sentou-se no chão e tirou seu velho ‘MP3-player’ da mochila. No entanto, mesmo as músicas que ouvia não conseguiam distrair sua mente daquela história. Um total desconhecido, tão determinado a ajuda-la...
-Hi-de-ki... – Soletrou, com a voz baixa e quase que sem se dar conta.
Um nome que lhe trazia tantas lembranças...

*****
Nagoya - Japão

Depois de mais um dia de trabalho, Kairi chegava finalmente em sua residência. A casa era pequena; entretanto, era mais que suficiente para ele e sua irmã, com quem morava. Assim que entrou na sala, encontrou-a deitada no sofá, lendo um livro.
Mei Maeda, sua irmã gêmea. Parecidos na aparência, quase opostos no comportamento. Kairi, além de contido e calado, era dono de uma calma invejável. Já Mei era enérgica, impulsiva, teimosa, possuidora de uma personalidade forte e de uma independência que por vezes surpreendia o irmão. Moravam apenas os dois naquela casa, desde que um trágico acidente os deixara órfãos.
-Chegou cedo. – Ela comentou, sem desviar os olhos do livro.
Kairi respirou fundo, criando coragem para dar a notícia que tinha para contar. Aproximou-se, sentando-se no braço do sofá.
-Precisamos conversar, Mei.
Ela fechou o livro, finalmente olhando para o irmão. Notou que ele parecia mais tenso que de costume.
Respirando fundo mais uma vez, ele começou a relatar a conversa que tivera com o patrão. Ao final, viu que Mei não parecia muito abalada com o fato.
-É uma ótima oportunidade. – Foi tudo o que ela disse.
-Mei, eu vou embora para outra cidade.
-É... Vou sentir sua falta.
-Acho que você ainda não entendeu. Eu vou para Tóquio!
-É só por um tempo. Você sobrevive, Kairi. – Dizendo isso, ela tranquilamente voltou a ler.
Mas a pergunta que Kairi fez em seguida desviou novamente sua atenção:
-E você?
Fechando o livro, ela sorriu para ele.
-Eu fico, ora essa! Tenho meu emprego, minha faculdade, meu namorado...
-Não, Mei... Acho que você ainda não entendeu o que estou dizendo.
-Entendi, Kairi. – Ela disse com a voz séria. Em seus olhos, um pouco de tristeza misturada à revolta – Eu entendi! ...Acha que sou uma inválida que não pode se virar sozinha.
-Não, Mei. Eu não usei essa palavra e não quis dizer isso.
-Engraçado, porque foi o que eu entendi.
-Entenda, Mei: você é uma das pessoas mais maravilhosas que conheço! Tem seu emprego, sua independência... Aliás, ganha melhor que eu e suas notas na faculdade dão de mil nas minhas. Mas, desde aquele acidente... Desde que nossos pais morreram, eu prometi para a memória deles e pra mim mesmo que cuidaria de você. E me parece que ir embora deixando você aqui sozinha não é o melhor exemplo de cuidar.
Ela sorriu ao ouvir aquelas palavras. Às vezes perguntava-se quem realmente cuidava de quem naquela relação, mas tinha que admitir que Kairi fazia o seu melhor. Tanto que, por vezes, chegava a sufocá-la com cuidados excessivos – coisa que, aliás, ela odiava. Deu dois tapinhas leves na cabeça dele e respondeu:
-Seu bobo! Eu sei me arranjar sozinha. E você me causaria muita tristeza se prendesse sua vida por causa da minha. Vá para Tóquio e aproveite essa oportunidade!
Ele ficou em silêncio, olhando com ternura para a irmã. Era-lhe difícil e temeroso deixá-la sozinha. Porém, pelo que já conhecia de sua personalidade, sabia que ela nunca aceitaria servir de motivo para que ele perdesse tão significativa oportunidade.
-Está bem. – Ele respondeu, por fim.
-E quando você vai?
-Depois de amanhã.
-Tão rápido? Vou sentir sua falta.
-Tá é louca pra se livrar de mim, confessa! ¬¬’
Ela riu.
-Sabe que não é isso. Só que... Não quero que se prenda por minha causa. E... E quero provar pra você que eu sou capaz.
-Não tem que me provar nada, Mei. Sei bem disso.
-Ainda bem que sabe. ...Bem, amanhã eu tenho prova, acho bom eu ir logo dormir.
Ela apoiou as mãos sobre o sofá. Nisso, Kairi se levantou para ajudá-la.
-Não precisa, Kairi.
-Por favor! Só por hoje.
Vencida, ela sorriu e deixou que ele a pegasse nos braços, colocando-a na cadeira de rodas ao lado do sofá. Em seguida, Kairi começou a empurrar a cadeira, levando-a para o quarto.


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Notas finais do capítulo

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