Kuroi Crystal escrita por Luciane


Capítulo 17
Capítulo 16 - Chama eterna




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            Algumas horas se passaram e logo os demais moradores da república já estavam de pé. Com exceção de Maaya, Hideki e Yuuhi, que tinham ido dormir bem tarde graças ao incidente da noite anterior.

            Incidente este que, como não poderia deixar de ser, era o assunto principal na mesa do café da manhã. E as notícias do ocorrido tinham sido dadas, obviamente, por Aikawa Manami:

-...Uma pouca vergonha, vocês tinham que ver! – Ela contava – Aqui, na cozinha! Ela e o tio que deve ter uns quase quarenta anos. Como pode uma colegial se portar dessa forma?

Todos ao redor da mesa olhavam pasmos para a “informante”, chocados com os fatos narrados. Para ajudar a amiga, Miyu resolveu dar sua opinião:

-Logo ela, com aquele jeito de durona... Quem diria!

-Pois é! – Manami retomou a palavra – E além de tudo é uma cobra, espera todo mundo sair pra fazer essas coisas. E, depois que voltam e a pegam no flagra, ainda faz pose de garotinha violentada! Vejam se pode! Onde vamos parar desse jeito?

Harumi levantou a questão que se passava pela mente de todos os demais:

-E quem garante que ela não tenha sido realmente violentada?

            Nathalie, que havia passado a noite na República e voltaria para casa depois do café, concordou:

            -É verdade! E, se foi o caso, acho que vocês não deveriam ficar fazendo esse tipo de comentário. Isso quase aconteceu comigo uma vez, é uma coisa muito ruim.

            Olhando para a loira, Manami respondeu:

            -Nat, queridinha, cada caso é um caso. Você acredita mesmo que isso tenha ocorrido com a Sayuki? Gente, a porta não foi arrombada! Maaya trancou a casa inteira antes de sair, lembram? Então se esse cara entrou aqui, é porque a própria Sayuki abriu a porta pra ele!

            Já se convencendo das palavras de Manami, Jean comentou:

            -Putz, mas com o próprio tio? O cara que a criou? Marido da tia dela? Ah, não! Se essa garota fez isso, desculpem o termo, mas ela não passa de uma vadia!

            Manami mexeu a cabeça concordando:

            -E, o que é pior: ela fez isso aqui na república. Aproveitando-se da confiança que Maaya teve em deixá-la sozinha. Se não bastasse ela ser mau-educada e ladra, também é uma imoral!

            -Você também não é lá o melhor exemplo de moralidade, não é maninha? – Provocou Kazuo, apenas para ganhar um olhar nada amigável de sua irmã.

            Miyu tratou de retornar ao assunto:

            -Eu acho que nós deveríamos fazer alguma coisa pra tirar aquela monstrenga imoral daqui!  A república é um lugar de família! É inadmissível que se faça esse tipo de coisa por aqui!

            Alguns deles se entreolharam, ainda um tanto confusos com tudo aquilo. Não que deixassem de acreditar nas palavras de Manami, mas, ainda assim, sentiam que algo ali não se encaixava.

            Tentando conseguir mais um apoio a sua “causa”, Manami olhou para Tiemi, que até então não havia se manifestado sobre o assunto.

            -E você, Tiê-chan, o que acha?

            Encarando-a, Tiemi perguntou:

            -Quer mesmo saber o que eu acho?

            -Claro, amiga!

            -Eu achava que te conhecia melhor. Realmente desconhecia esse seu lado maldoso.

            Manami surpreendeu-se com aquelas palavras:

            -Do que está falando?

            -Primeiro: se Sayuki realmente tivesse feito o que você disse, Maaya seria a primeira a colocá-la daqui pra fora. May nunca iria tolerar uma coisa dessas aqui na república.

            -Shihara foi uma vítima dela! Você tinha que ter visto a pose de menininha violentada que a Sayuki fez.

            -Pose? – Timei quase riu do absurdo daquela suposição – A Sayuki não faz pose, Manami. Ela pode ter todos os defeitos, mas falsa ela não é. Sem contar que também não é do tipo que fica se “oferecendo” pra homens.

            -Mas foi ela que abriu a porta pra ele!

            -E daí? Ele é tio dela! Pode ter vindo com o pretexto de conversar. Ela ter aberto a porta não prova absolutamente nada. E, quer saber? Acho que o que aconteceu aqui foi grave demais pra você ficar fazendo esse tipo de comentário maldoso.

            Manami se revoltou com aquilo:

            -Tiemi! Por que você está me criticando pra defender aquela lá? Ela não é nada sua! Eu sou sua amiga!

            -E ser sua amiga significa que eu deva ser tão medíocre quanto você?

            Todos ao redor da mesa puderam ver o ódio estampado nos olhos de Manami. Indignada, ela levantou-se e saiu da cozinha, bufando. Miyu a seguiu.

            Assim que elas saíram, todos voltaram seus olhos para Tiemi, que apenas pediu:

            -Chega de comentários sobre isso, tá?! É um assunto realmente muito chato.

            Todos concordaram em silêncio.

 

*****

Mais tarde, naquele mesmo dia...

 

            Aquele não era um som conhecido em suas batalhas. Em meio aos ruídos das lâminas se chocando e das flechas que cortavam o ar, algo como um forte estalo chamou-lhe a atenção.

            Com o arco em punho, girou o corpo à procura do causador daquele som. Encontrou um homem de meia-idade, a certa distância, ainda apontando uma comprida arma de fogo em uma direção qualquer. Sem pensar duas vezes, ela atirou uma flecha, que atingiu o oponente diretamente no pescoço, levando-o imediatamente ao chão.

            Na sequência, ela olhou para a direção em que o homem apontava anteriormente e sentiu o ar faltar-lhe com o que avistou. Caída ao chão, em meio aos corpos de alguns oponentes, uma jovem japonesa – como ela e todos ali – ainda se movia, apertando com força a mão sobre o peito que sangrava de forma intensa.

            Desesperada, correu até ela, ignorando o peso da gestação já avançada que carregava em seu ventre. Abaixou-se ao lado da jovem ferida e, de forma aflita, tocou-lhe o rosto.

            -Calma, maninha. – Pediu, embora ela própria não demonstrasse calma naquele momento – Vai ficar tudo bem.

            -Oneechan... – A ferida sussurrou, fracamente. Mantinha as pálpebras fechadas e mostrava dificuldades para respirar.

            -Não fale, não se esforce. Vai ficar tudo bem, irmãzinha.

            A mais nova abriu os olhos, focando-os num ponto qualquer, além de sua irmã. Os lábios se entreabriram num sorriso. Confusa, a outra indagou:

            -Pra onde está olhando?

            -Eu vou ficar bem, oneechan. Vou pra perto dos anjos agora. Sei que nossa mãe é um deles.

            -Do que está falando?Olhe para mim. Vamos, olhe para mim!

            Aflita, começou a balançar o corpo da irmã, até se dar conta de que os olhos, distantes, agora estavam estáticos e sem vida.

            Gritou, em desespero.

 

            -Haru-chan? Haru-chan?

            A doce voz que chamava seu nome a despertou. Quando abriu os olhos, encontrou-se deitada em sua cama, na república. Ao deparar-se com Luna, Harumi ficou momentaneamente atônita, ainda um pouco presa ao sonho estranhamente realista que acabara de ter.

            -Está bem, Haru? – A loira indagou, preocupada.

            Sacudindo de leve a cabeça, Harumi finalmente pareceu despertar por completo, e respondeu:

            -Eu acabei pegando no sono. Tive um sonho estranho.

            -Estranho como?

            -Não sei explicar. Mas não tem importância.

            -Desculpe te acordar, mas você prometeu que iria jogar comigo, lembra?

            Como uma criança empolgada, Luna mostrou o tabuleiro de damas que trazia em mãos. Harumi sorriu, vencida.

 

*****

Maaya não conseguira dormir. Porém, já eram quase uma da tarde quando finalmente saiu de seu quarto. Assim que chegou à sala, observou em silêncio, enquanto Luna e Harumi, sentadas no chão, disputavam uma partida de damas.

            No momento, Luna estava pensativa, analisando calmamente o seu jogo. Longos minutos se passaram e ela continuava na mesma posição. Harumi suspirou, já começando a ficar entediada com a demora. Até que, finalmente, a loira pegou uma peça de seu jogo, movendo-a com extrema confiança. Harumi sorriu, antes de fazer a sua jogada:

            -Uma, duas, três, quatro, dama.

            -O.o – Luna se desesperou – Não vale!

            -Lu-chan, eu adoro jogar contigo. – Disse Harumi, tirando do tabuleiro as peças que havia acabado de ganhar – Eu sou péssima em damas, mas sempre consigo ganhar de você.

            -Deixa eu mudar a jogada?

            -Lógico que não!

            -Deixa, vai! ;__;

            -Não! ¬¬

            -Deixa, deixa, deixa!

            -Não pode, Luna!

            -Por favor? ;___;

            -Afe... ¬¬’ Tá bom, vai! u.u” Mas só dessa vez, viu?! ¬¬’

            -Por isso que eu te amo, Haru-chan! ^___^

            -Tá, tá... Sei... ¬¬’

            Observando a cena, Maaya riu. Foi apenas nesse momento que as brasileiras notaram sua presença ali.

            -May-chan! Quer jogar?

            -Fica pra uma próxima, Lu-chan! Na verdade, eu queria ter uma conversa com a Harumi, pode ser?

            -Comigo? – Harumi estranhou aquilo. Que assunto a dona da república poderia ter em particular com ela?

            -Sim. Me acompanhe até o escritório, por favor. Mas, antes disso, viram meu filho por aí?

            Luna respondeu:

            -Eu o vi indo para a varanda. Não sei se ainda está.

            Maaya foi até a porta e, de fato, encontrou Hideki sentado no degrau da varanda, conversando com Yuuhi.

            -Filho?

            Ao ouvir a voz de sua mãe, Hideki olhou para a porta.

            -Pode me vir aqui um minutinho? Preciso te contar uma coisa.

            De imediato, ele temeu que fosse algo grave envolvendo Karin. Porém, ao notar a expressão serena da mãe, logo tranqüilizou-se e se levantou, entrando na sala. Ao chegar lá, encontrou Harumi, e como de costume, uma timidez mútua se instalou entre eles. Maaya percebeu aquilo, mas não disse nada. Apenas pediu para que os dois a seguissem.

            Ao chegarem ao escritório, viram Maaya calmamente sentar-se em sua cadeira, apoiando os braços sobre a mesa e abrindo um largo sorriso.

            Hideki odiava aquele sorriso de sua mãe. Ela sempre sorria daquele jeito quando sabia de algo que ele nem sequer desconfiava. Ela tomou fôlego para dizer alguma coisa, aumentando ainda mais a expectativa do rapaz. Quando finalmente abriu a boca, disse:

            -Vocês são lindos! ^-^

            Hideki caiu de cara. Harumi limitou-se a deixar uma gota escorrer. Maaya riu:

            -Lindos mesmo! ^-^

            Levantando-se do chão, Hideki se aproximou, apoiando as mãos sobre a mesa e encarando-a.

            -O que você está aprontando? ¬¬

            -Eu não estou aprontando nada. O.o

            -Está, sim! Eu conheço esse seu sorriso! Ò.ó

            -O meu sorriso é o mesmo sorriso de sempre. O.o

            -Não é, não! Conte logo! ò.ó

            -Quando você parar de me dar bronca, eu conto! ¬¬’

            Harumi olhava a cena, completamente incrédula. Perguntava-se como aqueles dois poderiam ser mãe e filho. A relação entre eles não era das mais tradicionais.

            -Eu não estou te dando bronca, Maaya!

            -Pois é o que parece. E sem isso de “Maaya”, sou sua mãe. Respeite meus cabelos brancos, moleque!

            -Você não tem cabelos brancos! ¬¬

            -Sou menos sua mãe por isso?

            -Ah, não começa a fazer chantagem, não! ¬¬’

            -Arruma outra mãe pra você, seu ingrato!

            -Tá, mãe! Para com isso! u.u”

            -Só por isso eu não vou contar o que sei.

            -Arg... Tudo bem! Não quer contar, não conta! ¬¬’

            Revoltado, ele deu meia volta para sair do escritório. No entanto, mal deu um passo e parou ao ouvir a voz de sua mãe, já séria, a chamá-lo:

            -Deki?

            Ele virou-se, no momento em que Maaya tirava seu cristal transparente de dentro da blusa. Confuso, voltou seus olhos para Harumi, tornando a olhar para o cristal da mãe em seguida.

            -Mas... Não pode ser. – Murmurou, já conhecendo os procedimentos básicos usados por Maaya – Não acredito que Harumi seja...

            Não conseguiu terminar de falar, pois uma forte luz amarela, emanada do corpo de Harumi, iluminou todo o local, obrigando-o a fechar os olhos.

 

            Estava ajoelhada, diante de um dos inúmeros túmulos daquele local que, há poucas horas, fora palco da última batalha de suas vidas. Apoiava uma das mãos sobre a terra, olhando fixamente para uma das lápides. Não chorava. Ainda custava a acreditar que aquilo havia acontecido. Sentia que iria chegar em casa e encontrar novamente sua irmã, sorrindo, inventando uma desculpa qualquer para fugir aos treinamentos e ir se encontrar com aquele maldito garoto.

            Olhou para o túmulo ao lado do de sua irmã. Os dois acabaram tendo o mesmo fim. Será que, em algum lugar, estariam juntos agora?

 Tornou a olhar para o túmulo de Umi, passando mais uma vez uma das mãos sobre a lápide.

            -Vá em paz, minha irmã. – Sussurrou, levantando-se logo em seguida.

            A certa distância, ajoelhado diante de outros dois túmulos, estava um homem. Ele chorava, arrasado. Havia perdido a esposa e a filha. Naoko sentiu seu coração doer ao observar tal cena. Olhou para trás, encontrando um rapaz encostado ao tronco de uma cerejeira, com seus olhos fixos naquele senhor que chorava. Foi até ele.

            Quando ela se aproximou, ele a olhou e sorriu. Um sorriso triste, cansado, e ao mesmo tempo de alívio por todo aquele sofrimento ter finalmente acabado. Naoko apoiou sua cabeça no ombro do rapaz, que a abraçou.

            -Acabou. – Sussurrou ela.

            -É... Acabou.

            -Não foi sua culpa.

            Ele não disse nada e os dois permaneceram em silêncio por longos minutos. O único som que ouviam era do choro daquele homem diante dos túmulos. E aquilo ia pouco a pouco remoendo-os por dentro. Até que, num determinado momento, Hinoky não mais agüentou e deixou as lágrimas virem à tona.

            -Não foi sua culpa. – Repetiu Naoko, ainda conseguindo manter-se fria diante da situação.

            -Não pude salvar nenhuma das duas... – Disse ele, em meio a soluços.

            -Você fez tudo o que foi possível. Eu também não pude salvar Umi. Não deixei que ela fosse no grupo daquele garoto. Jurei que iria protegê-la. Agora, veja como são as coisas...  Se tivesse ido com ele, talvez agora ela estivesse aqui conosco, viva.

            Ele beijou a testa dela, levando uma das mãos à sua barriga.

            -Pelo menos. – Dizia ele – não perdi vocês dois.

            Ela segurou a mão dele e reforçou:

            -É. Não nos perdeu.

Nesse momento, não conseguiu mais se conter. Era como se, enfim, compreendesse a situação. Nunca mais voltaria a ver seus amigos, nem sua estimada irmã.

Ela chorou. Choraram juntos.

 

Quando o brilho desapareceu, Hideki finalmente abriu os olhos. Fitou Maaya, que permanecia sentada em sua cadeira, observando-o. Olhou para Harumi, e a encontrou estática, olhando fixamente para o nada. Parecia totalmente perdida em lembranças. Tornou a olhar para a mesa e... Onde estava Maaya? Voltou-se para trás, vendo sua mãe já abrindo a porta para sair do escritório.

-Onde a lindinha acha que vai? ¬¬’

Maaya olhou para ele e sorriu... De outro jeito que ele odiava.

-Tenho cara de vela? ^-^

-¬¬’ Por que você não me contou?

-Porque eu não tinha certeza.

-Quando começou á desconfiar?

-Assim que bati os olhos nela pela primeira vez! ^^”

-¬¬’ E quando teve certeza?

-Quando ela veio morar aqui! ^-^

-O.o... Há quase duas semanas? Ò.ó

-Nossa! Sabe que nem percebi que tinha passado esse tempo todo? ^-^

Ele a encarou. Dessa vez, de uma forma que ela não gostava muito... Do jeito com que ele a olhava quando queria matá-la. Diante disso, Maaya abriu o seu melhor sorriso estilo “mamãe” e apontou para trás do filho. Embora revoltado, ele virou-se para a direção em que ela apontava, sendo surpreendido pela garota que, sem maiores palavras ou explicações, o puxou para si, beijando-o com fúria. Sendo pego de surpresa, ele acabou se desequilibrando. Nisso, os dois caíram no chão. Mas ela não pareceu se importar e continuou a beijá-lo. Maaya riu novamente.

-Isso é que é paixão! – Comentou, aproveitando a deixa para sair de fininho, fechando a porta.

 

*****

            Enquanto caminhava pelo corredor da mansão, Tamaki Hayao pensava em o quanto a vida dava bruscas reviravoltas. Na noite anterior, estava numa casa noturna, curtindo uma vida normal para um jovem de sua idade. Até conhecera uma mulher: uma ruiva bastante interessante, que não saía de sua cabeça. E agora, horas depois, estava ali, em sua “vida secreta” de trabalhos obscuros. Ao seu lado, caminhava uma loira: Kitamura Hitomi, sua “colega de trabalho” que, ao contrário dele, não curtia uma “vida dupla”. Parecia aqueles estereótipos de vilãs de mangás, que dedicava sua existência completamente às missões (exceto, claro, pelo fato de ser muito bonita e contar com um bom humor que tais vilãs não costumam ter. Não que ele gostasse deste último ponto, achava Hitomi, por vezes, absurdamente irritante!). Soubera que a última aventura dela foi se passar por professora numa escola e, para isso, chegara ao ponto de matar a verdadeira docente da turma. Hayao não se considerava uma pessoa muito boa (aliás, estava a anos luz disso), mas tinha seus limites e não estava disposto a tirar a vida de alguém caso não houvesse uma extrema necessidade para isso.

            À frente dos dois, ia o dono da mansão: Kosugi Shouta. Abriu a porta de um dos quartos e deu espaço para que os dois subordinados entrassem, fazendo o mesmo em seguida.

            Encolhida num canto do cômodo, Sayuri olhou para os recém-chegados de forma assustada. Hayao logo se aproximou, olhando-a melhor. Hitomi o seguiu, também analisando a garota.

            -Então esta é a famosa? – Indagou Hayao.

            -Que lindinha que ela é! – Comentou a loira - Tão assustadinha! Parece um bichinho do mato, olha só!

            -Será que é mesmo ela? – Hayao questionou.

            Hitomi franziu a testa, confusa, antes de responder:

            -Sei lá. Eu não a conheci na outra vida, nem tenho como saber. Ela estava na batalha? Não é a menina que eu matei, é?! O.o

            -Aquela era Miharu. – Explicou Hayao.

            -Ah... É! “Hana” era o primeiro nome. Também era muito bonitinha, por isso eu confundi.

            -Você confunde tudo. ¬¬

            Kosugi tossiu, chamando a atenção dos dois para si.

            -Já conheceram a garota, como queriam. Agora será que poderíamos tratar do assunto mais urgente?

            Concordando, eles saíram do quarto, novamente seguindo o chefe, desta vez até o escritório da casa. Lá chegando, o dono da mansão pegou uma folha de papel com algumas informações escritas, e a entregou aos dois. Tamaki Hayao a pegou, começando a ler em voz baixa. Hitomi se aproximou, também olhando para o papel. Após a rápida leitura, ela perguntou:

            -Shouta, amorzinho, o que é isso?

            Kosugi explicou:

            -Em breve a garota recobrará as lembranças, então poderemos seguir com nossos planos. No passado, agimos com afobação e reduzimos nossos objetivos apenas ao cristal negro. Dessa vez, não será dessa maneira. Vamos usar o cristal negro, mas em união com os demais cristais, para aumentar seu poder.

            -E como o senhor pretende que aquelas criancinhas metidas a guerreiras colaborem? – Perguntou Hayao.

            -É aí que entra a menininha da ficha em suas mãos. Com ela, conseguiremos que dois daqueles pseudo-guerreiros aceitem nos ajudar.

            -Hm... Chantagem? – Disse Hitomi – Interessante. Gostei disso! ^-^

            -Então, comecem a agir! – Ele pegou um envelope sobre a mesa e o entregou a Tamaki – Aqui estão as passagens e dinheiro.

            Após pegar o envelope, Hayao saiu do escritório. Hitomi fez o mesmo após dar um beijo de despedida em seu patrão.

 

*****

            Assim que separou seus lábios dos de Hideki, ela o abraçou, numa aflição incalculável. E estavam assim no atual momento, deitados no chão, com os olhos fechados e abraçados um ao outro. Permaneciam desse jeito, em silêncio, há uns vinte minutos. Ainda não haviam trocado uma única palavra. Até que Harumi levantou a cabeça e olhou para o rosto de Hideki. E, por mais alguns minutos, ficaram se fitando, atentos a cada traço do rosto um do outro

Finalmente, a brasileira esboçou um sorriso e abriu a boca para dizer alguma coisa, criando certa expectativa em Hideki.

            -Idiota!

            -Ãh? O.o

            E ela o surpreendeu com um forte tapa. Ele a olhou totalmente confuso. Revoltada, ela explicou:

            -Isso, é por ter me traído

            Outro tapa.

            -Isso, por ter me traído COMIGO.

            Mais um tapa.

            -Isso, por ter me traído comigo sem saber que eu era eu!

            E, para finalizar, um último tapa.

            -E isso é só pra você não esquecer quem manda por aqui.

            Mesmo diante da dor (ela continuava bem forte), ele começou a rir, apenas para aumentar a revolta da garota.

            -Tá rindo de quê?

            -Eu te amo! ^-^

            -u.u... Tá perdoado! Mas que isso não se repita, viu?!

            Ele a puxou novamente para os seus braços. Encostando novamente a cabeça ao peito dele, ela tornou a fechar os olhos.

            -Eu devo ser mesmo um idiota. – Hideki constatou – Como pude não te reconhecer?

            -Como você pôde me deixar te beijar sem saber que eu era eu? – Ela insistia no argumento da traição.

            -Você me pegou desprevenido. Mas, vai ver, lá no fundo eu já sabia que aquela brasileira maluquinha era a mulher da minha vida.

            -“Brasileira maluquinha”? ¬¬’ Mas, tá... Só não te bato de novo graças ao “mulher da minha vida”.

            -A mãe dos meus filhos.

            -Três. Três meninos!

            -Você era louca por uma menina...

            -Mas não tivemos...

            -Mas tivemos netas. Duas.

            -Lindas!

            -E três netos.

            -Também lindos!

            -E vivemos o suficiente para criar nossos filhos e conhecer nossos netos.

            -Juntos.

            -Até o fim de nossas vidas.

            Eles sorriram e ficaram em silêncio por mais alguns instantes. Até que Harumi perguntou:

            -Será que, agora, será tudo dessa mesma maneira?

            -Nossos destinos já foram traçados, Nao. ...Digo, Harumi!

            -“Destino”? – Ela riu – Tá começando a falar igual a sua mãe. Por falar nisso... Todos já comentaram o quanto ela é jovem para ser sua mãe... Você voltou mesmo como filho dela?

            -Não. Maaya me adotou nesta vida. Na verdade, ela é minha cunhada.

            -Cunhada? Então você é...

            -Irmão do meu pai. Por mais estranho que isso possa soar. – Ele riu – Mas essa é uma história longa demais. Outra hora a gente conversa sobre isso.

            -Tudo bem. Mas vejo que vocês acabaram sendo mãe e filho, de alguma forma. – Ela fez uma pausa, pensativa – Por falar nisso... E Umi?

            Hideki sorriu antes de responder:

            -Vocês também acabaram sendo irmãs, de alguma forma.

            Surpresa, Harumi levantou novamente o rosto, olhando um pouco incrédula para Hideki. Ele continuou a sorrir e mexeu de leve a cabeça como se para confirmar a pergunta que se passava pela mente dela. Após a confirmação ela se levantou e saiu do escritório apressada, indo até a sala. Lá parou, olhando para Luna, que tentava ensinar Yuuhi a jogar damas.

            Hideki a seguiu, parando ao seu lado. Sorriu ao vê-la observar a irmã.

            -Não, Yuuhi! Assim não vale! – Gritou Luna, impedindo uma jogada do rapaz.

            -Ué... Não vale por quê?

            -Eu já expliquei! Você só pode andar com a peça pelos quadrinhos pretos!

            -Mas minha peça é branca. O.o

            -Não importa a cor da peça! Se anda com ela apenas pelos quadrinhos pretos.

            -Ah... Tá! u.u” – E ele moveu uma peça – Pronto, joguei! ^^

            Enquanto ela pensava na jogada, o bad boy indagou:

            -Por que não está aproveitando o feriado para sair com o Kairi?

            -Apareceu um problema nos computadores da empresa, e ele teve que ir resolver.

            -E a Miyu foi junto, estou certo?

            -Ela é a superior dele. – A resposta foi inocente, sem perceber a desconfiança explícita da pergunta – E você, por que não está com sua namorada?

            -Moramos na mesma casa e estudamos na mesma escola. Eu já fico com ela todos os dias, hoje é minha “folga”. u.u

            Finalmente, Luna fez uma jogada. Yuuhi sorriu, pegando uma peça ao lado da que Luna havia acabado de mover e...

            -Um, dois, três, quatro, cinco... E cheguei no cantinho! Isso é bom?

            -O.o... NÃO VALE! Ò.ó

            -Ué... Não posso chegar no cantinho? O.o

            -Não! Digo, pode. Mas o que não vale é você me ganhar. É a primeira vez que você joga isso! Ò.ó

            -Lu-chan, meu anjo... Eu sou O cara! XD

            -Nha... Num vale! Eu não consigo ganhar nem de você! ;__; Deixa eu tentar de novo?

            -Não! ¬¬

            -Vai, Yuuhi, por favor!

            -Nem pensar! Eu tô ganhando! *.*

            -Uma vezinha só, vai! A Haru sempre me deixa tentar de novo!

            -Mas eu não vou deixar! ¬¬

            -Ah...

            Harumi sorriu, percebendo o quanto Luna estava parecida com o que era na outra vida. Em seguida se aproximou, ajoelhando-se ao lado da loira.

            -Sabe qual é o problema? – Começou a dizer, de forma carinhosa, chamando a atenção de Luna – Está na concentração. Precisa estar mais atenta, não só ao seu jogo, como no de seu oponente. Às vezes percebo que você está olhando para o tabuleiro, mas parece estar com a cabeça distante. Enquanto não acabar com essa sua distração, nunca conseguirá fazer uma boa jogada. E não é sempre que alguém te deixará tentar de novo.

            Luna a olhava com uma expressão de surpresa. Aquelas palavras, aquele jeito de falar... Tudo soava-lhe tão familiar. Olhou para Hideki e percebeu que ele sorria. Tornou a olhar para Harumi, ainda em dúvida sobre aquilo.

            A mais velha sorriu e continuou:

            -Precisa aprender a se virar sozinha, minha irmã.

            Ao ouvir aquilo, algumas lágrimas começaram a se formar nos olhos de Luna. Mas antes que começassem descer pelo seu rosto, Harumi a puxou para junto de si, abraçando-a.

            -Nao-chan... – Sussurrou a loira.

            Harumi a abraçou com mais força, e não conseguiu conter suas lágrimas. Ao perceber que sua irmã chorava, Luna ficou preocupada:

            -O que foi? Nao-chan? Haru-chan? Tá me assustando!

            -Desculpe... – Pediu Harumi, num sussurro.

            -Pelo quê?

            -Por não ter sido capaz de te proteger. Por ter falhado como irmã.

            Foi a vez de Luna sentir os soluços virem à tona. Passou de leve uma das mãos pelos cabelos lisos de Harumi e sussurrou:

            -Você nunca falhou.

            Elas não disseram mais nada. As palavras tornaram-se desnecessárias. Confuso, Yuuhi levantou-se, indo para perto de Hideki.

            -Aê, cara...

            Hideki voltou seus olhos para ele.

            -O que foi, Yuuhi?

            -Dá pra me explicar o que tá rolando?

            Hideki riu e saiu puxando Yuuhi em direção à varanda, onde lhe explicou a situação. Deixaram as duas irmãs sozinhas na sala, onde ainda permaneceram abraçadas, chorando no ombro uma da outra por algum tempo.

 

*****

 

“Akemi! Akemi!”

 

"Quem é você? O que quer de mim?"

“Eu quero ser você.”

 

            Ela abriu subitamente os olhos.

Mais uma vez, aquele sonho. Aquela voz infantil. Dessa vez, acompanhada por outra, que também parecia pertencer a uma criança.

Mais uma vez, aquele nome.

“Akemi”.

            Maaya, Hideki, Yuuhi, Tiemi, Nathalie... Todos já o haviam mencionado. E essa tal “Akemi” tinha alguma ligação com os tais cristais... Como o de Nathalie e o de Hideki. Ela sabia que havia uma história oculta naquela república, naqueles hóspedes. E, mesmo sem fazer a mínima idéia do que seria, sabia que ela também tinha alguma ligação com aquilo tudo. E descobriria qual era.

            Olhou para o relógio na cabeceira da cama e assustou-se com o horário: Já passavam das três da tarde. Surpreendeu-se com o fato de ter conseguido dormir por mais de nove horas seguidas. Talvez fosse o local. Aquele quarto, por estar mais afastado do restante dos cômodos, era incrivelmente silencioso. Dava-lhe a sensação de não haver um mundo lá fora. Uma sensação de incrível paz.

            Mas o mundo existia e ela precisava encará-lo. Concluindo isso, levantou-se da cama e saiu do quarto.

 

*****

            Saito acabava de chegar à república. Após sair de casa, havia andado à toa com sua moto pelas ruas, por horas. Rodou o bairro inteiro, passou inúmeras vezes pelos mesmos lugares... Queria arejar a cabeça, esquecer-se dos “problemas”... Mas o problema lhe perseguia. Seu nome nessa vida: “Tachikawa Sayuri”.

            Passando pelas pessoas sem cumprimentar ninguém, ele entrou na república, subiu as escadas, indo até o seu quarto. Quando ia abrir a porta, no entanto, algo chamou sua atenção: Uma porta ao final do corredor – a qual mantinha-se costumeiramente fechada – começou a se abrir. Por ela, saiu uma garota com quem Saito havia esbarrado apenas duas ou três vezes desde que chegara ali. A tal Sayuki Karin, alguém aparentemente insignificante para seus planos.

Contudo, ele não saberia dizer porque, mas percebeu que naquele momento ela parecia diferente. Seus olhos. Seu olhar estava diferente das outras vezes. A garota geralmente sem emoções agora parecia abatida e triste.

            Ela fechou novamente a porta e seguiu pelo corredor, sem ao menos olhar para Saito. Este, no entanto, a olhava atentamente. Ela passou por ele e já chegava às escadas quando se surpreendeu ao ouvir a voz do rapaz:

            -Akemi?

            Surpresa, ela voltou-se para ele, encarando-o com desconfiança.

            -Do que me chamou?

            Percebendo o que havia acabado de dizer, ele desconversou:

            -De nada. Eu não disse nada.

            Já sabendo que não valeria à pena tentar insistir naquilo (mais um a chamá-la por aquele maldito nome!), Karin virou-se, seguindo seu caminho e descendo as escadas. Saito ainda a observou até ela sumir de suas vistas.

            -Estou ficando maluco? É claro que não é ela. Não tem como ser!

 

*****

 

            -Vambora, Nami! – Gritava Yuuhi, próximo à escada.

            Manhã do dia seguinte. Luna, Harumi, Miyu, Kairi e Jean já haviam saído para seus trabalhos. Na sala, Yuuhi, Kazuo e Tiemi aguardavam apenas por Manami, para irem para o colégio.

Finalmente, a garota desceu as escadas. Carregando em seu rosto uma expressão nem um pouco animada, ela entregou sua bolsa para que Yuuhi carregasse, e saiu, ignorando totalmente seu irmão e Tiemi.

Eles a seguiram e Manami logo puxou Yuuhi para próximo de si, andando ao seu lado bem à frente dos outros dois.

-Ela tá mesmo brava. – Comentou o Kazuo, referindo-se à sua irmã.

A pequena ruiva apenas balançou os ombros e respondeu:

-Não posso fazer nada. Mas vejo que não foi só comigo, ela parece estar revoltada com você também.

-Manami não agüenta ouvir verdades.

-Ontem ela se superou, Kazuo! Você sabe que eu também não vou muito com a cara da Sayuki, mas injustiça é uma coisa que eu não tolero! E o jeito com que a Manami falou sobre ela me deixou realmente revoltada!

-Você é uma pessoa boa.

-Não se trata de ser boa, e sim de ser justa.

Kazuo concordou e os dois ficaram em silêncio. Após alguns minutos, o rapaz voltou seus olhos para a garota ao seu lado e reparou que, apesar da convicção de estar com certa naquela briga, Tiemi parecia um pouco abalada com a forma com que Manami a estava tratando desde o dia anterior. Voltando a olhar para frente, ele começou a dizer:

-Sei que pode parecer cruel o que vou dizer agora, porque, quer eu queira ou não, a Manami é minha irmã, mas... Acho que o melhor que você tem a fazer é se afastar definitivamente dela.

Confusa sobre aquelas palavras, Tiemi olhou para o amigo, que prosseguiu:

-Você nutre uma amizade com ela, e talvez isso não lhe deixe ver com clareza quem Manami realmente é. Mas abra os olhos, Tiemi. Minha irmã é uma pessoa egoísta. Pra conseguir o que quer, ela passa por cima de quem quer que seja. Sem contar que ela é uma péssima influência para você.

Tiemi tornou a olhar para frente, ficando em silêncio por alguns segundos, enquanto refletia sobre aquelas palavras. Olhou para Manami, que andava bem à frente, agarrada ao braço de Yuuhi.

Suspirando, por fim disse:

-Talvez você tenha razão.

E eles fizeram o restante do caminho em silêncio.

 

*****

            Sentada de frente para a penteadeira do quarto onde dormira mais uma noite, Karin encarava a própria imagem refletida no espelho. Maaya estava terminando de acertar seu cabelo, que havia se queimado naquele “incidente” na cozinha. Surpreendentemente, a ruiva até que tinha alguma habilidade com a tesoura.

            Ao terminar o trabalho, Maaya olhou para o rosto de Karin através do espelho e sorriu diante do resultado.

            -Não ficou ruim. – Comentou, ainda olhando para o cabelo que agora batia pouco abaixo do queixo. – O que achou?

            -Acho que você corta cabelo melhor do que cozinha. – Respondeu Karin, sem empolgação alguma.

            -Vou encarar isso como um elogio! Agora anda, você já está atrasada! Hideki e eu vamos te dar uma carona até o colégio.

            Karin não disse nada e nem ao menos se moveu. Continuava a encarar aquele espelho. Já estava de uniforme, que Maaya havia praticamente a obrigado a vestir, mas não parecia nada empolgada em voltar à escola.

            A mais velha se afastou, indo até a cama onde a garota havia dormido e começando a arrumá-la. Enquanto dobrava uma coberta, comentou:

            -Desde que veio morar aqui, você não voltou à escola. Desse jeito vai acabar ficando reprovada. Até o Yuuhi deve ter mais frequência que você. – Riu – Sei que esteve doente, mas agora está bem e não tem mais motivos para continuar faltando.

            “Mas agora está bem”? Karin não pôde deixar de achar certa graça daquela afirmação. Mesmo ela já estando de certa maneira “acostumada” a passar por aquele tipo de situação com o tio, era óbvio que não estava nada bem. No entanto, não conseguia enxergar aquela atitude de Maaya como descaso. Na verdade, mais lhe parecia que a ruiva queria forçá-la a manter uma vida o mais próxima possível do normal.

            Ouviram passos subindo a escada. Maaya voltou-se para a porta, Karin limitou-se a olhar pelo espelho. Logo ouviram batidas.

            -Entra! – Disse Maaya. Sorriu quando a porta se abriu e por ela entrou Hideki – Oi, filho. Já tá pronto?

            -Apenas esperando por vocês. – Ele respondeu.

            Maaya voltou-se para Karin.

            -Vamos?

            -Posso... – Começou a dizer a garota, olhando para Maaya através do espelho. – Posso te fazer uma pergunta, Shihara?

            -Claro! Pergunte.

            -Me pareço com sua filha?

            Maaya ficou surpresa com a indagação.

            -Com Akemi?

            -Não. Com a outra.

            A surpresa de Maaya apenas aumentou. Franzindo a testa, questionou:

            -Outra? Que outra?

            -Seu filho me disse que tem duas irmãs.

            Confusa, Maaya olhou para Hideki, que se encostou à parede, olhando para baixo, pensativo. Tornou a olhar para Karin, perguntando:

            -Com Kaori?

            -Sei lá o nome! Quantas filhas você tem, afinal?

            -Er... Bem... Na verdade... Tenho duas. Tive duas. Kaori faleceu ainda criança.

            -E eu me pareço com essa Kaori?

            -Bem... Acho que não muito. Mas você tem bastante de Akemi.

            Karin esboçou um sorriso debochado. Era notório que Maaya estava totalmente enrolada, foi pega de surpresa pela pergunta. Aquilo só fez confirmar suas suspeitas: Escondiam algo dela! Algo envolvendo a tal “Akemi”, os tais cristais... Algo envolvendo sua vida.

            Sem dizer uma única palavra, levantou-se, caminhando em direção à porta. Apenas quando chegou às escadas, voltou-se para os dois e comunicou:

            -Já estou pronta. Não se incomodem, ainda não esqueci o caminho do colégio.

            Dito isso, virou-se novamente, e desceu as escadas. Quando ficaram sozinhos, Maaya encarou Hideki, ainda totalmente confusa.

            -Disse a ela que se parecia com Kaori?

            Hideki movimentou a cabeça, negativamente.

            -Disse apenas que se parecia com minha irmã, mas não com Akemi.

            -Sua irmã, que não seja Akemi, era Kaori. E os poucos minutos de vida que ela teve, creio que não tenham sido o suficiente para que ninguém conhecesse a personalidade dela.

            -Eu não toquei no nome de Kaori, Maaya. Nem ao menos me lembrei dela quando disse isso. Apenas disse a Karin que ela se parece com minha irmã. Mas, como disse, não com Akemi.

            -Você tem alguma terceira irmã que eu não conheça?

            -Tenho. –Respondeu o rapaz com firmeza – Chama-se Sayuki Karin. E você deveria vê-la como uma terceira filha também, para não se decepcionar caso descubra que ela é sua filha apenas desta vida, e não da outra. ...Te espero no carro.

            Ele virou-se, começando a descer as escadas. Uma vez sozinha, Maaya levou uma das mãos ao peito, onde por baixo de sua blusa estava seu cristal. Suspirou, lembrando-se do bebê que perdeu na vida passada.

            -Kaori... Viveu tão pouco. Nem ao menos tive a chance de tê-la em meus braços em vida. Será que também renasceu, vinda do ventre de outra mulher? Será que o destino desta vez lhe permitiu ter uma vida longa? Rezo com todas as forças que sim! E que, onde quer que esteja, tenha uma vida feliz. Bem mais feliz do que a de minha Akemi... De minha Karin...

            Suspirando novamente, ela saiu do quarto.

 

*****

            Ainda conseguiram convencer Karin a aceitar a carona. Após deixarem-na no colégio, os dois seguiram para o mercado. Maaya evitara tocar novamente no assunto, mas Hideki percebeu que ela não havia gostado nem um pouco de suas palavras a respeito de Karin. Os dois tinham opiniões totalmente opostas sobre aquela situação, e nenhum deles gostava de discutir sobre aquilo. Cada um seguia a sua “verdade”.

            Chegando ao mercado, eles logo se separaram. Hideki cuidava da parte da lista que dizia respeito às comidas, enquanto Maaya pegava os itens de limpeza e higiene.

            Distraída, ela empurrava um carrinho pelos corredores do mercado, pegando pelo caminho um ou outro produto de limpeza sem se importar com preços, marcas, quantidades, datas de validade nem nada do tipo. Sua mente estava totalmente distante. Mais exatamente, nas palavras ditas por Hideki em casa.

Como ele podia ter qualquer dúvida de que Karin fosse Akemi?

            Foi arrancada de suas divagações quando viu-se obrigada a parar com o impacto de um carrinho que batia de frente com o seu. O condutor era um homem, que parecia estar tão ou mais distraído do que ela.

            Eles se olharam para pedir desculpas, mas ao abrirem a boca, apenas a voz da ruiva saiu:

            -Me desculpe.

            E ela já ia desviar o carrinho para seguir adiante, quando o homem à sua frente chamou sua atenção:

            -Você...?

            Ela olhou melhor para ele, só então o reconhecendo.

            -Ah... Você!

 

*****

            Kyoto – Japão

            -Ah, que lindo esse lugar! *.*

            Hitomi andava pelas ruas de Kyoto, totalmente encantada. Sentia-se uma turista em férias e parecia ter se esquecido completamente de sua missão. Havia dispensado a companhia de Hayao, dizendo que daria conta do caso sozinha. Na verdade, tudo o que queria era estar livre para aproveitar ao máximo aquela cidade, antes de cumprir com sua obrigação.

            Após ver algumas vitrines, tirar fotos de alguns templos e fazer um lanchinho, finalmente pareceu se dar conta de suas obrigações. Assim, foi até uma escola primária e parou próxima ao portão, observando atentamente as crianças que lá chegavam. Ainda eram dez da manhã e algumas turmas começavam a entrar naquele horário... Inclusive a da criança que ela aguardava.

            Após alguns minutos, reconheceu sua vítima: uma menina, de dez anos de idade, olhos castanho-escuros e cabelos negros e lisos, que batiam pouco abaixo dos ombros. Chegou ao colégio sozinha, o que, para Hitomi, era um ótimo sinal. Não haveria ninguém para atrapalhar os seus planos.

A pequena entrou no colégio e Hitomi sorriu, olhando para o relógio. Agora, depois de reconhecida a vítima, era só esperar pelo horário de saída.

 

*****

            Tóquio – Japão.         

Eles piscaram mais uma vez, ainda parados no mercado, olhando um para o outro, totalmente incrédulos com aquela coincidência. Até que Hayao sorriu e quebrou o silêncio:

            -Não imaginava te ver novamente.

            -É... – Respondeu Maaya, um pouco constrangida com a situação. Quando que ela poderia imaginar que encontraria novamente com aquele rapaz que conhecera numa balada?

            -Deve ser coisa do destino.

            -É... Destino apronta com a gente de vez em quando mesmo.

            -Não te agrada me ver novamente?

            -Er... Claro! Claro que sim! – Ela abriu um sorriso compreensivo – Sua mãe te colocou pra fazer compras, foi?!

            -Minha mãe? O.o... Bem, eu moro sozinho.

            -Ah... Sim...

            -Meu apartamento fica logo aqui em frente, no prédio ao lado da cafeteria. Se estiver à toa, podemos ir até lá, tomar um café.

            -Café? Ah... Sei... Bem, não que eu tenha algo contra tomar café com garotos, digo, rapazes que moram sozinhos, mas... Preciso ir pra casa... Meus filhos me esperam.

            Ele deixou de sorrir.

            -Filhos? Não me disse que era casada.

            -Sou viúva.

            -Nossa! Tão jovem!

            -Pra você ver como é essa vida...

            -Quantos filhos tem?

            -Dois. 

            -Meninos?

            -Um casal. Você já conhece meu menino, aliás.

            -Conheço?

            -Conheceu naquele dia. O rapaz que disse ser meu irmão.

            -O.o... Mas aquele cara deve ter uns vinte anos.

            -Na verdade, ele tem vinte e um.

            -Tinha nove anos quando ele nasceu? O.o

            -Quinze. Faça as contas! u.u... Prazer em te rever, passe bem e lembranças à sua mãe!

            Ela tentou desviar seu carrinho do dele, mas Hayao rapidamente jogou-se na frente dela, impedindo-a de sair dali.

            Um pouco tensa e ainda mais constrangida do que antes, ela voltou a olhá-lo. Para sua surpresa, reparou que ele sorria.

            -Realmente você não parece ter mais de trinta. – Ele disse. – Por que mentiu a idade?

            -Ah... Não pense que sou uma dessas velhas metidas a garotinha, viu?! Eu estava lá naquele dia apenas pra acompanhar os meninos da minha república. Mas aí você chegou, e a gente começou a conversar e eu... Eu não queria que o papo acabasse por você saber que estava conversando com uma senhora.

            Ele riu.

            -Senhora? Essa seria a última coisa que eu pensaria de você.

            -Você é um garoto! Apenas sete anos mais velho que meu filho.

            -Bem, se isso ajuda, já vou fazer vinte e nove! ^^

            -Quando?

            -Ano que vem.

            -Ah... u.u” Eu faço trinta e sete, daqui a três meses! ¬¬’ ...Então, parabéns adiantado e passe bem!

            Mais uma vez ela tentou desviar para sair dali. E, mais uma vez, ele a impediu, insistindo:

            -Tá ligando pra oito anos de diferença?

            -Na verdade, nove.

            -Que fossem dez, vinte...

            -É chegado numa velha, é?! Sua mãe não deve gostar nada disso!

            -Dá pra deixar a minha mãe fora do assunto? u.u” A verdade é que eu gostei de você. Você não saiu da minha cabeça desde que nos conhecemos.

            -Esse é o tipo de cantada brega que se dava na minha época.

            -Não é uma cantada, estou dizendo a verdade. Há tempos que não conheço uma mulher tão interessante quanto você. E eu realmente não me importo com quantos anos você tenha. Escuta, vamos sair, conversar... Nos conhecer melhor. Você tá sozinha, eu também... O que custa?

            -Custa que estou no meio das compras.

            -Posso terminá-las sozinho! ^__^

            Maaya virou-se para a direção em que vinha aquela voz, encontrando Hideki parado bem ao seu lado, já com seu carrinho de compras lotado e fiscalizando os produtos de limpeza que ela havia selecionado.

            -Putz, May, fala sério! Sabe que essa marca de detergente não presta! ¬¬’

            -“May”? – Repetiu Hayao.

            Maaya suspirou:

            -Um conselho: não tenha filhos. Depois que eles crescem, esquecem-se totalmente de normas básicas de respeito como chamar sua mãe de “Mãe” ¬¬’

            -Para de me dar bronca e vai se divertir! Deixe que eu termino essas compras! Vai lá, gatona! ^^

            -Deki! ¬¬’

            -Que mal há nisso? Vai tomar um café com seu amigo! Eu até iria com vocês se não tivesse uns assuntos a resolver. Então, divirtam-se!

            Dando-se por vencida, Maaya aceitou acompanhar Hayao, deixando claro que seria apenas para um café. Depois que os dois saíram do mercado, Hideki mudou totalmente sua fisionomia, ainda olhando para a direção em que eles haviam saído.

            -É... Divirtam-se. Mas se você aprontar com minha mãe eu acabo com a sua raça! ¬¬’

            E voltou a fazer suas compras.

 


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