Fujoshi Tales escrita por TakagiKami


Capítulo 4
Rapunzel


Notas iniciais do capítulo

Rapunzel. Essa história faz alusão àquele tipo de seme homofóbico que não admite que está apaixonado por um garoto nem que sua vida dependa disso.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/21951/chapter/4

 

Rapunzel

Era uma vez um jovem lenhador, muito conhecido na pequena vila onde vivia por causa de sua aparência. Ele era diferente dos outros aldeões, com seu rosto bonito e cintilantes olhos azuis. Atraída por sua beleza, a misteriosa feiticeira que vivia na região apaixonou-se por ele, mas teve seu amor negado, pois o jovem amava outra mulher. Enfurecida, ela esperou até que o lenhador e sua amada tivessem um bebê e levou-o de seu berço, pouco depois do nascimento. Além do desespero dos pais, a vingança da feiticeira incluía também a criança, nascida dessa união tão odiada. Ela cresceria sozinha, apenas observando o mundo, sem ser capaz de se juntar a ele. A feiticeira jamais permitiria que aquela criança fosse feliz.

Prendeu-a no alto de uma torre alta, não muito longe de uma vila bastante movimentada. Uma janela se abria de frente para as casinhas, mas era a única abertura para o mundo externo. Não havia portas ou escadas na torre. Lá, a criança, chamada Rapunzel, viveu durante longos anos, sem ter contato com ninguém além da feiticeira que vinha ver-lhe de tempo em tempo.

Durante esse tempo, os moradores da vila ao pé da torre observavam com curiosidade aquela misteriosa construção, que surgira ali da noite para o dia, alta e imponente, sem portas ou escadas. Concordaram que era obra de alguma bruxa e que o mais inteligente seria não se aproximar. Entretanto, mesmo depois de quinze anos, a torre continuou sendo assunto de discussão nas tavernas, especialmente sobre a jovem que morava nela.

A belíssima figura de cabelos dourados surgia na única janela da torre várias vezes no dia e debruçava-se no parapeito para observar a vila. Muitos até paravam o que quer que estivessem fazendo para contemplá-la, pois sua beleza era realmente fascinante, envolta de um certo mistério e magia. Por mais que a observassem, porém, ninguém jamais se atreveu a tentar um contato com ela.

Entre os admiradores da moça de cabelos dourados no alto da torre, estava um aventureiro jovem chamado Dario, que acabara de completar 17 anos. No dia de seu aniversário, ele reuniu os amigos em uma praça e declarou:

-Hoje é o dia em que eu me torno um adulto, então, hoje eu darei um passo em direção ao meu destino.

-Do que está falando?-um de seus amigos quis saber.

-Hoje eu conquistarei o coração da mulher que eu escolhi para ser minha esposa!-o rapaz anunciou, orgulhoso.

As garotas soltaram risinhos animados. Apesar de um pouco inconseqüente, Dario era um jovem bonito e trabalhador com quem muitas meninas da vila esperaram, um dia, se casar.

-E quem é? Quem é?-uma delas perguntou, sem controlar o sorriso frenético.

Dario lançou um olhar misterioso a todos os que o cercavam e, então, com um enorme sorriso de satisfação, estendeu teatralmente o braço e apontou para o alto da torre.

-Ela!

Seus amigos se entreolharam.

-A garota da torre?

-Exatamente.-confirmou Dario.

-Você ficou louco? Com certeza é uma feiticeira ou algo pior. Vai lhe transformar em sapo antes que diga “Como vai você?”!

Dario cruzou os braços, confiante, e abriu um sorriso enviesado.

-Vou apostar na minha sorte.

Dito isso, Dario saiu da vila e parou ao pé da alta torre para esperar a jovem surgir na janela. Quando ela aparecesse, o que acontecia pelo menos cinco vezes a cada dia, o rapaz falaria com ela e a convenceria a descer.

Seus amigos se esconderam atrás de arbustos e árvores, longe o suficiente para não serem atingidos por um feitiço errante, mas perto o suficiente para ver tudo e rir da cara dele quando ele falhasse.

Dario não teve que esperar muito. Em pouco tempo, a jovem surgiu à janela, as duas mãos postas no parapeito, o olhar no céu, como se procurasse algo.

O rapaz encheu os pulmões de ar e gritou:

-Com licença!

A jovem baixou os olhos imediatamente, parecendo surpresa, mas não disse nada. Dario sorriu, satisfeito.

-Eu me chamo Dario!-ele gritou.-E você?

Ela continuou olhando-o, com o rosto inclinado, não mais surpresa, mas com uma estranha falta de expressão. Olhando em sua direção, Dario chegou a pensar em que ela era tão linda que parecia machucar.

-Escuta.-o rapaz continuou, ao perceber que ela não parecia ter intenção de responder à sua pergunta.-Por que não desce aqui? Podíamos comer algo na taverna da minha tia. A comida dela é realmente gostosa. O que acha?

A moça continuou imóvel, a não ser pelos olhos piscando, mas alguma coisa dizia a Dario que ela estava ouvindo.

-Estou falando porque você parece sozinha aí em cima...-ele continuou, um pouco apreensivo.-Acho que você ia gostar se pudesse vir a...

Ele parou quando a moça endireitou-se e abriu um sorriso para ele. Dario achou que, do alto daquela torre solitária e estranha, aquele sorriso parecia, ao mesmo tempo, imensamente belo e imensamente triste. Paralisado com aquela visão, Dario não conseguiu dizer nada quando a garota virou-se e tornou a desaparecer dentro da torre.

Quando seus amigos saíram de seus esconderijos para chateá-lo, Dario virou-se para eles, uma ardente expressão decidida crepitando em seu rosto.

-Eu vou subir na torre. E falar com ela pessoalmente.

Conhecendo Dario e o brilho febril em seus olhos castanhos, ninguém se quer cogitou impedi-lo.

 

 

Dario esperou escurecer, quando ninguém poderia enxergar sua figura perdida entre as sombras da noite, escalando a misteriosa torre. Era madrugada quando ele, com uma corda presa a um gancho, chegou ao local, agora escuro e silencioso.

Escalar uma superfície vertical não seria uma tarefa fácil, mesmo para alguém acostumado a escalar montanhas, mas Dario estava decidido a ficar frente a frente com aquela jovem de cabelos dourados. Ele tinha o que muitos chamavam de uma vontade de ferro e não seria uma torre de alguns metros de altura que o faria desistir.

Entretanto, foi um erro subestimar os quase quinze metros de muro ao prender o gancho na janela e começar a escalar. O início da subida foi tranqüilo, mas quanto mais ele se afastava do chão, mais difícil era manter-se firme. Ele ignorou a altura e o vento frio que parecia querer arrancá-lo da parede a força, sua determinação era forte demais para ser abatida, mesmo pela possibilidade de queda e morte.

Seus dedos doíam quando finalmente alcançou a janela. Impelir o corpo para dentro também não foi fácil e ele caiu ruidosamente no chão quando rolou pelo parapeito. Colocou-se de pé rapidamente e olhou ao redor. O aposento onde estava era circular como a torre e espaçoso. A única luz era a da lua, que entrava pela janela, e iluminava parcialmente muitas estantes e uma mesa de madeira. Havia tantos livros enfileirados naquelas estantes que poderiam abastecer muito bem a livraria do vilarejo. Além disso, ele conseguiu distinguir, na pouca luz, uma mesa de madeira, penteadeira com um espelho circular de ouro e uma cama de colunas.

Dario pousou por ultimo os olhos na cama, onde localizou o motivo de sua vinda. A luz da lua incidia diretamente sobre o leito, iluminando o rosto alvo e delicado como uma pintura, profundamente adormecido e sereno. Ainda congelado no mesmo lugar, o rapaz contemplou, de longe, aquela beleza surreal. Ele percebeu, com espanto, que seus cabelos dourados que ondulavam ao redor dela sobre os lençóis eram incrivelmente cumpridos. Estando ela de pé, talvez arrastassem no chão.

O rapaz começou a caminhar até a cama com passos incertos, porém, por causa da falta de luz, tropeçou em algo que poderia ser um livro deixado no chão e quebrou bruscamente o silêncio tranqüilo da noite.

Os olhos da jovem se abriram imediatamente e ela sentou-se na cama, alarmada, os cabelos pendendo ao redor da cabeça como um véu dourado.

-Q-quem é você?-ela quis saber, parecendo assustada.

-E-eu sou Dario.-o rapaz se apressou em dizer, pondo-se de pé.

-Como entrou? E o que veio fazer aqui?

-Entrei pela janela.-Dario a indicou, tentando parecer tranqüilo. Era importante não demonstrar pânico.-Eu achei que você devia estar sozinha, então, resolvi dar uma subida...

A jovem parecia mais calma. Colocou os pés para fora da cama, como se fosse levantar, mas parou.

-Como se chama?-Dario perguntou, displicente, mas a verdade era que seu coração estava acelerado.

Ela hesitou, mas enfim respondeu, pondo-se de pé.

-Rapunzel.

E, nesse momento, Dario percebeu algo estranho através de sua camisa de algodão entreaberta.

-Espera um instante.-disse ele.-Você é um garoto?!

Uma expressão de genuína surpresa surgiu no rosto de Rapunzel.

-Sim, sou um garoto.-declarou ele, como se fosse obvio.

Dario se sentiu um grande idiota ao ouvir essas palavras. Ele certamente não contaria isso aos seus amigos.

-Peço perdão pela invasão. Estou muito envergonhado, então, se me der licença, eu vou indo.-declarou ele, virando para a janela.

-Não! Espere!

O rapaz tornou a olhar para Rapunzel. Ele parecia hesitar entre caminhar em sua direção ou procurar proteção sob os lençóis. Dario observou que seus compridos cabelos não arrastavam no chão, mas tocavam seus tornozelos.

-Fique mais um pouco.-pediu ele, hesitante.-Essa é a primeira vez que converso com alguém, além de Gothel, a bruxa que me mantém aqui.

-Você não é uma bruxa, ou bruxo, que seja?-perguntou Dario, surpreso.

Rapunzel balançou a cabeça e abriu um sorriso triste.

-Se eu fosse um bruxo, já teria conjurado um par de asas e ido embora daqui voando.

-Então, você é...algo como um prisioneiro?-quis saber Dario, franzindo o cenho, uma certa curiosidade crescendo.

-Não “algo como”. Eu sou um prisioneiro.- Rapunzel disse.-Gothel me trouxe aqui quando eu ainda era um bebê e eu moro nessa torre desde então. Nunca saí desse quarto, em todos os 15 anos de minha vida.

-Nem uma única vez?-Dario repetiu, surpreso.-Deve ter sido difícil...

Rapunzel acenou afirmativamente com a cabeça, com um ar triste que despertou compaixão em Dario, ainda que contra a sua vontade. Ele observou-o se aproximar, lentamente, os passos hesitando tanto quanto o pequeno sorriso que se formava em seus lábios.

-Mas estou feliz porque está aqui.-disse ele.-Foi você quem acenou para mim essa tarde, não foi?

Dario afirmou, desconfortável, recuado um passo na direção da janela. Por algum motivo, ele achava que talvez fosse melhor não se aproximar dos olhos cheios de expectativa de Rapunzel.

-Aquilo também me deixou muito feliz.-contou ele.-Foi a primeira vez que alguém falou comigo. Por um instante, eu não me senti mais sozinho.

Rapunzel agora estava ao seu lado, junto à janela. A luz da lua iluminou seu sorriso pálido e Dario ficou imóvel. Homem ou mulher, a verdade era que Rapunzel tinha um rosto belíssimo. Não apenas os traços eram perfeitos, mas a inocência terna que cintilava em seus olhos era inegavelmente adorável. Dario sentiu o próprio rosto esquentar e desviou o olhar o mais depressa que conseguiu.

-Você pode descer pela minha corda.-falou ele, indicando o gancho preso à janela.-Não vai ser fácil, mas eu posso ajudar.

Rapunzel negou com a cabeça, solenemente.

-Não posso.-disse.-Os muros altos são apenas para impedir que pessoas de fora entrem. O que realmente me mantém preso aqui é um feitiço.

Ele estendeu a mão para a janela e ela parou, espalmada no ar, como se encontrasse uma parede invisível. Novamente, a expressão de Rapunzel era pesarosa e Dario não conseguiu encontrar algo para dizer.

-Eu acho melhor voltar para casa.-falou ele.

-Oh.-Rapunzel fez, baixando os olhos.-É uma pena.

-É...-Dario concordou, vagamente.

-Vai voltar amanhã?-o garoto colocou a mão delicada sobre o braço dele, olhando-o direto nos olhos.-Por favor.

Dario sobe imediatamente que não saberia dizer não. Havia algo de partir o coração na esperança hesitante e ao mesmo tempo desesperada daqueles olhos.

-Está bem, está bem.-suspirou ele, pensando se acabaria arrependido.-Voltarei amanhã à noite.

-Obrigado.-Rapunzel sorriu, agradecido.

Ele ficou parado na janela e Dario sentiu que seu olhar o seguiu até que ele entrasse em casa.

 

 

Na noite seguinte, Dario não viu outra opção se não cumprir sua promessa. Quando ele cogitava não ir, o rosto belo e triste de Rapunzel lhe vinha à mente, assaltando-o com dúvidas.

A o vê-lo, Rapunzel pareceu um garotinho que recebe o presente de natal. Seus olhos brilhavam quando ele o cumprimentou com um sorriso hesitante.

-Fico feliz que tenha vindo.

O quarto estava diferente da noite anterior. Velas haviam sido acesas por todos os cantos, tornando visíveis todos os livros nas estantes. Tudo era limpo e organizado e havia um bule de chá e bolinhos esperando na mesa de madeira.

Apesar de tranqüilo e um pouco lento, Rapunzel estava claramente animado com a visita. Parecia mais vivo, apesar de sua camisa de linho continuar branca, seu cabelo estava preso em uma caprichosa trança que balançava em suas costas como uma serpente dourada. Foi com uma grande satisfação que ele serviu chá para Dario e sentou-se diante dele na mesa. Ele mal conseguia conter o pequeno sorriso que carregou consigo o tempo inteiro.

Aquela atitude era completamente nova para Dario. Ele jamais imaginara alguém tão feliz por simplesmente tomar chá com outra pessoa. A solidão de Rapunzel devia ser profunda demais para entender e ele podia apenas ter pena, sem realmente compreender sua tristeza.

-Por que a bruxa o mantém preso?-Dario quis saber.

-Ela quer que eu seja infeliz.-respondeu Rapunzel.

-Bom, isso é obvio, mas...

-Ela mesma disse.-o garoto explicou.-Falou que eu merecia ser infeliz pelo resto da vida. Gothel me odeia profundamente.

-Que mulher terrível.-Dario disse, um pouco aborrecido.-Quem pode desejar a infelicidade de alguém assim? Especialmente...

Ele não disse “alguém como você”, mas foi o que pensou.

Diante dele, Rapunzel parecia pensativo.

-É...-concordou ele.-Mas ela falhou. Eu não sou mais infeliz.-e voltou os olhos azuis para Dario.-Porque você está aqui.

O rapaz desviou os olhos rapidamente para sua xícara de chá, dizendo:

-Não fale isso. É embaraçoso.

-Desculpe.-Rapunzel não deixou de sorrir.-Mas me sinto realmente feliz.

Diferente da escuridão velada de luar da noite passada, a luz das velas dava uma aparência diferente também à Rapunzel. Seu rosto parecia menos pálido e triste, iluminado pela luz tremulante, e seu cabelo, em vez de prateado, brilhava em um dourado rico e vívido. Sua beleza era, a cada segundo, mais difícil de ignorar.

Quando Dario anunciou que ia embora, Rapunzel tocou novamente seu braço, como na noite anterior, o mesmo toque temeroso, mas esperançoso.

-Por favor, volte amanhã também.

-De novo?-o outro rapaz repetiu, incrédulo e contrariado.

-Por favor.-Rapunzel pediu.

-Verei.-Dario revirou os olhos.

-Obrigado.-o outro rapaz agradeceu, sorrindo ternamente.-Obrigado por vir me ver.

Dario não soube dizer por que a gratidão de Rapunzel o deixava tão satisfeito, mas ele continuou voltando à torre, todas as noites, pensando em receber aquele sorriso doce e sincero.

Por mais difícil que fosse admitir, tudo em Rapunzel parecia prendê-lo, desde sua triste solidão à beleza hipnotizante de seu rosto. Seu cabelo, principalmente, era um enigma para Dario mais do que ele gostaria de admitir. Ele supôs muito tempo consigo mesmo antes de finalmente perguntar ao garoto, uma noite.

-Por que mantém o cabelo cumprido? Não é um incômodo?

Rapunzel pareceu satisfeito com a pergunta, como se estivesse esperando por ela. Ele passou os dedos delicadamente pelas longas mechas douradas, como um carinho que se dedicaria a um irmão querido, e sorriu.

-Um dia, eu vou fugir daqui.-falou ele, em tom sonhador.-Quando o feitiço da Gothel terminar, eu vou usar meu cabelo como corda para descer dessa torre. É por isso que eu o deixo crescer.

Dario sentiu algo dentro dele se contrair e expandir involuntariamente. A inocência e simplicidade do garoto, novamente, o pegaram desprevenido. Será que existia, no mundo, outra pessoa tão pura quanto ele? Certamente que não. E Dario tinha a impressão de que, por esse motivo, era seu dever de cuidar dessa existência tão rara e preciosa. Sentia que tinha a estranha obrigação de protegê-lo, mas de quê? E por quê?

Mesmo depois de muito tempo visitando a torre de Rapunzel praticamente todas as noites, Dario nunca vira Gothel, mas ouvia o garoto mencioná-la uma vez ou outra. Entretanto, eles não falavam sobre isso. Passavam longas horas conversando sobre coisas triviais. Geralmente, Dario contava à Rapunzel sobre o mundo que ele não conhecia, descrevendo com detalhes as cidades, montanhas, florestas e o mar, que ele próprio vira apenas uma vez. Outras vezes, Rapunzel lia uma das histórias que mais gostava ou declamava poemas. Dario não era particularmente chegado à literatura, mas a voz do garoto era tão melodiosa e suas emoções, tão profundas, que chegava a despertar seu interesse.

Rapunzel tornou-se, lentamente, parte de sua vida. Fosse quando seu pensamento ocupava a mente de Dario por horas ou quando ele o avistava, observando-o alto de sua torre durante o dia com um sorriso significativo, o garoto tornou-se parte dele. E Dario continuou negando a possibilidade de que sua afeição por Rapunzel já tivesse, há muito, tornado-se mais do que simplesmente pena e simpatia.

Em outra noite tranqüila, que poderia ter sido como qualquer outra, Rapunzel, sentado em sua cama de colunas, lia em voz alta o final de um de seus livros favoritos, mantendo a cabeça encostada contra o peito de Dario, ignorando os protestos antes feitos.

-...e eles viveram felizes para sempre.-finalizou o garoto.

-Foi uma bonita história.-disse Dario, muito satisfeito com o término do livro, que significava que Rapunzel sairia daquela posição.

Para sua surpresa, porém, o garoto não se moveu.

-Felizes para sempre.-ele repetiu.-Eu me pergunto se isso vai acontecer comigo.

-É claro que vai.-Dario garantiu, desconfortável.

-Viver feliz para sempre significa viver com a pessoa amada para sempre?

A pergunta não deixou o rapaz menos nervoso. Ele gostaria que o outro simplesmente tirasse a cabeça do seu peito logo.

-Acho que sim.-concordou ele.

-Então... Você pode ficar comigo? Para sempre?

Dario sentiu muito sangue chegar à sua cabeça. Significava que seu coração estava batendo mais rápido?

-O quê está dizendo?-ele tentou soar displicente.

Finalmente, Rapunzel moveu a cabeça, mas Dario desejou imediatamente que ele continuasse ali, para não ter que encará-lo. Os olhos azuis do garoto estavam fixos nele de um jeito estranho. O misto de medo e determinação que Dario vira todas as vezes que ele o pedia para voltar estava de volta, mas muitas vezes mais intenso.

-Se eu ficar ao seu lado, acho que eu serei feliz para sempre.-disse Rapunzel, sério.-Porque você é a pessoa que eu amo.

Antes que Dario pudesse se mover para responder ou agir, Rapunzel colocou a mão em seu ombro pressionou seus lábios contra os dele, delicadamente, em um toque terno e inocente. Dario levou uma fração de segundo para reagir e o afastou, segurando-o pelos ombros.

-O que pensa que está fazendo?-perguntou ele.

-Eu amo você.-o garoto repetiu, parecendo surpreso.-Por isso, eu...

-Não, não.-Dario o interrompeu, atordoado.-Está errado. Eu sou um garoto e você também é um garoto.

-Que diferença isso faz?-a pergunta de Rapunzel era sincera, mas deixou o outro rapaz ainda mais ansioso.

-Toda! É um absurdo. Dois homens não podem se beijar.

Ele se levantou e começou a caminhar até a janela. Precisava sair dali, devia saber que nada viria dessa amizade estranha com Rapunzel. No meio do caminho, porém, ele sentiu o toque trêmulo do garoto em seu braço.

-Espere.-pediu ele.-Por favor, não vá.

Dario afastou-se do toque sem olhar nos olhos de Rapunzel e chegou à janela. Manteve os olhos baixos até deixar o quarto, mas seus ouvidos captaram o som de um choro quieto e tímido.

 

 

A bruxa Gothel não deixou de perceber a repentina mudança no comportamento de Rapunzel quando apareceu para visitar-lhe. O garoto estava encolhido na cama, rodeado por seus cabelos dourados e despenteados, de costas para a janela.

-Não entendo.-disse ela.-Há dias você andava sorrindo sem motivo. E agora parece que o mundo terminou.

-Devia estar satisfeita.-Rapunzel murmurou.-Estou tão infeliz que terminaria minha vida agora se pudesse.

-Posso saber a razão de tanta miséria?-Gothel estreitou os olhos, desconfiada.

Rapunzel virou-se para ela, os olhos azuis cheios de rancor.

-Não.

-Não me olhe com esses olhos...-murmurou a bruxa.

- Me deixe sozinho.-o rapaz tornou a dar-lhe as costas.-Por favor.

-Como queira.-foram as palavras de Gothel, mas não deixaria o assunto passar com tanta facilidade.

Afinal, ela sabia muito bem o que uma inexplicável felicidade, seguida por uma repentina tristeza queria dizer.

 

 

Rapunzel continuou a povoar os pensamentos de Dario, ainda que tivesse parado de visitá-lo. Pelo contrário, parecia que a cada dia que passava sem vê-lo, pensava nele mais e mais. O que estaria fazendo? Em que estaria pensando? Estaria triste? Talvez com raiva? Ainda nutria por ele aqueles sentimentos estranhos?

Não foi fácil para Dario admitir que sentia falta dele. Ele se viu lançando olhares à torre diversas vezes ao dia, mas Rapunzel não mais aparecia à janela. Os próprios moradores do vilarejo começaram a comentar a ausência da “linda jovem”.

Um dia, ele finalmente apareceu. Surgiu na janela, lentamente, no instante exato em que Dario saia de casa para ir à padaria. Ele não parecia ser a mesma linda pessoa que costumava espiar o vilarejo sonhadoramente todos os dias. A beleza não havia desaparecido de seu rosto, mas a tristeza era tão visível que parecia transformá-lo. Seus cabelos estavam soltos e despenteados, caindo ao redor dele como um véu para escondê-lo. De seus olhos desolados, Dario viu uma lágrima solitária rolar antes que ele desaparecesse novamente.

O coração do rapaz foi tomado de uma angustia intensa. Rapunzel estava infeliz, muitíssimo infeliz. A idéia o desesperava mais do que tudo. Rapunzel devia ser feliz. Dario desejava, sincera e profundamente, que aquele garoto fosse feliz. Seu sorriso doce não podia ser perdido.

Ele queria a felicidade de Rapunzel. Porque, a verdade o atingiu como uma onda batendo nas rochas, o amava.

 

 

Naquela noite, Dario escalou novamente a torre de Rapunzel. Entrou devagar no quarto escuro, o mais silencioso que pode, sentindo medo de algo que ele não sabia definir o que era. Ele via ainda menos do que na primeira que estivera ali, não conseguia localizar Rapunzel na escuridão. Porém, quando ele tropeçou em um livro grosso, como no primeiro dia, fazendo barulho, uma figura rapidamente se ergueu da cama.

-Dario?!

Mesmo no escuro, seus olhos se encontraram. Ele viu os contornos de um sorriso nos lábios de Rapunzel quando o garoto o reconheceu e saltou da cama.

-Você está aqui! Está aqui de verdade!

Ele disparou pelo quarto, com um fósforo na mão, acendendo velas por todos os lados. Logo, o quarto estava cheio de luz novamente. Não estava realmente bagunçado, mas bem menos cuidado do que costumava.

Tendo acendido todas as velas, Rapunzel apanhou uma escova sobre a penteadeira e começou a passá-la pelos cabelos desalinhados, parecendo nervoso. Dario assistiu-o com um sorriso nos lábios. Ele agora podia admitir que Rapunzel era adorável, sem entrar em conflito consigo mesmo.

Dario caminhou até a penteadeira e olhou para o espelho através do qual Rapunzel examinava o próprio cabelo. O reflexo dos dois, completamente diferentes, parecia estranhamente harmonioso. Rapunzel pousou a escova sobre a mesa e encarou Dario pelo espelho.

-Pensei que me odiasse.-disse ele.

-Nem mesmo se eu quisesse.-o rapaz disse, com sinceridade.

-Eu...

Rapunzel parou de falar quando Dario passou os braços em volta dele, em um abraço apertado, enterrando o rosto nos cabelos dourados por alguns segundos.

-Me desculpe. Eu fui um tolo.-ele inclinou a cabeça para olhar o rosto de Rapunzel no espelho. Sua expressão era de puro choque.-Um tolo por tratá-lo daquele jeito e por não perceber antes.

-Perceber antes...?-Rapunzel murmurou.

-Que eu amo você.

O garoto pareceu, se é que era possível, ainda mais estupefato. Seus olhos azuis dobraram de tamanho e as faces ganharam um tom vivo de vermelho. Dario viu o próprio rosto enrubescer e se apressou em soltar Rapunzel, antes que a situação ficasse ainda mais embaraçosa. O garoto, porém, virou-se de frente para ele, mais perto do que Dario esperava ou queria.

-Você me ama...de verdade?-Rapunzel perguntou, hesitante.

O embaraço não permitiu que ele olhasse em seus olhos quando acenou afirmativamente.

-Amo de verdade.-ele confirmou.-E vou ficar com você para sempre, se você quiser.

O sorriso que Rapunzel abriu foi o mais radiante de todos os que Dario havia visto. Ele jogou os braços sobre os ombros do mais velho e deitou a cabeça na curva do seu pescoço, ficando imóvel em seguida, como se jamais fosse sair dali. Um tanto quanto inseguro, Dario passou os braços ao redor de sua cintura e decidiu que a sensação era boa.

Poderiam ter permanecido daquele jeito por muitas e muitas horas, mas o som de passos no quarto obrigou-os a separar-se.

Parada perto da janela, estava a bruxa, com seu vestido carmim e cabelos cacheados, olhando os dois com um olhar malicioso.

-Eu devia ter suspeitado.-ela disse.-Desde que começou aquela alegria sem motivo.

Rapunzel se encolheu um pouco e soltou um pequeno gemido, mas ficou calado. Dario, por outro lado, se adiantou um passo na direção dela, ignorando quando a mão do outro garoto tentou impedi-lo.

-Você é a bruxa que mantém Rapunzel prisioneiro?-perguntou.

-Eu sou.-Gothel confirmou.-E você é?

-Dario.-o rapaz vacilou por um segundo. Não era muito impressionante.-Eu sou a pessoa que vai libertar Rapunzel.

Gothel revirou os olhos e soltou uma risadinha curta e sem emoção.

-Um garoto desafiando uma feiticeira como eu?-ela falou.-Se é assim, vou lhe ensinar uma ou duas coisinhas sobre magia.

A bruxa ergueu uma das mãos, concentrando nela um brilho vermelho-escuro de aparência perigosa. Dario estava pronto para agüentar, o que quer que fosse, mas Rapunzel se colocou entre eles, os braços abertos como se quisesse escondê-lo.

-Não.-declarou ele.

-Seu tolinho.-Gothel disse.-Eu o mantive sozinho aqui por 15 anos. O que me impede de explodir os dois?

-Você não pode me matar.

As palavras de Rapunzel eram decididas. Ele encarava Gothel com um olhar intenso como Dario jamais vira e, para sua surpresa, a bruxa abaixou o braço e recuou um passo.

-Esses olhos...-ela murmurou, parecendo atordoada.-Não me olhe com esses olhos! Vire-os para o outro lado.

Rapunzel não se moveu. Dario, delicadamente, pôs as mãos em seus ombros para abaixar seus braços e se colocou, novamente, ao lado dele.

-Por que você o odeia tanto?-perguntou à bruxa.

Gothel não ergueu os olhos. Olhava para o chão e agarrava os próprios cabelos, bastante transtornada.

-Ele é o filho do homem que eu amei, com outra mulher.-disse ela, a voz trêmula.-Eu quero que ele seja infeliz como eu sou!

Dario não respondeu imediatamente. Observou-a com atenção e se entreolhou com Rapunzel antes de falar:

-Desculpe. Eu não posso permitir isso.-ele passou um braço em volta dos ombros do garoto e o trouxe para perto de si, protetoramente.-Eu vou assegurar que Rapunzel seja feliz. Com toda certeza.

A bruxa finalmente os olhou, parecendo examiná-los com atenção.

-Vocês se amam.-disse ela.-Realmente se amam.

-Sim!-Dario confirmou.-Nos amamos sim!

Rapunzel, que parecia ter perdido as palavras, também acenou com a cabeça. Gothel soltou um suspiro de pesar e passou a mão pelos cabelos. Com um outro aceno na direção da janela, o céu da noite se tornou momentaneamente vermelho e depois voltou ao normal.

-Vá embora.-disse ela.

-Han?-fez Rapunzel, perplexo.

-Eu disse para ir embora.-a bruxa repetiu.-Você está livre.

O garoto olhou para Dario, como se não pudesse acreditar. Depois de alguns segundos de estupefação, ambos sorriram. Se aproximando da janela, os dois viram uma escada de pedra, surgida do próprio muro, dando voltas ao redor da torre até chegar ao chão. E o feitiço havia desaparecido.

Rapunzel caminhou até Gothel e deu-lhe um beijo na testa.

-Obrigado.-agradeceu.

A bruxa o encarou por vários instantes.

-Você tem os mesmos olhos.-ela murmurou.-Exatamente os mesmos olhos.

O garoto abriu um pequeno sorriso e ela pareceu ainda mais transtornada.

-Vá de uma vez!

-Obrigado.

-VÁ!

Rapunzel correu para junto de Dario outra vez e aceitou a mão que ele lhe estendia. Com as mãos entrelaçadas, eles desceram pela escada de pedra e chegaram ao chão. Não haviam se afastado alguns passos da torre quando essa veio abaixo, sem fazer qualquer ruído. Apenas se desfez em um monte de pedras, como um castelo de areia desabando na praia.

-Você está livre.-Dario falou, olhando para Rapunzel.-O que vai fazer agora?

O garoto sorriu e apertou um pouco mais a mão de Dario.

-Me tornar sua esposa.-respondeu alegremente.

Dario sentiu o rosto corar.

-Esposa?-repetiu.-Não diga bobagens!

-Por que não? Eu quero viver com você para sempre! E para isso, tenho que me tornar sua esposa, não é?

Ele sacudiu a cabeça, exasperado.

-Não é assim que funciona...

-Quer dizer que não vamos ficar juntos?-Rapunzel pareceu apavorado com a perspectiva.

-Vamos sim, vamos sim.-Dario se apressou em assegura.-Eu vou ficar com você para sempre. E fazer você feliz. Isso basta?

Rapunzel sorriu, um sorriso largo e satisfeito.

-Sim.

As pessoas do vilarejo tiveram muito o que discutir quando descobriram a torre completamente despedaçada. Mas mais do que isso, o misterioso novo companheiro de Dario também tornou-se rapidamente assunto de discussão e fofocas.

Dario e Rapunzel ignoraram todos os rumores. Durante os dias que se seguiram, os dois viveram juntos e, por isso, foram felizes para sempre.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Bom, tivemos um vilão mais ativo dessa vez! Olha só as coisas melhorando!
Mas ainda assim, eu não escapo do açucar. Perdão. *curva-se*
Essa história não saiu tão boa quanto poderia. Mas eu gostei de algumas cenas na torre. Foi divertido escrever. Eu adoooro esse tipo de uke, frágil e feminino. *¬*
Novamente, peço perdão pela demora. Espero escrever mais nas férias~~
Ainda assim, espero que tenham gostado.
Agradeço por todas as reviews~
Até o próximo capítulo~