Fujoshi Tales escrita por TakagiKami


Capítulo 3
Cinderella


Notas iniciais do capítulo

Cinderela. Faz alusão àquelas histórias em que o uke tem uma paixão tímida e secreta por um seme (geralmente hetero) que jamais se interessaria por ele. Presença de seme idealizado~
E a volta do cross-dress, devo avisar.
NOTA: Segundo a wikipedia, a protagonista da versão original desse conto era chamada de Cinderella porque passava muito tempo sentada junto ao fogão (Cinder)



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Cinderella

Era uma vez um comerciante e seu filho, Renge, cuja mãe sucumbira a uma tuberculose quando o menino tinha apenas três anos. Viviam muito bem, sustentados pelo comércio em crescimento, mas o homem achou que para Renge, faltava o amor de uma mãe. Sendo assim, decidiu casar-se novamente, com uma senhora também viúva, mãe de duas meninas da mesma idade de Renge, Marie e Ania.

Quando Renge tinha 12 anos, seu pai faleceu, deixando o garoto aos cuidados da madrasta, que então se revelou uma mulher cruel e ambiciosa. Usando o dinheiro deixado pelo falecido esposo, ela e as filhas passaram a viver uma vida de luxos e futilidade. E Renge passou a ser tratado como um criado.

A madrasta obrigava-o a fazer os serviços de uma empregada, como lavar a roupa, cozinhar e varrer a casa. Às vezes, ele também carregava tecido e limpava o balcão do ateliê da viúva. Renge usava roupas amarrotadas e velhas, e seu rosto estava sempre sujo de fuligem ou poeira.

Marie e Ania o odiavam pelo interesse que as pessoas pareciam ter por ele. O rosto de Renge era bonito e delicado, seus cabelos, negros e lisos, e olhos em uma bela cor violeta. Mesmo sujo e mal-cuidado, era encantador. E além disso, nunca deixou de ser gentil ou reclamou, apesar de acordar muito cedo todos os dias e trabalhar até o sol se pôr.

-Renge!-a madrasta chamou.-Renge!!

O garoto saiu do depósito, aos tropeços, para chegar ao balcão, onde a mulher estava.

-Sim, madrasta?

-O que estava fazendo? Sonhando acordado de novo?-ela perguntou, em tom de repreensão.-Faça algo útil e leve esses tecidos lá para cima.

-Sim, senhora.

Obediente, Renge foi até os rolos de tecido que foram deixados no balcão e passou um deles por cima do ombro.

-Cinderella!-uma voz chamou.

-Não me chamo Cinderella, Ania.-o garoto repetiu, em tom monótono.

-Quero que faça peixe para o jantar hoje.-a menina disse, como se não tivesse ouvido.

-Mas não temos peixe em casa.-Renge disse.

-Então, compre. Esse é o seu trabalho, não é?

Renge soltou um suspiro.

-Sim, irmã.

Foram ouvidos os sons de cascos de cavalo no chão de pedra das ruas do lado de fora, em um trote rápido.

-Ah, é ele!-Ania exclamou.-Marie, Marie, é ele!

O coração de Renge deu um salto em seu peito quando um cavalo parou, na frente do ateliê. A madrasta e as irmãs arrumaram os vestidos e o cabelo rapidamente e, no momento em que a porta foi aberta, disseram “Bem vindo, alteza”, em uníssono.

-Boa tarde.-o rapaz que entrara respondeu.

O príncipe Suzaku era um jovem forte, de cabelos loiros e porte elegante, que cavalgava por todos os lados em um cavalo alvo e parecia ter saído diretamente de uma pintura à óleo.

-Como vão?-ele perguntou, com um sorriso educado.-Os vestidos de minha mãe estão prontos?

-Estão sim, alteza.-a madrasta respondeu, porque suas filhas estavam distraídas, suspirando pelo príncipe.-Renge, vá buscar os vestidos de sua majestade.

O garoto ergueu-se de seu lugar escondido rapidamente e correu até o andar superior, mantendo baixo seu rosto corado. Com muito cuidado, ele pegou os vestidos feitos especialmente para a rainha e os entregou ao príncipe.

-Obrigado.-Suzaku disse.

Renge, que havia erguido os olhos por uma fração de segundo, tornou-se rubro como o sol poente, e recolheu-se novamente para o canto, o mais rápido que pôde. De longe, ele observou o príncipe pagar à madrasta e conversar um pouco com ela e suas filhas.

Apesar de ser nobre, o príncipe Suzaku era muito sociável e fazia questão de sair do palácio para buscar os vestidos da mãe e poder conversar com as pessoas da cidade. Além de bonito e rico, era educado e simpático. Por isso, Renge o admirava, mas nunca teve coragem de se quer dar-lhe um “boa tarde”.

Quando o príncipe deixou o ateliê, as irmãs soltaram gritos.

-Ah, ele é lindo!-disse Ania.

-Sim, ele é.-concordou Marie.-Um dia, eu vou me casar com ele e ser rainha do reino.

-Casa nada. Quem vai se casar com ele sou eu!

-Você? Você vai casar com ele tanto quanto Cinderella vai!

E as duas riram.

Renge sabia bem que jamais poderia casar-se com o príncipe, sem precisar de suas irmãs para lembrá-lo, e sempre fora conformado. Porém, a chegada do convite do baile real, trouxe um turbilhão de sentimentos ao seu coração.

O mensageiro de pena no chapéu e botas de couro bateu à porta da casa na hora do almoço. Como era de costume, a madrasta e suas filhas faziam refeição primeiro e, só depois delas, Renge podia comer. O garoto recebeu o envelope adornado com o selo imperial, surpreso, e levou-o à madrasta sem pensar em abri-lo.

-Madrasta...-Renge se aproximou da mesa, humildemente.

-Já disse que não nos interrompesse durante as refeições.-a mulher disse, sem olhá-lo.

-Mas o mensageiro real disse que era importante...

-O mensageiro real?!-Ania se levantou para pegar o envelope, mas sua mãe foi mais rápida, tomando-o das mãos de Renge e abrindo-o.

-Oh.-a mulher sorriu, um sorriso perigoso e satisfeito.-Vai haver um baile de máscaras.

-Um baile?!-Marie e Ania disseram, em uníssono, debruçando-se sobre a mesa de excitação.-De máscaras?

-“Para a escolha da futura esposa do príncipe Suzaku, todas as moças do reino devem comparecer.”-leu a madrasta.

Os olhos de Renge se arregalaram de choque.

-O príncipe vai escolher uma esposa!-Marie se levantou.

-É a nossa chance!-sua irmã completou.

Renge observou em silêncio enquanto as duas rodopiavam pela sala de jantar, rindo e gritando de animação. Reuniu toda a sua coragem para dizer:

-Eu posso ir?

As duas irmãs pararam de dançar e sua mãe ergueu os olhos da carta para o garoto.

-Como disse?

-Eu posso ir ao baile?-ele repetiu.

Marie e Ania se entreolharam e riram agudamente.

-Oh, pobre Cinderella. Está ficando louco.-Ania disse.-Você ouviu, não ouviu? O príncipe Suzaku vai escolher uma esposa. Uma garota.

-Mesmo se ele estivesse procurando um marido, o que é ridículo, não teria como ser você.-Marie acrescentou.-Um garoto sujo e desajeitado jamais poderia capturar a os olhos do príncipe.

As duas tornaram soltar risadinhas.

-Não vejo porque não.-a madrasta disse, fazendo-as calar.

-Verdade?-Renge a olhou, perplexo.

-É claro.-ela acenou afirmativamente com a cabeça.-Esteja no pátio com uma roupa digna de um baile real e você pode ir conosco na carruagem. Isso não será um problema, será?

Os olhos de Renge baixaram. Sem dizer uma palavra, ele fez uma reverência e deixou a sala de jantar, sentindo os olhares satisfeitos das irmãs em suas costas.

O garoto entrou na cozinha e correu até banco junto ao fogo, agora extinto, que lhe dera o apelido de Cinderella. Escondendo o rosto entre as mãos, ele lutou contra as lágrimas que começaram a brotar em seus olhos.

Um baile para escolher a futura esposa do príncipe. Renge, que já estava tão acostumado ao pensamento de jamais poder estar aquele que amava, não imaginou que aquela notícia o pudesse abalar tanto. Tantos anos observando-o e pensando nele através noites sem fim, mas nunca fora capaz de trocar com o príncipe um único cumprimento. Naquele momento, torturava-lhe a idéia de que ele se casaria sem tomar conhecimento da existência de alguém que o amava tanto.

“Se eu pudesse falar com ele apenas uma vez...”

Renge estava prestes a ceder ao choro quando ouviu um farfalhar fraco. Erguendo a cabeça das mãos, ele fitou as cinzas do fogo há muito apagado e não foi sem se surpreender muito que viu faíscas começarem a saltar dele. Então, como se fosse viva, uma labareda ergueu-se e um fogo alto começou a queimar sobre a pedra.

Diante dos olhos perplexos de Renge, as chamas dançaram com violência e, dentre elas, surgiu uma figura de talvez trinta centímetros, com formas femininas e asas de inseto.

-Olá, Renge.-ela disse, cordial.

-Você...como...de onde você surgiu?-o garoto quis saber.

-Do fogo, é claro.-foi a resposta.-Eu sou uma fada das chamas. Faz um tempo que visito sua cozinha, gosto de você.

-Uma fada...-Renge repetiu.-Por que está aparecendo para mim, se não for rude perguntar...?

-Ora, eu estou aqui para atender o seu pedido.-a fada respondeu.

-Meu pedido? Quer dizer...ver o príncipe?

-Mais do que isso, ir ao baile real para falar com ele. É o que você quer, não é?

-Sim, mas...

-Como eu disse, faz tempo que venho aqui e escuto você conversar sozinho, Renge.-a fada disse, sorrindo.-Gosto de ouvir você cantarolar para si mesmo e falar com as paredes, como se estivesse conversando com o príncipe, apesar de não ter coragem de dizer tudo isso pessoalmente.

O garoto corou e sorriu, sem graça.

-Acho que você é adorável.-ela completou.-Por isso, quero que vá ao baile e encontre seu príncipe.

-E como...?

-Não se preocupe com isso. Apenas esteja diante do fogo no dia do baile, depois que a bruxa da sua madrasta e aquelas matracas horrorosas saírem.

Sem dar a Renge a oportunidade de dizer algo mais, a fada desapareceu, junto com o fogo, deixando o garoto perplexo, encarando a parede de pedra.

 

 

No dia do baile, Renge observou, quieto, a madrasta e as irmãs se prepararem para ir ao palácio. Provaram dezenas de vestidos, fizeram penteados complicados e usaram quilos de maquiagem no rosto. Lançavam a Renge olhares maliciosos e satisfeitos, mostrando-se felizes em frisar que iriam ao baile, enquanto ele não poderia.

Quando deixaram a casa, de noite, as irmãs não paravam de soltar risadinhas e guinchos de excitação. Sua mãe continuava a repetir regras de etiqueta e lembrá-las que uma delas precisava ser escolhida como esposa do príncipe, não importava qual.

Depois que a carruagem partiu, Renge se dirigiu a cozinha. Seu coração estava acelerado, apesar de não ter certeza se a fada apareceria. Ele podia realmente falar com o príncipe naquela noite?

O fogo acendeu no instante em que ele o fitou e a fada das chamas surgiu através dele, sorridente.

-Muito bem, não temos muito tempo. Não queremos que você chegue atrasado.-ela disse.-Então, abra os braços e feche os olhos.

-Fechar os olhos?-Renge repetiu.

-Sim. É uma surpresa.

Renge crispou os lábios, mas fez o que a fada pediu. Ele viu uma incandescência forte diante de suas pálpebras fechadas e um calor intenso percorreu seu corpo. Sentiu que suas roupas haviam mudado e, antes que pudesse achar algo estranho somente com o tato, a fada disse:

-Abra os olhos.

Renge viu-se em um longo vestido violeta e prateado, cujas mangas eram largas e a cintura justa com um corsette. Haviam várias camadas sob a saia e, embaixo delas, Renge sentia sapatos de salto em seus pés. O decote alto do vestido era quadrado e, no pescoço de Renge, havia uma exuberante gargantilha de prata e diamantes.

-U m vestido?!-Renge olhou para a fada, perplexo demais para ficar irritado.

-Você quer conversar com o príncipe, não quer?-o pequeno ser falou.-Não acho que o rei vá permitir que ele fale muito com alguém que não seja do sexo feminino.

-Mas...isso é absurdo!-Renge protestou.

-Não é, você está adorável.-a fada disse.-Só falta...

A fada fez um aceno e uma máscara violeta se materializou sobre o nariz do garoto.

-Não se pode ir a um baile de máscaras sem uma máscara.-ela disse.

-M-mas como eu vou chegar até lá?-o rapaz quis saber.

-Carruagem, é claro.-a fada respondeu.-Tem uma lá fora, esperando por você. Já providenciei isso.

Renge olhou para baixo, para o belo vestido violeta que vestia, e, então, sorriu.

-Obrigado.-ele agradeceu.-Muito obrigado mesmo.

-Não é nada.-a fada fingiu corar.-Apenas divirta-se e capture aquele príncipe.

Renge corou.

-E-eu não tenho a intenção de fazê-lo se apaixonar por mim ou algo assim...-ele se apressou em esclarecer.-Apenas quero falar com ele uma vez, antes que ele se case...

-É claro, é claro.-a fada balançou a cabeça.-De qualquer modo, apenas vá e divirta-se, sim?

-Obrigado.-o garoto repetiu.

-Ah, e tem mais uma coisa, quase esqueci!

-Sim?

-Escute bem, pois é muito importante. Essa magia dura apenas até a meia noite.-a fada explicou.-Depois disso, o vestido e a carruagem vão desaparecer.

-Entendi.-Renge acenou afirmativamente.-Será o suficiente, obrigado.

-Boa sorte.-dizendo isso, a fada sorriu e desapareceu.

 

 

 

Quando Renge chegou ao palácio, considerou voltar para casa. A visão de dezenas de pessoas nobres em roupas elegantes, bebendo, dançando e conversando o assustou. O salão cintilava com o brilho das jóias e parecia um confuso arco-íris com as cores dos vestidos.

Atordoado e intimidado, Renge entrou timidamente, tentando não ser visto. Não havia dado dois passos, porém, quando viu Suzaku caminhar em sua direção.

Apesar da máscara dourada, era impossível que Renge não o reconhecesse. Ele emanava uma aura de realeza inegável em suas roupas brancas com detalhes em ouro. Estava mais atraente do que nunca e o garoto corou, também, como nunca.

-Ah, seja bem vinda, fico muito feliz que tenha vindo.–ele disse, passando o braço pelos ombros de Renge.-Venha comigo, coma algo. Por aqui vamos...

Renge achou que tivesse perdido para sempre a capacidade de falar e pensar, enquanto era conduzido pelo príncipe até a mesa onde estava disposta a comida. Estavam tão próximos que Renge podia perceber agora, com clareza, os 25 centímetros de altura que os separavam.

Quando pararam diante da mesa, o príncipe Suzaku finalmente virou-se para ele, sorrindo como se pedisse desculpas.

-Me perdoe por isso.-ele falou.-Estava tentando me livrar de duas irmãs loucas... Elas não paravam de falar nem um segundo.

-N-não...T-tudo bem.-Renge se apressou em dizer, balançando a cabeça.

-Essa festa é um problema.-o príncipe falou, olhando em volta.-A pior idéia que mamãe já teve.

Renge não soube o que dizer e também não sabia se teria fôlego para fazê-lo, por isso, permaneceu calado. Enquanto isso, Suzaku tornou a olhá-lo, dessa vez com atenção.

-Qual é o seu nome?-ele perguntou.

-Aah...-Renge fez, nervosamente. Não podia dizer seu verdadeiro nome, pois talvez o príncipe o associasse ao garoto sujo do ateliê.-Cinderella.

-Oh, é um nome diferente, mas bonito...-Suzaku disse.-Acho que nunca nos vimos antes, Cinderella.

-É, acredito que não.-Renge falou, rapidamente.-E-eu moro muito longe do palácio.

-Verdade? Em que área?

-Ah, isso...Eu não sei dizer.

-Então...em que sua família trabalha?-o príncipe tornou a perguntar.-Seu pai pode ser um conhecido...

-Minha família...-Renge não conseguiu pensar em uma boa resposta.-Não posso falar sobre isso.

-Oh.-Suzaku pareceu surpreso, mas, então, sorriu.-Você é tão misteriosa quanto o seu nome...E tão bonita quanto ele também.

Renge não conseguiu encarar aquele sorriso por muito tempo e baixou os olhos para o chão lustroso do salão.

-Que reação adorável.-ele ouviu o príncipe dizer.-Mas será que você pode me dizer se gosta de dançar?

-Dançar?-Renge arregalou os olhos novamente. Jamais havia aprendido a dançar.-Ah, eu nunca tentei, na verdade...

-Nunca tentou dançar? Mas que absurdo! Venha comigo.

Renge teve sua mão tomada por Suzaku, que começou a levá-lo ao centro do salão, onde vários casais rodopiavam ao som de uma valsa.

-N-não!-Renge usou toda a sua força na direção contrária.-Seria embaraçoso, na frente de tantas pessoas.

Suzaku parou e o olhou, franzindo o cenho, mas parecendo divertido.

-Então...por aqui.

Novamente, ele conduziu Renge, dessa vez através das portas do salão, até o jardim. Sob um forte luar, as sebes altas e árvores do jardim se banhavam de prateado, com uma sensação etérea e tranqüilizante, quebrada apenas pela música vinda do salão.

-Muito bem, aqui ninguém irá nos ver.

Com essas palavras, ele puxou Renge para perto de si, colocando uma mão em sua cintura. Ele levou o braço do garoto ao ombro e depois segurou sua outra mão.

-A-alteza...-o garoto murmurou, sentindo o rosto esquentar.

-Não é difícil.-o príncipe falou.-E a conduzirei, apenas me acompanhe.

Renge achou mais difícil controlar a própria respiração à controlar seus pés. Na realidade, foi capaz de seguir os passos do príncipe sem muita dificuldade e, logo, estavam valsando com delicadeza sob as estrelas, sozinhos na brisa noturna.

O garoto percebeu que, naquele momento, o sorriso do príncipe o estava acalmando em vez de deixá-lo nervoso. Enquanto dançavam, conseguiu trocar palavras com ele sem corar e perder o fôlego, e, quando se separaram para sentar em um banco de pedra, estava conversando com o rapaz, exatamente como sempre sonhara fazer.

-Ah, você é mesmo diferente, Cinderella.-o príncipe falou, sentado no banco frio.-Até mesmo seu cabelo. É muito raro ver moças de cabelo curto.

Ele tocou as pontas dos cabelos negros de Renge, que mal chegavam aos seus ombros.

-Isso é ruim?-ele perguntou.

-De forma alguma.-Suzaku sorriu.-Eu gosto de cabelos curtos. Prefiro-os àqueles penteados enormes, como os que minha mãe usa.

-Também não gosto.-Renge concordou, pensando nos cabelos das irmãs e nas horas que levou para arrumá-los naquele dia.-Pequenos animais poderiam se perder lá dentro. Digo por experiência.

Suzaku riu prazerosamente.

-Ah, você é única.-ele disse.-Nesse instante, eu sei que você quebrou o braço quando era criança, sei sua comida favorita, sei que gosta de cavalos e de macieiras, sei que odeia cabelos longos...mas não sei onde você mora e como vive. O que isso quer dizer?

Renge sorriu.

-Me desculpe.-disse.-Eu realmente não posso dizer.

-Eu entendo...-Suzaku falou, mas pareceu contrariado.-Mas não gosto disso.

O príncipe o encarou, sério. Renge corou ao ver-se refletido em suas íris azuis.

-Cinderella, eu me decidi.-ele falou.-Escute bem, pois é muito importante..

“Escute bem, pois é muito importante. Essa magia dura apenas até a meia noite.”

-Ah, está tarde.-Renge ergueu-se.-Eu preciso ir.

-Ah? Mas já?-Suzaku também se levantou.-Ainda nem é meia-noite.

-Preciso ir.-Renge repetiu. Não sabia exatamente que horas eram, mas não podia ser cedo.-De verdade.

-Espere.-Suzaku pediu.-Como posso encontrá-la?

-Não pode.-Renge disse, assustado ao pensar em encontrar o príncipe novamente, com suas roupas normais.-Ah, obrigada por tudo. Adeus.

-Espere! Cinderella!

Renge correu de volta para o salão, ouvindo o príncipe segui-lo. Ele misturou-se às pessoas, tornando difícil a perseguição e, então, disparou até a saída. Uma lufada de vento frio o atingiu, soprando para trás sua máscara violeta, mas o garoto não parou de correr.

Quando entrou na carruagem que o esperava, viu de relance o príncipe descer as escadas correndo. Quando os cavalos começaram a correr para casa, Renge escondeu o rosto das mãos e chorou.

 

 

Renge acordou com o sol entrando por uma fresta na janela da cozinha. Na noite anterior, adormecera sentado no banco junto ao fogo. A primeira coisa que cruzou sua mente foi se teria sonhado, mas, então, ele viu a mensagem deixada com fuligem nas paredes de pedra do fogão.

“Espero que tenha se divertido ontem à noite. Deixei que ficasse com a máscara como lembrança porque sou uma fada muito generosa.”

A máscara havia caído na escadaria, então, Renge não podia mais tê-la, mas as lembranças do baile ainda estavam nítidas em sua mente e não a deixariam com facilidade.

A madrasta e suas filhas acordaram depois do meio-dia, com os pés inchados e dores de cabeça. As duas garotas não paravam de reclamar sobre o príncipe não ter lhes dado atenção.

-Desapareceu no começo da festa!-reclamavam.-Um horror!

Renge tomou o cuidado de manter o rosto baixo enquanto colocava o almoço na mesa.

Algumas horas depois, no ateliê, uma das clientes comentou com a madrasta:

-Você ouviu? O príncipe está dando voltas pelo reino, em busca de uma garota misteriosa que encontrou no baile ontem.

Renge quase deixou cair os alfinetes que segurava.

-Uma garota de cabelos curtos e escuros. O guarda do palácio que é amigo do primo da minha vizinha falou que ele pretende tomá-la como esposa, e não vai aceitar nenhuma outra.

-Que maluca!-Marie falou, parecendo ultrajada.-O príncipe a quer como esposa e ela foge dele? Como é possível?!

“Isso é terrível”, pensou Renge. “O que eu farei se ele me encontrar?”

O garoto temeu a idéia a maior parte dos dias que se seguiram. Para sua sorte, quando ouviu o grito de “Abra em nome de sua alteza real, o príncipe Suzaku.”, a madrasta saltou na frente de Renge.

-Desapareça, garoto imundo.-ela disse.

Agradecendo às manchas de sopa em seu avental, Renge se recolheu para a cozinha.

-Boa tarde, Alteza.-ele ouviu a madrasta dizer, em tom educado.-A que devo a honra?

-Estou procurando uma jovem.-Renge mordeu o lábio ao ouvir a voz do príncipe.-A senhora não a teria visto? Ela tem essa altura, cabelos escuros e curtos.

-Não creio que tenha visto, alteza. As únicas moças nesta casa são minhas filhas, Marie e Ania. Vou chamá-las.

-Não, não é nesc...

-Mamãe, nos chamou?-Marie e Ania pareciam ter surgido prontamente na sala.

-De fato, a jovem que eu procuro é completamente diferente.-Suzaku disse.

Renge podia sentir o coração bater contra seu peito. O príncipe queria mesmo reencontrá-lo? Se apaixonara por Renge, tanto quanto o garoto havia?

“Eu quero vê-lo...somente vê-lo...”

Respirando fundo, Renge inclinou-se na curva da parede, para vislumbrar o hall rapidamente. Porém, no momento em que ele o fez, Suzaku olhara em sua direção. Renge recolheu-se rapidamente, mas era tarde.

-Você! Espere!

O garoto tentou correr para dentro da casa, mas não havia passado um cômodo quando sentiu seu pulso ser firmemente preso entre os dedos do príncipe.

-Olhe para mim.-Suzaku disse.-É uma ordem.

Renge hesitou vários segundos, procurando coragem para virar-se. Quando o fez, ergueu os olhos para encarar o príncipe, o rosto pálido de medo. Suzaku, porém, abriu um largo sorriso de satisfação.

-Encontrei você, Cinderella.-ele falou.-Finalmente.

-A-alteza...-Renge murmurou.-Deve estar cometendo um engano...e-eu sou um garoto...

O príncipe se aproximou dele mais um passo.

-Bom, isso é um choque e tanto.-ele disse.-Você realmente parecia uma garota. Mas eu sei que é você.

-C-como...?

Suzaku tocou-lhe os lábios suavemente para fazê-lo parar de falar e deslizou os dedos pelo seus cabelos, ternamente.

-Acha que eu não reconheceria você?-ele falou.

Dizendo isso, ele retirou a máscara violeta de Renge do bolso do casaco e a colocou em seu rosto.

-Seus olhos são inconfundíveis. E eu os amo.

O garoto corou sob a máscara e, sem que pudesse controlar, um sorriso surgiu em seus lábios.

-Bom, agora que eu encontrei você, vamos nos casar, sim? Já perdemos tempo demais.

Suzaku fez menção de conduzi-lo até o hall, mas Renge não se mexeu.

-Mas Alteza!-ele falou.-É impossível, eu sou um garoto...

-Ah, é verdade, isso pode ser um problema.-Suzaku também parou, pensativo.

Renge baixou a cabeça.

-É melhor nós...

-Eu já havia mandado fazer um vestido de noiva...-Suzaku falou.-Mas ainda há tempo de fazer outra roupa. A não ser que você queira usar o vestido. Eu realmente não vou reclamar.

O garoto ergueu os olhos, perplexo, para vê-lo sorrir.

-Para duas pessoas que se amam não há empecilhos.-falou.-Vamos indo.

Renge e Suzaku se casaram e foram viver no castelo do príncipe. A rainha ficou encantada ao ser apresentada ao futuro genro e não demorou a apegar-se a ele como a um filho. Renge não tornou a procurar as irmãs e a madrasta, mas ouviu dizer que seus negócios caíram com a partida do garoto. Mas Suzaku não permitiu que ele se preocupasse com isso, demandando cada instante de sua atenção, todas as horas do dia. Assim eles viveram o resto de seus dias, felizes para sempre.

 


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Notas finais do capítulo

Mais uma vez, açucar. Me desculpem pela overdose de açucar. Mas tinha que ser assim. Está além das minhas forças.
Mas espero que tenham gostado mesmo assim. Peço desculpas pela demora. Estudo tem demandado muito do meu tempo e eu não tenho tido tempo nem pra assistir meus preciosos tokusatsus. Ah, como é terrível ser responsável!
Atualizarei logo que puder. Obrigada pelo apoio até agora!
Até a próxima!