- Matsuda-san! – disse a enfermeira falando para o rapaz de quinze anos que se encontrava deitado na cama da enfermaria da escola com um olho negro e o lábio inferior a sangrar – Matsuda-san, tem que dizer a alguém quem é que lhe faz isso.

- Eu…caí. – mentiu Yuuko.

A enfermeira olhou bem para o aluno magoado.

Era fácil perceber que ela era vítima de agressão e também não era muito difícil de descobrir quem o tinha feito.

Na turma de Yuuko, havia muita gente burra e pouca gente esperta. Yuuko era um dos poucos que pertencia aos espertos e tinha conseguido o primeiro lugar nos últimos exames, antes das férias de natal.

Infelizmente, os restantes que tencionavam ficar com esse lugar não ficaram muito satisfeitos com o acontecido. Isso já acontecia desde o princípio do ano. Era horrível vê-lo assim todas as semanas.

Ele tinha a aparência para ser o rapaz mais popular da turma, mas toda a gente tinha medo de sofrer as represálias que eram direcionadas a Yuuko.

Mesmo assim, ele recusava-se a baixar a nota propositadamente.

- Se disser a alguém, pode ser que o ajudem. – continuou a enfermeira – Vais ficar com a cara deformada se continuares a “cair” dessa maneira.

- Sou eu que tenho culpa por ser tão desastrado. – disse Yuuko levantando da cama para começar a preparar-se para o próximo período de aulas – Vou tentar ser mais cuidadoso daqui para a frente.

A enfermeira revirou os olhos porque sabia que aquilo ia acontecer outra vez e outra vez até ele ir para ao hospital, se continuasse assim. Mesmo assim, não podia fazer nada sem provas e, já que aquela era uma escola altamente respeitada, não permitiria que escândalos como aqueles fossem a público.

- Shimuzu-sensei!

A enfermeira olhou para a rapariga que entrou com a colega a coxear. – O que é que se passa?

- Ela magoou-se em e.f. – respondeu a rapariga.

- Eu vou indo. – disse Yuuko depois de ter acabado de arranjar o cabelo castanho em frente ao espelho. Quando passou pelas raparigas, elas baixaram os olhos e afastaram – Obrigado pela ajuda, sensei.

Shimizu abanou a cabeça.

- Ela estava a correr e caiu de repente. – explicou a rapariga que já tinha ajudado a colega a sentar-se num banco.

- Parece que torceu o pé. – disse a enfermeira, ajoelhada em frente à aluna que choramingava graças à dor – Vou enrolar algumas ligaduras, mas preferia quem fossem ao hospital o mais depressa possível.

- Obrigada, sensei. – agradeceu a rapariga, enquanto limpava os olhos.

- Vocês…sabem alguma coisa sobre o que anda a acontecer ao Matsuda-san, ultimamente? – perguntou Shimuzu, enquanto enrolava as ligaduras à volta do pé.

- Ele…disse alguma coisa? – gaguejou Aika (a rapariga que tinha levado a colega até ali).

- Ele não disse nada. – respondeu Shimuzu a olhar para Aika. Estava obviamente assustada – Mas é estranho que ele venha aqui tantas vezes por semana. E vem sempre pisado ou com alguma coisa partida.

- Não faço a mínima ideia, então. – disse Aika com a mão a tremer em cima do ombro de Kaori (a colega com o pé torcido) – Talvez ele seja só desastrado.

- Sim…talvez. – concordou Shizumu. Não valia a pena perturbar as alunas. Elas não eram as culpadas – Vou buscar gelo para colocares aí.

…

A sala de música era o único sitio onde Yuuko podia estar em paz porque tinha sido abandonada há muito tempo.

Graças aos pais que tinham dito que aprender música era um desperdício de tempo, Yuuko tivera que procurar um professor particular para poder continuar a aprender piano. Mas, daquela maneira, podia estar em paz e praticar ao mesmo tempo por isso, não importava se os outros achavam que era um desperdício.

Com leveza nos dedos, fechou os olhos e começou a tocar a sua canção favorita. As notas ressoaram pela sala e, por momentos, os problemas dele desvaneceram-se da sua mente.

- Bem me parecia que eras tu.

A voz fez Yuuko abrir os olhos. O seu coração quase parou quando viu que Daichi estava mesmo ao seu lado!

Quando é que ele tinha entrado?

Daichi não tinha o ar do clássico agressor. Aliás, Daichi era completamente o contrário.

Tinha a camisa do uniforme escolar, apertada até acima, a gravata propriamente amarrada, os sapatos a brilhar e o cabelo preto cuidadosamente penteado. Era o aluno preferido dos professores e também era ele que o espancava todas as semanas.

Só porque perdia para Yuuko nos exames.

- Yuuko-kun. – disse Daichi com um sorriso arrepiante – Sabias que há um exame amanhã, não sabias?

- Sim. – respondeu Yuuko o mais respeitosamente possível.

- Já estudaste? – perguntou Daichi a brincar com algumas teclas do piano, descoordenadamente – Aposto que já.

Yuuko engoliu em seco quando Daichi olhou para ele.

- A Aiko-chan informou-me que a enfermeira anda a fazer perguntas. – ao dizer aquilo, Daichi parou de tocar repentinamente, só para assustar Yuuko – Nem sei para que é que vais à enfermaria tantas vezes. Estás doente?

- N-Não!

- Ah! Bem, estava a ficar preocupado. – depois de uma gargalhada muda, Daichi continuou a brincar com as teclas brancas e pretas – É uma pena que já tenhas estudado…e gostas tanto de tocar, não é?

- O quê?

Para responder à pergunta, Daichi pegou no pulso direito de Yuuko e puxou-o até os dedos dele estarem por cima das teclas e depois fechou a tampa com força.

Em vez da bela música que Yuuko estava a tocar anteriormente, foi o grito que se espalhou pela sala como num filme de terror.

- Isso é um aviso. – disse Daichi, obviamente nada incomodado com a dor de Yuuko – Se não queres ficar com a mão esquerda igual, é bom que não tires mais do que eu, amanhã, percebido?

Deixando Yuuko com os dedos partidos para trás, Daichi saiu da sala com um sorriso na face.

…

23:59

Yuuko olhava para a mão engessada vezes e vezes sem conta, enquanto se lembrava das palavras do médico que o tinha assistido no hospital.

“Provavelmente não vai poder voltar a tocar piano, outra vez.”

Devia ter desistido da escola quando a mãe lhe dera a oportunidade de viajar com ela para a América, para ingressar numa prestigiada academia de música. Devia ter aceitado!

Mas agora era tarde demais…agora, nunca mais poderia tocar.

00:00

A tremer, carregou em refresh e ficou a olhar para o site conhecido como “A Linha Direta para o Inferno” durante uns momentos, antes de colocar o nome de Daichi.

Ele merecia ir para o inferno, afinal!

Como é que ele pudera fazer aquilo só por causa de um exame!?

Fechou os olhos com força e carregou em “Enviar” com a mão esquerda.

- Chamaste?

Yuuko olhou para o lado e caiu da cadeira quando viu a rapariga de cabelos pretos e olhos vermelhos, sentada confortavelmente na sua cama a olhar para ele.

- Donzela do…Inferno? – perguntou Yuuko a medo.

- O meu nome, é Enma Ai. – com calma, ela esticou o boneco de palha preta com o laço vermelho ao pescoço, em direção ao rapaz – Toma…