Após mais um dia de agitação, sei que está na hora de dormir. Deito-me solenemente diante de um travesseiro macio e aconchegante que minha mãe acabara de afofar. Cubro-me com o manto que minha irmã Lucy me deu de aniversário quando fiz 16 anos, a dois meses atrás, embora este ainda contem o aroma de algo que acabara de ser feito. Meus olhos vão se fechando lentamente, até que o sono me domine por completo, embora não quisesse dormir para não sonhar com o dia de amanhã. Dia de Colheita.

Amanhece. Minha mãe está abrindo as janelas enquanto meus olhos vão se erguendo aos poucos, e com uma vós suave sussurra em meu ouvido:

- Bom dia Marjory.

Ainda tentando abrir minha boca, penso em como minha mãe está triste por hoje, como ela está sentindo um grande medo, como ela está aflita em saber que tanto eu como Lucy, temos uma grande possibilidade de ser escolhida, por possuir tantos nomes naquele provável cubo transparente.

- Bom dia mãe.

- Vamos tomar café agora? Lucy está nos esperando na cozinha, e hoje... você sabe... não será um dia fácil.

Sei bem do que minha mãe está falando, suas pausas em cada palavra que sai de sua boca, como eu propus, ela está realmente com medo de uma de nós ser sorteada. Nunca vi minha mãe assim, angustiada deste jeito, algo nela está diferente, seu semblante mudou. Ela sempre foi forte em controlar suas emoções, mais consigo ver no fundo de seus olhos, uma pequena gota de lagrima, que viera de intrusa e agora teima em escorrer por seu rosto. Ela se contém, limpando a lagrima, como se fosse um gesto de que pensasse que eu não estivesse vendo-a naquela situação, e se retira de meu quarto me deixando a sós.

Me levanto aos poucos, vou até o armário e caço algo para vestir, pois daqui a três horas, exatas três horas, será a colheita. Sim, eu já passei por isso quatro anos seguidos, desde que fiz 12 anos o medo de meu nome ser escolhido para servir como tributo do distrito 9 era constante, mais nada como este ano está sendo. Este ano, assim como minha irmã Lucy, servi Tésseras, pois minha família apresentava um grande período de fome. Este é o ultimo ano que Lucy poderá servir Tésseras e o ultimo ano que seu nome estará para ser escolhido na colheita. O distrito 9 fornece quantidade de Tésseras e processa comida para a capital, mais não é isso que nos impede também de poder servir Tésseras, pois isso é uma escolha e situação de cada família.

Pego um vestido verde claro, em meu armário que se encontra do lado do que Lucy irá vestir e o visto. Vou até o banheiro e quando me deparo com o espelho, fico imaginando eu quando era criança, com aqueles longos cabelos cacheados correndo pelas verdes campinas que dividem o distrito 8 do 9, ao lado de Pitter, meu melhor amigo. Por um instante as emoções tomam conta de mim e uma lagrima roça meu rosto, mais eu a contenho. Prendo meu cabelo deixando-o com uma leve trança caindo sobre meu ombro e uma franja do lado direito de minha testa.

Após tomar café, me dirijo uma ultima vez antes da colheita , à aquela campina verde onde eu e Pitter brincávamos. Fico por um instante ali , parada, admirando se algum dia vou voltar a este lugar, se algum dia vou voltar a ver Pitter, com seus olhos claros brilhando como dois diamantes. Tenho certeza que se meu nome for sorteado, tudo isso não passará de uma ilusão, uma boa lembrança, um sonho, pois sei, que uma vez na arena, é matar ou morrer. Quando estou prestes a ir embora, me deparo com aqueles olhos claros esverdeados, cabelos louros, de uma magnitude invejável. Pitter.

- Olá Marjory. O que está fazendo aqui sozinha ? – pergunta ele.

Eu não sou capaz de falar que estava pensando nele, em meu medo de nunca mais vê-lo, as minhas forças para abrir a boca é falar isso, no momento é zero.

- Estava pensando em como era bom correr por esta campina, quando tudo era mais desejável.

Ele ri.

- A quanto tempo não vimos aqui não é?! A quanto tempo eu não te vejo. – diz ele.

Ele tem razão. A muito tempo não se deparamos com este lugar, a quando tempo eu não fico a sós com Pitter para conversarmos. Desde que a Capital enviou uma verdadeira tropa de Pacificadores para nosso distrito, o distrito 9 nunca foi o mesmo.

- É verdade, mas hoje é um dia ruim Pitter.

- Eu sei. Dia de colheita. Você está com medo de ser sorteada ? – pergunta ele.

Claro que estou, meu nome está lá umas 4 vezes mais do que o normal, meu medo realmente virou algo desesperador.

- Sim, eu diria que muito, porque esse ano... eu servi Tésseras.

O semblante de Pitter mudou. Ele jamais queria que eu servisse Tésseras, agora ele sabe que eu tenho uma grande chance de ser sorteada, uma grande chance de ir para a arena.

- Não tenha medo. Se te escolherem eu sei que você vai conseguir! – diz ele. Pitter sempre torceu por mim, desde criança quando eu caia e minha irmã Lucy ria, ele me defendia dizendo que poderia ser ela no meu lugar.

- E se eu não conseguir ? – falo com uma voz abafada.

- Marjory, lembra quando corríamos um do outro nessa campina,e você dizia que nunca iria conseguir me pegar? Você sempre me pegava. E olhe que eu não dava moleza para você, hein?. Eu sei que você é capaz, eu sei que você pode.

Eu fico por alguns segundos em silencio, sem saber ao menos o que dizer. Simplesmente não sei o que seria de mim sem Pitter, ele sempre me deixa feliz, ele me completa. Eu simplesmente o digo

– Obrigada. - de um modo desajeitado e o abraço, forte, com todas as minhas forças e vou embora pois faltam apenas 1 hora para o começo da colheita.

Quando chego em casa minha mãe e Lucy já almoçaram e estão me esperando na sala. Hoje temos peru selvagem como prato principal e grãos. Eu como satisfatoriamente e me dirijo à porta onde agora estão minha mãe e minha irmã, porque já está na hora de irmos para a praça pois irá começar a seleção.

Pitter não tem Tésseras, portanto seu nome só está inscrito seis vezes totalizando sua idade. A possibilidade de ele ser sorteado é mínima, mass não quero que ele vá de maneira alguma para a arena, ter que lutar até a morte.

Balanço rapidamente a cabeça eliminando a idéia.

- Vamos ? – diz minha mãe com uma voz triste.

Nos dirigimos à praça e nos colocamos em fileiras com determinadas idades. Lucy está duas fileiras atrás de mim.

- Bem vindos à 58º edição dos Jogos Vorazes. Que a sorte esteja sempre ao seu favor – diz Fluw com seus cabelos rosa pink típicos da Capital.

Após ela nos dar as boas-vindas, no telão apresenta-se como todo ano, os jogos do ano anterior com seu determinado vencedor e depois Fluw anuncia:

- Vamos agora sortear os corajosos que terão a honra de representar o distrito 9 nesta edição dos jogos.

"O que? Como assim ter a honra? Eu tenho certeza que ninguém aqui queria estar naquela arena e tornar-se um assassino", penso.

Minha tensão é incontrolável, meu dedos das mãos estão gelados, meu corpo está ríspido e com calafrios.

- Primeiros as damas – diz Fluw. Tudo passa pela minha cabeça. O silencio é naturalmente algo que está presente desde que a voz de Fluw começou a soar. Eu fecho os olhos por um momento, baixando levemente a cabeça, quando ela anuncia:

- Marjory Finstonee.

Quando ouço meu nome, meu coração parece parar por um instante. Olho para Lucy rapidamente enquanto sou obrigada a me dirigir com um pacificador até o palco. Minha vontade é chorar, porém, não posso demonstrar emoções. Lucy não se manifesta em tomar meu lugar, eu sei, nunca esperaria nada dela, muito menos isso, não à julgo, pois sempre soube que ela não me amava tanto.

- Agora é a vez dos homens. – diz Fluw. Tento alcançar olhares em Pitter, porém não consigo. Fluw abre o pequeno papel em sua mão. Não tenho nem ao menos tempo de respirar fundo quando ela anuncia:

- Pitter Frelok.