Uma batida despertou Natsume de seu sono não tão agradável. Sua cabeça doía e nenhuma posição melhorava e foi penoso abrir a janela. Nyanko ainda dormia e roncava alto, provavelmente não acordaria tão facilmente devido ao tanto que bebera.

Depois de abrir, procurou por quem havia batido no vidro. Nesse instante, uma luz clara, muito familiar, se aproximou. Natsume deu um passo para trás ao constatar que era um youkai e manteve-se na defensiva.

— Não precisa de violência, Natsume-sama. Sou eu.

A voz fora rapidamente reconhecida pelo garoto. Era a youkai que possuiu Tanuma há umas semanas atrás.

— Você? O que aconteceu? Não tinha ido procurar pelo seu amigo? O encontrou? – Talvez bombardeá-la com essas perguntas não fosse exatamente a coisa mais sensata a se fazer, visto que poderia irritá-la ou entristecê-la. Mas só notou isso depois de ter dito.

A youkai apossou-se do corpo de Tanuma com o intuito de fazer Natsume encontrar os pedaços perdidos de um espelho que tinha o poder de curar qualquer doença e ela pretendia usá-lo para cuidar de seu amigo, que estava gravemente doente e debilitado. Mesmo havendo a possibilidade dele não estar mais vivo, ela queria tentar.

Adentrando no quarto do portador do Livro de Amigos, a bela ayakashi acomodou-se, respirou fundo e prosseguiu.

— É. Eu fui, mas já era tarde demais quando o encontrei... – Tanto ela quanto Natsume fizeram um momento de silêncio. Sabia que não era boa idéia ter perguntado.

— Me desculpe, não queria te fazer lembrar disso...

— Não tem problema, afinal, não é sua culpa. Essas coisas acontecem até mesmo com nós, youkais. Nascemos, crescemos, amamos, odiamos, lutamos e morremos. Claro, em um ritmo diferente dos seres humanos. – Suspirou – Mas eu voltei por que me esqueci de lhe pedir meu nome de volta, Natsume-sama.

— Nome? Seu nome também está no Livro de Amigos? – O rapaz perguntou demonstrando estar totalmente surpreso.

— Tsc... Não precisa fazer essa cara. Naquele dia, eu estava tão concentrada em recuperar o espelho que não percebi que você estava com o Livro de Amigos. Portanto, aqui estou para devolveres meu nome.

Natsume confirmou com a cabeça e preparou-se para o “ritual” e o fez com uma imensa tranquilidade. Era prática.

— Oh, então seu nome é Mitsuki?

— Surpreso?

— Um pouco. É um nome muito bonito e...

— Natsume idiota! Por que devolveu mais um nome?! Idiota, idiota, idiota! – Nyanko acordou ao sentir a energia do recém-acontecimento e foi direto repreender o garoto por estar “esvaziando” o seu livro. No entanto, fora nocauteado em seguida.

— Sensei... Não faça barulho...

— Que gato mais desagradável... – Resmungou a youkai Mitsuki – A propósito... Como está aquele outro garoto... O filho do monge?

— O Tanuma? ... Ele está bem. Amanhã é aniversário dele.

— Aniversário? O que seria isso? – Perguntou curiosa.

— Youkais não comemoram... Aniversários? – Ao indagar, percebeu o quão bobo foi perguntar, visto que Mitsuki pendeu a cabeça para o lado, claramente confusa. Respirou fundo e prosseguiu explicando. – Aniversários são datas comemorativas, como uma espécie de festival. Neles, os seres humanos celebram a data em que alguém especial nasceu. Amanhã, quero dizer... Daqui a algumas horas iremos comemorar o dia em que o Tanuma nasceu. É isso...

— Hmm... Parece ser algo importante. – Pensou. – Pois bem, trate de deixá-lo feliz! – Ela exigiu, apontando o indicador para o loiro.

— Ee?! Eu?

— Eu te disse, não disse? Ele quer desesperadamente te ajudar, mas é difícil se você não compartilhar nada, Natsume-sama. Isso mostra que não tens confiança nele, mesmo que na verdade tenha. Ele pode interpretar as coisas de outra maneira, entende?

— Co... Como assim? – O rapaz ficara aflito ao ouvi-la. Será que todo esse tempo estava fazendo de tudo para que o amigo se afastasse?

— Ele parece gostar muito de você. Eu pude sentir isso. Aliás, acho que até outros humanos poderiam notar o quanto ele está sempre se preocupando contigo, Natsume-sama. Enquanto estava possuindo-o, ele quis que eu emprestasse meus olhos para que pudesse ver as mesmas coisas que você vê. Queria entender em que mundo o tão estimado amigo vive, para poder ajudá-lo. – Ela pausou. – É quase incompreensível para mim, mas... Eu posso afirmar que ele seria capaz de dar a própria vida por você. Até um ayakashi como eu sabe que isso é mais do que gostar, é amar.

Amar. Por alguma razão esta simples palavra assustou Natsume, tanto que arregalou os olhos, receoso em falar qualquer coisa. Existem vários tipos de amor, certo? Amor maternal, paternal, fraternal, o amor da amizade e o amor da paixão. Qual destes seria o amor que Tanuma sentia por ele? Era realmente possível que o amigo sentisse algo a mais por ele? Natsume permanecia estático até Mitsuki chamar-lhe a atenção.

— Hey, garoto! Você está bem?!

— Natsume, acorde! – Disse Nyanko dando-lhe uma pequena bofetada na cabeça.

— Ah! Não faça barulho, sensei! – Revidou Natsume, imobilizando o gato. – Estou sim... – Respirou fundo – Acho que, assim como eu... Tanuma não é exatamente um livro aberto...

— Não, Natsume-sama... Você nunca deu oportunidades para ele se abrir contigo, por que tens medo de que algo de ruim aconteça. Eu entendo, mas mude de atitude, rápido! Não quero que você perca um amigo tão querido... Como eu perdi o meu. Não se feche tanto assim... Não é doloroso apenas para você, por favor, compreenda.

Dito isso, a youkai se despediu e sumiu em meio à noite enluarada. Natsume a admirou enquanto desaparecia, mesclando sua cor branca com a da lua em contraste com o escuro azul do céu e o brilho das estrelas. Desabou ali mesmo, inconvenientemente em cima de Nyanko, que reclamou bastante a propósito, com a janela aberta. Não sabia o que fazer ou o que pensar. O vento que penetrava, soprava em seu rosto e lhe consolava o bastante para dormir confortavelmente. O dia seguinte seria um verdadeiro conflito interno de emoções e decisões.

Ainda naquela madrugada, já era a terceira ou quarta vez que Tanuma se levantava para ir ao banheiro, apenas para lavar o rosto. Voltou para o quarto e se jogou em sua cama, com a face e os olhos molhados. A noite tinha sido terrivelmente cansativa e bastante inconveniente. Fukuda o arrastara por diversos lugares, querendo que ambos jantassem juntos, mas a garota não parara de falar e, nossa, não imaginava que ela pudesse ser tão inconveniente. Tanuma sabia que ela tinha uma queda por ele, todos em sua sala comentavam isso e até então ele tinha conseguido despistar todas as investidas dela. Não que ela fosse uma garota ruim, só que... Eles não eram compatíveis.

E depois de ter ouvido a garota falar do que os outros alunos achavam de Natsume, Tanuma só queria se afastar dela.

— Por que ela tinha que aparecer justo naquele momento? Droga... Amanhã terei uma tremenda dor de cabeça. – Virou-se de barriga pra cima, fitando o teto. Com a luz da lua, pôde ver o reflexo do lago de carpas e sorriu. Ele só podia ver as sombras, mas não o lago. Era invisível para as pessoas comuns, mas Natsume conseguia ver. Ah! Lembrou-se da primeira vez que viu o lago refletido no rosto de Takashi e como o achou bonito.

Uma furtiva lágrima lhe escapou pelo rosto, seus lábios tremiam e seu coração doía. Estava cansado de se conter. Queria abraçar o amigo com todas as suas forças e jamais soltá-lo. Queria ele ali, ao seu lado. O desejava a cada semana, a cada dia, a cada hora, a cada minuto e a cada segundo. Já não aguentava mais ficar só em cortesias amigáveis, afagos leves e abraços relutantes, tinha que fazer algo mais! Sentia-se um maluco por pensar em coisas assim, mas ele sabia muito bem que estava apaixonado. Sim, apaixonado por um de seus amigos, quem sabe o mais importante deles. Quando se deu conta disso, ficou apreensivo e muito assustado, mas aceitar esses sentimentos havia sido a melhor opção que escolheu, inclusive, para a sua saúde.

Como iria lidar com a situação na tarde seguinte? Como conseguiria se desdobrar para dividir a atenção para os outros e para a pessoa mais importante da sua vida?