Novamente, Renan empurrou a prima e abriu a porta. Encontrou Lorrayne com o rosto quase encoberto pela água. Assustado correu a fechar a torneira enquanto chamava:
_ Lorrayne!!! Lorrayne acorda! Lorrayne! O que você fez?
_ Cala a boca, Renan! Isso tem que parecer um acidente! Se alguém nos encontrar, você também vai se dar mal!
_ Você é louca! O que você acha que está fazendo?
_ Chega! Cala a boca! Você não percebe que foi um acidente? Ela foi tomar banho, escorregou e caiu!
_ Foi você! Você que fez isso!
_ Como você vai provar? Como vai fazer pra não te culparem? – Layane mostrou as luvas escondidas em seu bolso – Suas digitais estão na torneira...
Renan ficou paralisado por um instante. A única saída por enquanto era concordar. Disse:
_ Vou chamar o resgate!
Agitado o garoto saiu do quarto. Bateu na porta do irmão:
_ Eduardo! Eduardo abre logo!
_ Qual é, heim? – perguntou Eduardo mal humorado.
Renan entrou no quarto e pegou o telefone, explicou enquanto discava o número:
_ Lorrayne foi tomar banho, escorregou e caiu! Ela está desmaiada e sangrando!
_ O quê?!
_ Alô? Preciso de uma ambulância...
Eduardo foi até o quarto de Lorrayne. Ao encontrar Layane, perguntou:
_ O que você fez agora?
_ Nada! Foi um acidente! Ela caiu!
_ Você não tem limites, não é?
O garoto aproximou-se da banheira. Perguntou:
_ E que água é essa? Você tentou afogar ela?
_ Já disse que não! Ela ia tomar banho! Era de se esperar que tivesse água na banheira!
Eduardo destampou a banheira para que a água escorresse pelo ralo. Murmurou:
_ Lorrayne, agüenta firme. Você vai conseguir!
***
Lorrayne piscou repetidamente até habituar-se à claridade. A enfermeira a observou por alguns segundos, então perguntou:
_ Você está bem?
_ Estou com dor de cabeça...
_ Então está bem. Eu estranharia se não estivesse... Posso permitir que sua mãe entre?
_ Minha mãe? O que aconteceu? Que dia é hoje? – Lorrayne apalpou a faixa que enrolava sua cabeça tampando seu olho esquerdo.
_ Hoje é quarta-feira e ontem você deu uma pancada muito forte com a cabeça. Posso permitir que sua mãe entre? Ela está bastante aflita.
_ Não. Na verdade eu podia ficar aqui o resto da vida?
_ Como?
_ Nada. Esquece. Acho que a pancada me deixou louca. Pode deixá-la entrar.
_ Certo. Ela só poderá ficar alguns minutos.
_ Tá bom. Obrigada.
A enfermeira afastou-se. Logo Martha entrou no quarto. Abraçou a filha afetuosamente. Perguntou:
_ Você está bem? Fiquei tão preocupada! Está melhor?
_ Eu estou bem. Sério.
_ O que aconteceu com você?
_ Não sei... Eu estava no banheiro...
_ Você toma banho naquela banheira todo dia! Como foi cair e se machucar feio desse jeito?
_ Eu não estava tomando banho...
_ Estava fazendo o que?
_ Eu estava procurando o que Layane tinha feito de errado no banheiro... E encontrei.
_ Lorrayne! Não comece com essas histórias novamente!
_ Mas é verdade...
_ A Layane está aí fora, preocupada como todos nós!
_ Tá! Tá bom! Quem mais está aí fora?
_ Nós.
_ Você falou com a minha mãe Catharina?
_ Por que eu deveria falar?
_ Por que você não deveria falar?
_ Porque Catharina está vivendo a vida dela, bem longe daqui, e não tem nada a ver com o que acontece na nossa vida!
_ Mas eu quero vê-la!
_ Lorrayne, parece que você está bem melhor...
_ Por quê? Você não queria que eu melhorasse?
_ Não comece! Posso deixar Layane entrar?
_ Não. Não quero vê-la.
_ Lorrayne, você não acha que é um bom momento para fazerem as pazes?
_ Não quero vê-la.
_ Lorrayne, seria melhor você começar a se dar bem com a sua família. Você quer passar o resto da sua vida assim?
_ Logo isso vai acabar. Não se preocupe.
_ Não sei mais o que fazer.
_ Não faça nada. Tudo vai se resolver. A senhora vai ver.
_ Espero.
Lorrayne permaneceu quieta. Queria que Martha deixasse o quarto o mais rápido possível. Para sua sorte, a enfermeira voltou ao quarto e pediu:
_ Bom, agora a senhora tem que deixar sua filha repousar. Ela não está totalmente recuperada.
_ Ah, claro! Tudo bem. Vejo você amanhã, querida.
Martha beijou a filha e deixou o quarto. Lorrayne perguntou à enfermeira:
_ Que horas são? Faz muito tempo que ela está aí? Quem mais está aí fora?
_ São três e meia da tarde. Sua mãe ficou o dia inteiro ontem, mas foi pra casa, e voltou hoje cedinho. Sua irmã e seus primos só vieram hoje depois do almoço.
_ Meus primos? Os dois?
_ Os dois. Agora tome esse comprimido e durma. Toma.
Lorrayne tomou o comprimido. Ainda perguntou:
_ Até quando vou ter que ficar aqui, hein?
_ Se você estiver bem, o médico pode te dar alta amanhã mesmo. Mas só se você seguir direitinho o que pedirmos. E agora estou pedindo para que você descanse.
_ Mais? Estou cansada de descansar! Onde vou arranjar tanto sono?
_ Esse remedinho vai te ajudar a dormir.
Lorrayne suspirou e calou-se. Pediu:
_ Eu posso pelo menos ver meu primo?
_ Você tem que dormir.
_ Mas eu preciso! É urgente! Por favor! Se você não deixar, não vou conseguir dormir!
_ Você vai dormir de qualquer forma.
_ Mas vou ter pesadelos! Por favor...
Cedendo à pressão, a enfermeira suspirou e disse:
_ Rapidinho!
_ Obrigada! É o Eduardo. Cuidado, não vai confundir com o Renan!
Insatisfeita a enfermeira saiu. Eduardo entrou no quarto já dizendo:
_ Fique sabendo que a tia Martha não gostou nada disso.
_ Tenho que ser rápida! Tenho pouco tempo! – Lorrayne bocejou - Quero ver a minha mãe.
_ Pra quê?
_ Quero ver ela. Você tem que me ajudar.
_ Você só vai levar mais preocupação pra ela.
_ Por favor, preciso da sua ajuda. Eu preciso ver a minha mãe. Preciso falar com ela. Eu preciso ao menos uma vez me sentir segura. Vai me ajudar ou não?
Eduardo refletiu por um momento. Perguntou:
_ Como eu te ajudaria?
_ Da mesma forma que o Marco.
_ Mas ele não conseguiu.
_ Ele conseguiu. Eu é que não consegui. Dessa vez eu vou fazer tudo certo.
_ Não sei.
_ Amanhã. Antes de a Martha vir. Durante a sua aula! Vou estar te esperando!
_ Mas eu não disse se vou ou não.
_ Você vai.
_ Como você vai fugir no nariz da tia Martha?
_ Chegue antes dela...
A enfermeira voltou ao quarto e anunciou:
_ Tempo acabado. Agora, o rapazinho pode sair. Rápido.
Lorrayne sentia as pálpebras pesarem. Logo caiu em sono profundo.
Acordou no dia seguinte com a enfermeira trazendo outro comprimido:
_ Tome, outro remedinho. Vou tirar seu soro.
Enquanto a enfermeira tirava a agulha do braço de Lorrayne e cobria com um pedaço de esparadrapo, a garota observava o comprimido e perguntou:
_ Você quer que eu volte a dormir? Você quer me colocar em um coma induzido?
_ Não. Este não é pra dormir.
Mais satisfeita, Lorrayne tomou o remédio. Perguntou:
_ A minha mãe está aí?
_ Hoje ela disse que passava aqui mais tarde.
_ Só queria confirmar.
A mulher desenrolou a cabeça de Lorrayne, deixando apenas um curativo na testa. Perguntou:
_ Você tem problemas com a sua mãe?
_ Por quê?
_ Me pareceu que você tem... Podemos conversar com algumas assistentes sociais que podem te ajudar a resolvê-los...
_ Não. Está tudo bem. Não tenho problema algum.
_ Então tudo bem. Se precisar de qualquer coisa, toque a campainha.
_ Ah, que horas são? Meu primo já chegou?
_ Não, ele não chegou.
_ Que horas são?
_ É cedo.
_ Tô na mesma. Preciso de números.
Resmungando a enfermeira constatou as horas;
_ Sete e meia.
_ Assim está melhor. Quando ele chegar, você podia, por favor, me avisar?
_ Contanto que agora você se aquiete.
_ Tá. Prometo!
Logo que a mulher deixou o quarto, Lorrayne pulou da cama procurou pela sua roupa. Ao encontrá-las, vestiu-se.
_ Assim estou mais decente! – disse pra si mesma.
Ficou a dar voltas pelo quarto. Ligou a TV, assistiu por uns minutos, voltou a desligá-la. Observou as ruas movimentadas através da janela. Assustou-se quando a enfermeira entrou no quarto perguntando:
_ O que faz fora da cama?
_ Nada. Só estava esticando as pernas...
_ E por que está trocada? Você não vai sair daqui até o médico dar alta!
_ Eu não ia sair... Eu só queria me sentir bem, porque, sinceramente, essa camisolinha, ninguém merece!
_ Volte pra cama.
_ Mas eu estou cansada...
_ Volte.
_ Meu primo chegou?
_ Chegou. Mas não vou deixá-lo entrar enquanto não se deitar!
_ Ihhhh, vai começar...
Lorrayne voltou pra cama contrariada. Perguntou:
_ Pronto! Agora posso falar com ele?
_ Não saia daí!
_ Tá bom, tá bom!
Assim que a porta se fechou, Lorrayne pulou da cama novamente. Quando Eduardo entrou, a garota reclamou:
_ Você demorou.
_ Nem vou responder. Anda logo. Toma, coloca.
_ Boné nunca foi uma das minhas peças preferidas...
_ Tá certo, se você acha que ninguém vai te conhecer quando sairmos, beleza...
Lorrayne tomou o boné da mão de Eduardo. Enrolou a cabeleira, Eduardo a auxiliou a colocar o boné. Sussurrou como se falasse consigo mesmo:
_ Você fica linda de boné.
Inconscientemente, Lorrayne perguntou:
_ É?
_ De qualquer forma você fica.
Eduardo puxou Lorrayne para perto de si e a beijou. Lorrayne contribuiu o beijo com todo amor que sentia. E mais uma vez, sua paixão foi interrompida quando Eduardo comunicou:
_ Não podemos perder tempo.
_ Não podemos. – repetiu a garota ruborizando.
Lorrayne seguiu o primo pra fora do quarto. Andava de cabeça baixa para evitar o reconhecimento. E para evitar que Eduardo visse seu rosto vermelho.
Desceram até o estacionamento pelo elevador. Eduardo indicou o carro, e entraram simultaneamente. O rapaz que dirigia perguntou:
_ Então essa é a Lorrayne?
_ É. – respondeu Eduardo vagamente.
_ Ela é realmente parecida com a irmã!
_ Essa é a minha cruz... – lamentou-se Lorrayne tirando o boné – Mas não sou o mesmo nojo que ela. Estou admirada de você ter conhecido Layane. Como conseguiu?
_ Ela seguiu o Eduardo até a minha casa, pra ter certeza que ele não estava fazendo nada errado... E eu caí na besteira de dizer que ela era a maior gatinha... A garota virou bicho! Ameaçou até chamar a polícia!
_ Não ligue. Ela é louca. Bom, você provavelmente não sabe onde estamos indo, não é? Só seguir para o centro de São Paulo.
_ Beleza.
_ Ah, você é o...
_ Fábio.
_ Prazer Fábio.
_ Prazer Lorrayne. Escuta, você tem namorado?
_ Esquece Fábio. – Cortou Eduardo.
Lorrayne sentiu-se vitoriosa. Se Eduardo não estivesse com ciúmes, por que faria aquilo? Espírito protetor?
Assim que chegaram, Lorrayne correu até o interfone e o tocou:
_ Quem é?
_ Sou eu, mãe!
_ Lorrayne? O que faz aqui? Entre!
A garota subiu as escadas, seguida de Eduardo. Catharina já estava a sua espera. Disse:
_ Eu já estava de saída...
E perguntou assustada ao constatar o curativo:
_ Mas o que aconteceu? O que é isso?
_ Mãe, eu tô bem! Eu só caí na banheira... Estou voltando do hospital, mas estou bem. De verdade.
_ Sério? Como você veio do hospital? A Martha te trouxe ou você veio sozinha? Ela sabe que você está aqui?
_ Mãe, olha só, esse é o Eduardo, meu primo. Eu vim com ele. E com o amigo dele que está lá em baixo esperando a gente...
_ Vem, entrem, precisamos conversar direito!
Continua