Quando A Caça Vira O Caçador escrita por Padalecki, Samuel Sobral


Capítulo 6
Cinco - Jenny




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– Não! – Gritei, acordando-me e quase deixando o grande ovo azul se espatifar no chão. Foi quando percebi que eu adormecera com o ovo em mãos e que minha mãe nem viera ao meu quarto para saber se eu estava bem.

Cocei os olhos e balancei a cabeça. Arregalei meus olhos para que minha visão se acentuasse e levantei da cama. Estava tudo uma bagunça. Meus lençóis estavam espalhados por todos os cantos e meu travesseiro se encontrava na porta, o que me dava a idéia de tê-lo arremessado ali durante o sono.

Embalei o ovo nos braços como se ele fosse à coisa mais preciosa para mim. Eu ainda estava um pouco “fora do ar”, de modo que me sentei na confusão de tecidos que era minha cama e fiquei vinte minutos olhando para o vácuo.

Quando o estupor de meu pesadelo passou, mesmo eu não me lembrando dele, levantei-me novamente e coloquei o ovo debaixo de minha cama. Percebi que já era de noite, bem de noite. Talvez até de madrugada. Chutei meu par de pantufas para o lado e tirei o roupão de banho, revelando meu pijama de ceda feito por vovó.

Fui até o banheiro e tomei uma ducha. Eu queria lembrar-se de meu pesadelo, ele parecia ser importante, mas não conseguia. Cada vez que eu tentava, minha cabeça explodia de dor.

Por quê? Por que não consigo me lembrar? Por que dói quando tento? Por que está tudo tão confuso para mim? Onde estão as respostas para essas e para outras perguntas?

Sai do banho e respirei a fumaça quente que envolvia todo o banheiro. Coloquei o pijama novamente e voltei para a minha realidade confusa. Mais uma vez em meu quarto, notei que havia algo de estranho ali. Bom, algo além da sensação de estar sendo observada, é claro.

Foi quando percebi que o ovo azulado estava vibrando... De novo. Só que dessa vez era um vibrar mais acústico, mais gutural, não sei bem como explicar. O estranho (o mais estranho) foi a sensação de alegria imensa que eu tive ao ver uma pequena garra negra e cintilante saindo dele.

Fui correndo de encontro ao ovo e me sentei de pernas cruzadas no chão. Eu não piscava, não queria perder uma parte se quer daquela sequência mágica.

O ovo foi rachando-se demoradamente, demonstrando a dificuldade que o filhotinho tinha de se retirar dali. Mais eu não fiz nada, pois algo dentro de mim, bem lá no intimo, me dizia que eu só poderia ficar assistindo. E foi o que fiz.

Todas as seis garrinhas já estavam do lado de fora do ovo. Depois, o filhote começou a se empurrar para fora, seu corpo minúsculo foi saindo aos pouquinhos, revelando uma plumagem azul perolado – como seu ovo – na região as asas e uma boa parte branca como a neve.

Eu segurei os restos do ovo para que o mini-falcão não caísse lá dentro novamente e observei o mesmo por inteiro.

Ele era todo desengonçado. Não devia pesar nem sete gramas direito. As pernas eram maiores do que seu corpo, o que lhe deixava extremamente engraçado. Seu ventre era inteiro branco, mas seu dorso era azulado. As asas estavam totalmente envergadas e seu bico era negro.

– Oi, amiguinho. – Sorri. Para mim, ele parecia ser macho, mas eu só poderia descobrir isso com o tempo. O mini-falcão tentou dar seu primeiro passo, mas não foi feliz com isso. Se eu não o tivesse segurado, ele teria “rachado o bico”.

Literalmente.

– Você precisa de um nome. – Continuei com cenho franzido, pensando.

Infelizmente, não pude pensar por muito tempo, pois escutei um barulho sinistro vindo do andar de baixo. Embalei o filhote com uma concha que fiz com minhas mãos e o coloquei em uma caixa vazia de sapatos que jazia em baixo de minha cama.

Desci as escadas o meu silenciosamente possível, indo de dois em dois degraus e prendendo a respiração. Eu esperava ver um ladrão ou talvez, apenas talvez, o Ghoul novamente.

Mas o que vi foi totalmente o oposto do esperado.

Era minha mãe.

Ela estava trajada em vestes de caça, que nada mais eram do que uma simples blusa cinza e uma legue flexível. Suas roupas estavam todas sujas e rasgadas, uma parte da pele de sua perna, a que estava visível pelo menos, estava totalmente arranhada... e sangrando.

– Mãe! – Exclamei assustada, pulando os oito últimos degraus e caindo delicadamente ao lado de minha mãe. – O que aconteceu? Onde a senhora esteve?

Minha mãe recuou, o que me deixou ainda mais assustada. Ela fora estrupada ou algo parecido? Eu não conseguia achar explicações. Mamãe deixou que duas adagas caíssem de seus braços e, cambaleando debilmente, se jogou no sofá.

Eu me sentei a seu lado, admirando as adagas que tinha em mãos.

Minha mãe ficou em estupor por algum tempo, olhando para a parede de tons pastéis por um bom tempo. E eu fiquei lá, apenas esperando por minhas respostas. Eu tinha direito de tê-las!

Até que ela gemeu e olhou para mim. Percebi um grande arranhão que ia de seu olho esquerdo até o queixo.

– Mamãe... O que... o que esta havendo? – Minha voz estava esganiçada.

– Eu... Caça. Ursos. – Disse ela.

Franzi o cenho e prensei os lábios. Ursos? Eles deviam estar hibernando nessa época, não é?

– Ursos? – Perguntei, dessa vez em voz alta. Olhando desconfiada para minha mãe. – Mãe, por que a senhora foi caçar ursos? E por que só voltou agora?

Minha mãe deu de ombros e se levantou. Seus joelhos bambearam e, se não fosse por minha rapidez extrema, ela teria caído.

– Eu estou bem... – Murmurou ela para mim. – É sério. – Acrescentou, vendo meu semblante descrente. – Jennyfer, vá dormir. Você... Você tem escola amanhã.

– Não, eu não tenho. Eu tenho um encontro amanhã.

– É... Isso... – Resmungou mamãe, mais uma vez parecendo estar em transe. – Eu vou tomar um banho. Boa noite.

E dizendo isso seguiu cambaleante pelas escadas, de quando em quando tropeçando em seus próprios pés e voltando-se para mim, sorrindo.

A única explicação racional que eu achara para tudo aquilo fora a seguinte: Mamãe ficara muito deprimida com a morte de Sadie, e resolvera ir para a floresta passar o tempo e caçar, um passatempo que ela matinha desde os tempos que meu pai ainda estava conosco. Os ursos estavam hibernando e ela acabou acordando algum deles e... Bem... Deu no que dera.

Eu ainda estava com as adagas em mãos, o que me sentia se sentir diferente. Era uma sensação incômoda... Mas boa. Eu olhava para as facas e sorria, como se elas fossem as coisas mais bonitas no mundo. E depois, meio que inconscientemente, eu as coloquei no elástico da parte de baixo de meu pijama e segui para meu quarto.

Chegando lá, pude notar que minha mãe, talvez saindo finalmente de seu estupor, colocara a antiga gaiola de Sadie em meu quarto. Feliz por constatar isso, peguei a caixa de sapatos e, com as mãos em concha novamente, retirei o falcão dali. O coloquei na gaiola e a fechei, depois peguei o pote de água e fui até meu criado mudo, abrindo minha garrafa e despejando um pouco de seu líquido no potinho.

Observei o mini-falcão se arrastando para beber a água e sorri. Depois franzi o cenho, achando muito estranho o fato dele não estar esperneando pela falta do leite. Bom, talvez ele não ligue para isso, afinal, ele fora cria própria de Sadie. Talvez ele fosse diferente.

Subi em minha cama e retirei as adagas do elástico. Com os olhos brilhando, comecei a girá-las em minhas mãos. Parecia que eu sabia exatamente como fazer isso sem que elas caíssem em minhas pernas.

Foi pensando nessa estranheza que notei o sangue seco na lamina reluzente e parei abruptamente o que estava fazendo. Pousei as laminas à minha frente e mordi o lábio. Depois passei meus indicadores pelo sangue e fiz uma careta.

Com nojo, medo, ou até mesmo com um pouco de receio, levantei-me depressa e peguei novamente nas adagas. Rapidamente, saí de meu quarto e as depositei no soslaio da porta do banheiro.

***

Eu passei a noite em claro.

Pensando e pensando.

Isso só me deixou mais confusa ainda.

As perguntas sem respostas me deixaram enraivecida, e o fato de me olhar no espelho e constatar duas enormes olheiras em baixo dos olhos não me ajudou em nada.

Fui ao banheiro e joguei a água gelada no rosto. Não funcionou, por isso resolvi tomar uma ducha extremamente gelada para ver se funcionava.

Com os dentes cerrados e tremendo loucamente, coloquei meu roupão rosa e minhas pantufas de coelhinhos. Fora uma boa idéia tomar o banho gelado, pois ele me deixara desperta para o dia que eu teria a seguir.

Deixando as estranhezas e as perguntas sem respostas de lado, resolvi me centrar no que iria vestir para o encontro com Oliver. Abri o guarda roupa e tirei a toalha de meu cabelo, deixando-o cair em ondas até meus ombros.

Comecei a penteá-lo enquanto olhava minuciosamente o conteúdo de meu armário. De repente, escutei um trinado fraco vindo da gaiola de meu mini-falcão, e foi quando me lembrei dele.

Joguei o pente no chão e me sentei próxima à gaiola. Um falcão pequeno se esgueirou para fora do paninho rosa. Seu bico ganhara uma coloração laranja forte e suas pernas não pareciam mais tão desproporcionais. Sua plumagem azul estava ainda mais bela e seus olhos eram de um vermelho intenso, que me olhavam com profundidade.

– Nossa, vocês falcões crescem muito rápido. – Murmurei, olhando-o com extrema curiosidade. Receosa, abri o fecho da gaiola e deixei que a ave cambaleasse para fora. Estiquei um de meus dedos e ri com a sensação do bico beliscando minha pele. – Beliscão... – Meus olhos se arregalaram. – Beliscão!

O falcão trinou de leve.

Comecei a acariciar suas penas.

– Você gosta de Beliscão, é? Bom, então é esse seu nome agora, falcão. – Sorri.

Minha mãe bateu na porta e a abriu em seguida. Quando notou o que estava acontecendo, seu semblante se tornou triste e ela se aproximou de mim.

– Ele não se parece com Sadie. – Ela sorriu, mantendo uma boa distância de Beliscão. –  Parece que a herança de família chegou em você. Já deu um nome para ele?

– Sim. Ele se chama Beliscão. Mãe... Como Sadie pôde botar um ovo... Assim... Do nada?

Minha mãe riu ao ouvir o nome incomum.

– O que foi? – Perguntei. – O nome é estranho?

– Tudo bem, o falcão é seu. – Ela pareceu se divertir com a minha pergunta. – Só vim avisar que o café já esta na mesa. – E saiu.

Ela saiu rápido, e nem respondeu minha pergunta. Eu não sei se era coisa da adolescência, mas realmente parecia que minha mãe estava me evitando.

– Espere um pouco, Beliscão... Vou pegar alguma coisa para você comer, antes que coma meu dedo.

Desci as escadas e fui até a cozinha. Mamãe preparava alegremente alguns pretzels, mas quando me viu, ela enrubesceu e gaguejou um simples “coma”.

Eu a olhei de modo estranho, mas dei de ombros.

– Primeiro preciso alimentar Beliscão.

Minha mãe assentiu.

– Claro. Hã... Está aqui. – Disse ela, abrindo a porta do freezer e retirando de dentro dele um enorme saco com coisas vermelhas dentro. Eu fiz uma careta e ela sorriu. – Ter um falcão requer coragem, filha.

Peguei com a ponta dos dedos o saco e quase vomitei com o cheiro que vinha dele. Era carne. Muita carne crua e cheia de sangue. E era nojento.

– Eu... Eu vou ter que por a mão nisso?

Minha mãe riu. Ela parecia estar se deliciando com a minha infelicidade.

– É provável que sim. Beliscão não me deixaria se aproximar dele. Ele só vai deixar você, para falar a verdade.

– Ótimo. – Retruquei. – Simplesmente ótimo.

Respirando fundo e fechando os olhos, enfiei minha mão no saco de carne e retirei de lá alguma coisa de textura grossa e coberta de sangue.

– Hmmm. – Fez minha mãe. – Ventre de carneiro. O preferido de Sadie e Leroy. – Ela procurou por um prato no armário e, ao achá-lo, entregou-o a mim.

Coloquei o ventre de carneiro no prato, lavei minhas mãos abundantemente e voltei para meu quarto.

Beliscão estava quase que caindo por minha janela. Quando o vi prestes a cometer suicídio, joguei o prato no chão – espalhando sangue para todos os lados – e o agarrei pelas asas.

Elas não estavam mais envergadas, e agora podiam se abrir por inteiro, revelando um misterioso brilho púrpuro.

– Você é retardado ou o quê?! – Exclamei nervosa. – Venha, eu... AH, DROGA! – Essa última parte fora por que eu acabara de notar todo aquele sangue de carneiro espalhado pelo meu quarto.

– Jenny? Tudo bem? – Veio o grito de minha mãe no andar de baixo.

Coloquei com delicadeza Beliscão em minha cama e olhei desesperada para o chão enquanto ouvia os passos apressados de minha mãe até meu quarto.

Quando ela abriu a porta, eu tentava debilmente limpar o sangue com lençinhos umedecidos.

Minha mãe riu.

– O que foi que houve aqui? – Perguntou ela com os olhos risonhos.

– Ele... – Apontei para Beliscão. – Ele tentou se suicidar!

Mamãe balançou a cabeça, rindo com gosto.

– Correção: Ele tentou voar. Bom, deve-se levar em consideração que Beliscão não tem uma mãe ou um pai que o ensine que o ensine a fazer isto então... – Ela deu de ombros. – Ele tentou aprender sozinho. – E sorriu.

– Ótimo. – Revirei os olhos e juntei os lançinhos de sangue fétido com uma careta. Beliscão trinava de leve ao meu lado, confuso. – E eu quase tive um infarto aqui.

– Faz parte. – Minha mãe piscou.

Peguei o prato e o coloquei na frente de Beliscão, que ficou com os olhos arregalados e atacou agressivamente a carne.

– Que bom que alguém está se divertindo com a comida. – Murmurei.

Minha mãe retirou os lençinhos de minhas mãos.

– Lave muito bem suas mãos. Não quero que Oliver pense que minha filha é uma assassina ou algo assim.

Franzi o cenho.

– Mãe... Como a senhora sabe sobre Oliver?

Não me leve a mal, eu geralmente não escondo as coisas de minha mãe. Mas desde meu aniversário ela anda tão estranha que... Que tive medo de sua reação.

– Eu sou a coordenadora da sua sala, querida. Nada me escapa.

Engoli em seco.

– Certo. Vou me lavar mais uma vez então.

– Ótimo.

Minha mãe saiu de meu quarto com os lenços e o prato de Beliscão, que agora beliscava meus dedos sujos de sangue.

– Ei, a comida não sou eu.

***

Eu me olhava pela milésima vez no espelho. Não conseguia decidir entre uma camisa rosa sem mangas e uma preta da minha banda preferida.

Eu seria vista de maneira diferente se fosse ao encontro com uma camisa das The Runaways, então optei pela rosa e me vesti. Beliscão dormia profundamente no paninho rosa de Sadie, era até engraçado velo daquele ângulo: Uma pequena bola azul em forma de caracol.

Preciso lhe comprar algo preto... Pensei. Ou azul.

Peguei a tesoura que jazia ao lado de meu notebook e comecei a repicar mais ainda meu cabelo, que, de alguma forma, não repicava-se por inteiro, apenas nas pontas.

Dados os últimos retoques de maquiagem, lancei um beijo silencioso à Beliscão e sai de meu quarto.

Já eram cinco pras quatro, o que queria dizer que se eu não saísse de casa agora mesmo, me atrasaria. E eu não gosto de chegar atrasada em meus compromissos.

Por sorte, mamãe resolveu que iria me levar de carro até o cinema da cidade.

Pedi que minha mãe parasse à alguns metros de distância e me despedi da mesma.

Oliver me esperava pacientemente sentado em um banco. Quando me viu, seus olhos brilharam e ele sorriu, levantando-se.

O cumprimentei e nos sentamos.

– E então? – Perguntei, corada.

Pelo fato dele ser afro-americano, eu não sabia dizer se estava corado também.

– Bom, eu pensei em um filme romântico. – Disse ele.

Eu fiz uma careta, mas logo me recompus, pois lideres de torcida amam filmes melosos.

– Nome?

– The Perks of Being a Wallflower. – Sorriu ele.

Oliver tinha atingido meu ponto fraco. Eu era totalmente apaixonada pelo ator Logan Lerman.

Nesse momento, avistei uma pequena figura vindo em nossa direção.

Era Mason.

Diabos, o que é que ele estava fazendo aqui? Pensei.

– O que é que aquele nerd faz aqui? – Oliver perguntou, olhando na direção em que eu olhava.

Dei de ombros.

– Ele é esquisito, deve ter vindo fazer esquisitices. – Oliver continuou.

Surpreendentemente, Mason parara em nossa frente.

– Oi. – Disse ele olhando para mim. Ignorando Oliver completamente.

– Saia daqui, seu nerd. – Riu-se Oliver.

Mason continuou olhando para mim, e eu para ele.

– Precisamos conversar. – Ele disse entre dentes. – É realmente importante.

– Não sei se você notou, mas eu estou em um encontro. – Falei rapidamente.

– É algo mais importante do que esse aí. – Disse Mason, lançando um olhar de desdém para Oliver.

Esse foi um erro quase fatal de sua parte.

Aconteceu tudo muito rápido. Oliver bufou ao meu lado e se levantou. Mason não demonstrou medo algum do cara três cabeças maior que ele e bem mais forte que o encarava, o que deixou Oliver ainda mais enfurecido.

E então, em uma fração de segundos, Mason se encontrava no chão enquanto Oliver o batia violentamente. Eu estava muito assustada para fazer alguma coisa, de modo que fiquei lá, parada, feito uma idiota. Mas quando vi o sangue jorrando do nariz de Mason, algo acendeu dentro de mim.

De alguma forma, eu conseguira arrancar força de algum lugar e tirar Oliver de cima de Mason, que se levantou debilmente e começou a ter uma crise respiratória.

Ainda tomada por algo que não sei identificar, dei um soco no nariz de Oliver e um pontapé em suas partes íntimas. Ele urrou de dor e tentou me acertar, mas curiosamente eu consegui desviar de seus golpes e ainda proferi-lhe mais dois socos nos olhos.

Enquanto Oliver me xingava a plenos pulmões e os pedestres olhavam assustados (e eu tentava não pensar que uma de minhas amigas estava entre eles), ajudei Mason e se recompor e comecei a levá-lo em direção ao hospital de Weston.

– Calma, May... – O chamei pelo apelido inconscientemente, mas ele estava tão desesperado e abalado que nem se importou. – Vamos. Você vai melhorar daqui a pouco.

Enquanto esperava que o sinal abrisse, olhei para trás e pude ver Oliver sendo ajudado por alguém.

Era um homem alto, forte e moreno que curiosamente parecia muito desconfortável em suas roupas de linho branco. Ele olhou para mim por um momento, mas eu não desviei o olhar um segundo sequer. Oliver concordou com alguma coisa que o homem dissera, tendo seu semblante suavizado, mas então o sinal abriu e eu não pude ver mais nada.

***

Eu nunca pensei que pudesse ficar tão feliz ao ver o Mason abrir os olhos.

Mesmo por trás daqueles machucados horríveis, ele conseguia ficar engraçado. Acho que tinha certa fixação por aquele semblante tristonho dele depois que se machuca.

Mas a situação estava séria demais para que eu pudesse me pegar sorrindo.

Eu pulei do banco que se situava ao lado da cama dele, abraçando-o mais rápido do que a minha consciência pôde avisar com quem eu estava me abraçando.

Eu finalizei o abraço tão rápido quanto o comecei, sentindo as minha bochechar arderem.

Mason estava tão surpreso quanto eu. Mas ele não se importou muito com aquilo, pelo menos não tanto quanto eu. Ele estava começando a se recompor, do jeito que ele ficava quando ia começar a falar.

Então eu me lembrei que ele queria conversar comigo, antes de tudo aquilo acontecer. Parecia ter sido a séculos atrás. E, depois de entrar num hospital correndo, eu realmente não podia me lembrar de futilidades. Mas, agora, eu iria ouvi-lo. Era o mínimo que eu podia fazer por ele.

– Só dizendo o que eu esqueci de dizer... Antes de ser espancado pelo seu namorado... Tem umas coisas estranhas acontecendo. – O sarcasmo na voz dele, no estado débil em que ele estava, me fez sorrir.

– Nem me fale. – Bufei, sentando-me no banco. Mesmo que eu estivesse preocupada com o Mason, ele tinha razão: tínhamos coisas mais importantes para nos preocupar.

– E, somando a isso, as coisas que tem acontecido comigo...

– Espera aí... Que tipo de coisas?

– Coisas... Estranhas. Minha atração louca por arcos, por exemplo.

– Uma vontade louca de usá-lo? – Eu sabia exatamente do quê ele estava falando.

– É. Você também?

– Sim... Mas com as adagas da minha mãe.

– Nossa... – Ele parecia tão surpreso quanto vingativo. – Então, você também está se sentindo “melhor”?

– De um jeito mais disposto e atlético? – Ele assentiu à minha pergunta. – Sim.

– Por mais estranho que isso possa parecer... Você também tem a sensação de estar sendo observada?

– Não me diga que você tem!

– Então eu não digo...

– Todas essas coisas... Acontecendo com agente... Ao mesmo tempo? – Eu ficava mais estarrecida a cada vez que ligava os pontos.

– Pensando um pouco... Eu achei uma ligação entre essas coisas. Era isso que eu queria lhe dizer.

– Então fale, Sabichão! – Eu estava ansiosa para saber a conclusão dele. Ele era muito mais pé no chão do que eu.

– Essas coisas estão acontecendo desde o meu aniversário... Desde que vimos aquela coisa...

– Ghoul. – Corrigi. – Mas você está errado. – Eu o surpreendi com essa afirmação. – Eu tenho sentido essas coisas desde o meu aniversário de quinze anos.

– Ah... – Ele se desanimou momentaneamente. – Mas ainda existe uma ligação.

Foi a minha vez de ficar surpresa.

– A nossa idade. – Ele continuou. – Quinze anos. – Ele fez uma pequena pausa, pensando um pouco mais. Como ele conseguia? – Suponho que sua mãe também esteja agindo...

– Estranha? – Eu sorri. – Mais estranha que o normal, quero dizer. Mas, respondendo sua pergunta, sim, ela está agindo bem estranha ultimamente. Por quê? O Robert também está meio esquisito?

– Sim, mas não foi por causa disso que eu perguntei... – Eu quase podia ver ele queimando os neurônios agora. – Eles sabem de alguma coisa. Sobre isso que está acontecendo.

Era exatamente isso que eu queria assumir que era verdade. Mas estava ocupada demais para pensar sobre isso.

– Como... Como você sabe?

– Eles estão estranhos desde o meu aniversário. E, provavelmente, a sua mãe está assim desde o seu. Isso quer dizer que eles sabem alguma coisa sobre isso. Considerando que a sua mãe tem livros sobra criaturas que eu nunca ouvi falar...

– Você tem razão. – Respondi, rapidamente.

– Não vai nem perguntar como eu soube? Vai acreditar tanto assim em mim?

– Sim. Eu também senti tudo isso, Mason. E acredito na sua inteligência.

Ele ficou sem palavras. Era bom ver ele assim. Fazia com que eu me sentisse mais inteligente que ele.

– Bom, já temos alguém para perguntar. – Concluí.

– Não. – Ele respondeu. – Se eles não disseram isso para nós por todo esse tempo, suponho que eles não queiram que isso aconteça agora.

Por mais que ele estivesse certo, eu estava cansada de procurar respostas por aí. Eu já tinha um alvo.

– Eu vou fazer isso, Mason, e ponto.

– Mas... – Ele tentou se levantar, mas a dor o impediu, fazendo-o gemer.

– Deixa isso comigo, ok? Você já fez muito.

Depois de um longo e frio olhar, ele assentiu.

– Eu confio em você. – Ele me disse, fazendo-me corar.

Depois de um longo silêncio, uma enfermeira me avisou que o pai do Mason e a minha mãe estava chegando.

– É a minha deixa. – Sorri.

Ele apenas me lançou um olhar de pura confiança.

Então, eu deixei o quarto, rumo à recepção. Quando estava no batente da porta, foquei minha atenção ao Mason, novamente.

– Mason... – Eu iria pedindo desculpas novamente, o pedido que estava entalado na minha garganta, mas então desisti. Não era a hora. – O Oliver excluiu todas as chances de ser meu namorado quando bateu em você.

Eu deixei o quarto antes que ele respondesse, correndo em direção à recepção. Assim que me viram – o pai do Mason gritando com a recepcionista e a minha mãe com o semblante de preocupação mais forte que eu já tinha visto – eles correram à mim em velocidade recorde.

– Como... Onde ele está?! – Robert inquiriu.

– Jenny! – Minha mãe me abraçou. – Ah meu Deus, você está bem?

– Respondendo ao Robert: Quarto treze... – Ele saiu correndo antes que eu terminasse a frase. – Mãe: Eu estou bem. Não precisa se preocupar, o Oliver não pôde me acertar... O Mason não teve a mesma sorte.

– Ah, filha! – Minha mãe me abraçou. – E pensar que eu tinha te deixado com aquele canalha!

Minha mãe não parava de me examinar para saber se eu estava de fato bem. E, de fato, eu não estava. Pelo menos não mentalmente. Pelo menos não agora, com tantas perguntas borbulhando na minha mente. E, com o Mason machucado daquele jeito, eu realmente não estava bem.

Mas, havia uma luz no fim do túnel.

Eu estava sozinha com a minha mãe agora.

Era a minha chance de conseguir minhas respostas.


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