Quando A Caça Vira O Caçador escrita por Padalecki, Samuel Sobral


Capítulo 25
Vinte e Três - Jenny




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Eu não conseguia ficar parada, e talvez a Transformação estivesse deixando tudo um pouco mais exagerado do que deveria ser.

Depois daquela... “cena” com Luccas, eu simplesmente não conseguia encará-lo por mais de um minuto, e nem sequer conseguia me aproximar dele mais do que o necessário para uma convivência.

E depois houve a ligação de Mason, me dizendo que ele havia encontrado um vampiro que lhe contara algumas coisas sobre um cara chamado Garganoth. O que, ao meu ver, parecia realmente importante e interessante. E obviamente ele estava corretíssimo em achar que nossos pais fariam o impossível para não nos meter em algo que ele chamariam de “problemas” ou “encrencas” ou, sendo um Robert dramático, “morte certa”.

Francamente, eles precisavam confiar um pouquinho mais em nossos sentidos aguçados. Principalmente em mim, que com o treinamento adequado, poderia fazer qualquer monstro daquela maldita floresta borrar as calças.

Mas enfim, agora eu tinha somente uma coisa dentro da minha cabeça, que envolvia meus pensamentos com seus braços fortes de urso e não lhes permitia o escape. Na verdade, um nome.

Jack Blackwolf.

Eu não fazia ideia se ele era considerado perigoso ou não. Mas tínhamos um inimigo em comum, talvez isso nos tornasse amigos... ou pelo menos... aliados.

Luccas estava degustando uma carne recém-colocada na geladeira por minha mãe na cozinha naquele momento, e achei necessário avisá-lo de que o levaria comigo numa expedição aventuresca sobre algo do qual ele obtinha muito conhecimento.

Todos os monstros o conheciam, eles passavam seu significado geração após geração, e se certificavam de que todos que o escutavam tremessem de medo.

Muitos haviam morrido por culpa disso.

Eu me aproximei cautelosamente dele, por trás. Pensei que ele logo viraria para olhar-me, mas ele parecia muito interessado em lamber o sangue que espirrava do pedaço de boi em sua mão.

– Hã... – Pigarreei. – Isso parece delicioso. – Menti, fazendo uma careta. Luccas voltou seus olhos para mim e arreganhou os dentes sangrentos. – Só queria avisá-lo que iremos sair com Mason essa noite.

Ele deixou a carne no balcão e juntou as sobrancelhas.

– Não quero atrapalhar o encontro de vocês. – Algo no modo em como ele disse “encontro” fez arrepiar minha espinha.

Elaculum Rathura. – Soltei simplesmente, em meio a um suspiro. – Isso soa como um encontro para você?

Ao me ouvir mencionar o pacto antigo, os olhos de Luccas faiscaram e se cobriram de uma coloração vermelha que eu havia apenas visto nas imagens dos livros do acervo dos Blade.

Vê-lo daquela forma, me olhando com certa ferocidade e precisão, me fez retroceder alguns passos, de modo que agora eu obtinha uma rota de fuga escada acima caso algo ruim acontecesse.

Entretanto, Luccas respirou fundo e pude notar seus olhos voltando à coloração de um ser humano normal. Ele passou uma das mãos pelos cabelos e coçou o queixo.

– O que esperam conseguir com Elac... com isso? – Perguntou ele em meio a um pigarro.

Dei de ombros.

– Tem um cara. Eu não sei se você já ouviu falar dele... – Luccas nem sequer piscava. – Jack Blackwolf.

Os olhos de Luccas ficaram vermelhos novamente, ele abriu as pernas numa clara posição de ataque, e arreganhou os dentes de uma forma tão feroz e mordaz que eu não comecei a tremer violentamente.

– Jack Blackwolf é um assassino! – Urrou ele numa voz que não era a dele. Parecia a de um demônio. Eu comecei a andar lentamente, passo por passo, para trás. Queria ficar o mais longe possível daquele Luccas demoníaco. Porém, quanto mais eu me afastava, mais ele se aproximava, e mais ira surgia em seus olhos. – Um canalha, um mentiroso!

Fiz a cagada de me desequilibrar e cai no chão, meus olhos encarando os olhos de Luccas enquanto eu sentia um medo colossal, algo que nunca pensei que seria possível sentir. Era como se meu corpo estivesse queimando por dentro, e eu podia sentir cada molécula de meu ser se desintegrando mortalmente.

Luccas rosnou e completou sua transformação. Agora eu via diante de mim um lobo com feições humanoides de mais de 3 metros de altura, com os músculos torneados e resistentes, os olhos da cor do sangue mais fresco e o sorriso mais ameaçador já visto na face da Terra.

A queimação que havia dentro de meu corpo embaçou minha visão por alguns segundos, e então parou tão momentaneamente quanto havia começado.

Luccas já estava prestes a rasgar minha jugular com suas garras quando aconteceu uma coisa.

Eu senti meu corpo arder novamente, mas agora era algo mais real, e o medo que eu estava sentindo da morte iminente me fez gritar, e quando o fiz, eu não era mais eu.

Podia ver claramente que eu não era tão alta, forte e majestosa como Luccas, mas o rosnado feroz que saiu por dentre meus mais novos lábios caninos fez Luccas se afastar.

O que posso dizer? Eu me sentia como o cachorro que a Sra. Pussy levava para a escola em suas aulas de ecologia.

Eu era uma poodle gigante.

Luccas foi, ao poucos, transformando-se novamente no garoto que eu conhecia. Obviamente ele se encontrava completamente nu, e obviamente ele não ligava a mínima para isso.

Ele ainda parecia muito enfurecido, mas eu conseguia notar certo grau de tristeza em seu olhar amarelado. Luccas bufou, virou-se e subiu as escadas, deixando-me na forma de lobisomem, da qual eu não fazia ideia de como sair.

Quando Megan apareceu, suada e ofegante, na cozinha, pude notar explicitamente que ela não sabia o que fazer: se me ajudava, ou se ria antes.

É claro que ela riu.

Então fiquei lá, sentada em minhas quatro patas gigantes, olhando-a com um semblante indiferente enquanto ela gargalhava com todas as suas forças.

***

Cerca de meia hora sendo um cachorro, fui até onde Luccas se encontrava e sentei-me em sua frente.

Graças a Deus ele estava vestido.

– Você é o lobisomem mais dócil que já vi. – Disse ele com desdém, mal me olhando nos olhos.

Eu estava me sentindo extremamente ridícula, mas lembrei-me novamente do cachorro de sra. Pussy, e me aproximei lentamente de Luccas, encostando meu grande focinho em seu braço e lhe lançando o olhar mais meigo que já me imaginei fazendo.

Ele suspirou e revirou os olhos, levantando-se e ficando de frente para mim.

– Você não vai ter um controle, assim, do nada. Entretanto, algo que ajuda é ter algo que lhe prenda ao seu lado humano. – Ele estudou-me por alguns instantes. – No meu caso, é o amor que eu sentia por minha família, minha antiga alcateia. – Ele abaixou os olhos e fitou os próprios pés. – Precisa também ter algo que lhe liga ao lado fera, caso queira essa transformação. – Ele suspirou e fitou-me com um olhar vago. – No meu caso, é o ódio que sinto por minha família, minha antiga alcateia, ter sido assassinada brutalmente.

Eu queria poder dizer-lhe que eu sentia muito, mas quando tentei, saiu uma espécie de latido fino e esquisito. Um ganido.

Luccas deu de ombros e voltou-se para sua cadeira.

– Vai precisar se virar sozinha nessa. – Disse ele de modo seco. Então me olhou com ironia. – Veja se o tal Jack Blackwolf pode lhe ajudar.

Soltei uma boa baforada de cachorro em sua canela e caminhei até meu quarto, onde encontrei minha mãe e Beliscão se encarando.

Soltei um pigarro canino.

– Oh, ainda é um cachorro? – Minha mãe precisou se controlar para não voltar a gargalhar. Depois, apontou para Beliscão. – Seu falcão não quer me deixar chegar perto do seu celular. – Ela suspirou.

Caminhei lentamente com minhas patas grossas e peludas até Beliscão e deitei a cabeça na cama, próximo a ele.

– Só queria lhe dizer que estava tocando, e provavelmente deveria ser Mason. O garoto não parou de ligar para você enquanto o celular estava comigo, acho que ele está preocupado com essa coisa toda de lobisomem. –Ela aproximou a mão do meu celular novamente. – Se me deixasse falar com ele... – Quando ela estava prestes a pegá-lo, rosnei. – Ah, certo, adolescentes precisam daquela coisa chamada privacidade. – E, pouco antes de sair de meu quarto, ela sorriu. – Lata se precisar de jornais, meu amor.

Bufei e olhei para Beliscão.

Você parece... Disse ele em minha mente, com calor.

Não é tão fácil ter pelos, senhor Eu Tenho Penas. Respondi. Obrigada pelo celular. Seria ótimo se soubesse atender ligações e dizer à Mason que talvez ele saia com uma lobisomem fêmea hoje.

Beliscão deu sua risada de falcão e se instalou no parapeito de minha janela, olhando-me com certa pena em seus olhinhos brilhosos.

Enrolei-me como um caramujo e rezei para voltar a ter duas pernas novamente.

***

Acordei com certas batidas irritantes em minha janela.

Graças a Deus eu era Jenny novamente.

Vesti-me com o lençol de minha cama e me aproximei do vidro. Lá embaixo, podia-se notar um garoto de capuz, arco e um saco com aljavas nas costas armado com pedras.

Antes que ele acabasse quebrando minha janela sem querer, eu a abri, e nunca fui tão agradecida pelos reflexos caninos como fui naquele momento.

– Mason... – Murmurei olhando para a pedra em minha mão. Logo em seguida, lancei meu olhar para meu melhor amigo problemático. – Você poderia ser um garoto normal e entrar normalmente pela porta da frente, por favor?

Como resposta, obtive um Mason subindo a árvore que dava na janela de meu quarto.

– Sua mãe não pode saber que isso está acontecendo, se lembra? – Ele subiu mais alguns galhos – Você está vestindo um lençol? – Perguntou ele, surpreso.

Beliscão o beliscou de leve na orelha quando Mason passou pela janela.

Aprumei-me um pouco mais dentro de meu lençol e sorri, dando de ombros.

– Digamos que eu tenha tido um dia de cão hoje. – Antes que Mason pudesse sentenciar alguma coisa, suspirei. – Agora, se não se importa, eu preciso me trocar.

Mason entendeu rapidamente e fechou os olhos, tapando-os também com uma de minhas almofadas. E se certificando de estar sob a vigilância de Beliscão.

Eu peguei um amontoado de roupas dentro do armário e me vesti em cerca de segundos. Saquei o cinto de utilidades e coloquei quatro de minhas adagas de segurança. Amarrei os cabelos com um grampo qualquer que achara em cima de minha escrivaninha e virara para Mason.

– Pode olhar agora.

Ele sorriu ao fazê-lo, e demorou-se em minhas pernas por tempo demais.

– Vamos. – Falei rispidamente, puxando-o para a janela uma outra vez. – Já que será sigilo absoluto, vamos por aqui.

Descemos pela árvore, com Beliscão nos apoiando na retaguarda e Rigle rosnando baixinho lá em baixo. Assim que completamos nossa rota e viramos em direção à floresta, Mason travou.

Ele tinha o semblante desconfiado e o olhar confuso, com apenas uma das sobrancelhas erguidas.

– Espere. – Disse ele, soturno de repente.

– O que foi agora? – Resmunguei.

– Por que não estou vendo nosso cãozinho de estimação correndo atrás do próprio rabo?

Dei de ombros e comecei a andar, Mason ia em meus calcanhares.

– Luccas não vem. – Dei uma pausa. – Digamos que ele odeie esse Jack, sabe? Bom, acho que agora ele odeia a mim também.

Mason pareceu se aliviar de uma carga de toneladas depositada em suas costas e me acompanhou à passos rápidos.

Nós caminhamos em silêncio durante algum tempo.

– Onde é que esse cara mora mesmo? – Perguntou Mason.

– Só faltam dois quarteirões, May.

Ficamos em silêncio novamente. Agora que já estava em minha forma humana, eu não podia parar de pensar no motivo daquele ódio insano que Luccas demonstrara sentir por Jack anteriormente. Sentia que precisava reconfortá-lo, dizer o quanto sentia muito, mas sabia que não conseguiria fazer isso.

Já estávamos próximos ao quarteirão onde Jack Blackwolf residia quando eu e Mason estacamos e nos entreolhamos.

Ambos haviam sentido uma presença.

Era forte.

E perigosa.

Beliscão desceu numa espécie de rasante ao contrário e sobrevoou ao redor de Rigle, que se mantinha estático e rosnava baixinho.

Coloquei cada mão em uma adaga diferente e me preparei mentalmente para o que viria a seguir. Sem falar na enorme lua cheia lá em cima, que eriçava-me cada vez mais. Eu temia virar um lobisomem novamente e ficar assim pra sempre.

E eu viraria uma piada para o Hyles ao meu lado por toda a eternidade.

Acredite, isso era pior que a morte.


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