Quando A Caça Vira O Caçador escrita por Padalecki, Samuel Sobral


Capítulo 24
Vinte e Dois - Mason


Notas iniciais do capítulo

oi gente, aqui é a Padalecki hahaha o Sam não pode postar o capitulo dele, então estou fazendo-o. Espero que gostem



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A floresta estava silenciosa, o que era extremamente raro. Quando eu era pequeno e meu pai me levava para o trabalho com ele, lembro-me de ouvir os ruídos silvestres a todo momento, como uma interminável sinfonia caótica a qual me acostumara com facilidade. Essa sinfonia estava sempre presente – grilos, corujas e outras criaturas que permeavam as árvores com seus rumores inquietos.

Naquela noite, após a batalha contra os seres das trevas que tentaram matar Jenny por medo do que ela poderia se transformar, as árvores serviam como cripta para um silêncio denso e frio, que me envolvia como uma névoa cálida enquanto eu caminhava por ela. Meus pés chutavam pequenas pedras e folhas secas propositalmente, para que eu me concentrasse em algo além daquele silêncio e seja lá o que me espreitava por ele.

Minha concepção da floresta Mighan mudou bastante nos últimos dias. Eu nunca fui muito fã do lugar antes de descobrir que era o lar de lobisomens, vampiros e outras coisas piores – depois, então, Mighan se tornou uma espécie de cemitério para mim. Você sabe o que quero dizer: um lugar coberto por uma aura repelente e arrepiante, na qual são colocadas coisas com as quais não queremos cruzar em qualquer outro lugar além daquele. Um lugar que não inspira medo, mas impõe... Respeito.

Atravessar Mighan sem Rigle, àquela hora da noite, após ter chutado o traseiro da maioria de seus moradores, era no mínimo uma má ideia. Cada centímetro de minha pele arrepiava-se, num aviso contínuo de que eu não deveria estar ali. Mas eu tinha três bons motivos: saber se minhas armadilhas funcionavam, extrair informações de quem estivesse nela e não estar lá quando Luccas começasse a “ensinar” sobre a maravilhosa vida de um amaldiçoado para Jenny.

Não era ciúme. Eu tinha quase certeza disso. Era só... Jenny mudava perto de garotos. A razão pela qual nos separamos tinha sido esse fato. Ela chamara atenção de um cara, um zagueiro do time de futebol americano. Eles tiveram alguns encontros, Jenny começou a namorá-lo e sumiu da minha vida. Bem, digamos que Luccas me lembrava o zagueiro e que eu preferia cortar relações antes que ela me machucasse de novo.

— E então você decide andar pela floresta, numa clara tentativa de suicídio — Disse para mim mesmo, num sussurro exasperado. — Você sabe mesmo lidar com as coisas, Mason.

Chutei um montinho de folhas, consultando o visor do pequeno dispositivo que havia criado para localizar as armadilhas com relação à minha posição. Modéstia à parte, era realmente impressionante para algo montado numa oficina, e mostrava que a armadilha acionada estava a poucos metros ao norte.

Contornei um agrupamento compacto de árvores, saltei uma raiz grossa e cortei alguns galhos baixos com a ponta de aço de uma flecha, até me deparar com a estrutura de madeira e metal que Luccas me ajudara a finalizar. A rede estava suspensa firmemente pelo fio de aço que a prendia ao galho baixo, envolvendo uma criatura que se debatia vigorosa, mas inutilmente.

Precisei me aproximar alguns passos para perceber que era uma garota. Parecia ter uns dezessete anos, sua pele pálida estava marcada pelos nós da rede e ela estava vestida como uma adolescente normal. O rosto era bonito, porém estava contorcido numa máscara espumante de fúria, e estava emoldurado por curtos cabelos loiros e revoltos. Quando seus olhos vermelhos pousaram em mim e ela sibilou, mostrando os caninos longos, eu soube do que se tratava.

— Uma vampira, hã? — Murmurei, tentando amenizar as coisas. Claro. Prenda uma garota com sede de sangue numa rede e tente iniciar uma conversa depois. — Legal.

Ela virou o corpo inteiro na minha direção, ajoelhando-se na malha metálica com destreza. Notei seus jeans rasgados na coxa, como Jenny gostava de usar, e a camisa escura com a estampa do Linkin Park. Pareceria uma garota normal se não tivesse presas, olhos vermelhos e estivesse praguejando em russo.

Eu a fiz calar a boca quando prendi uma flecha de ponta vermelha na corda do arco, sorrindo involuntariamente. Todo vampiro conhecia o metal capaz de perfurar sua pele supostamente impenetrável, e eu agradecia por ter algo capaz de ameaçá-la. Como Luccas tinha assinalado anteriormente, a rede não seria capaz de prender um monstro habilidoso por muito tempo.

— Obrigado por me dar atenção — Me aproximei. — Você fala inglês, não fala?

Ela me encarou. Por alguma razão, o olhar que me lançou naquele momento foi muito mais aterrorizante do que o que ela tinha me lançado antes, em seu acesso de fúria. Era um olhar frio e cristalino, como um caco de vidro emergindo de uma folha de papel na direção dos seus olhos. Senti meus braços fraquejarem.

— Por que isso é importante? — Ela perguntou, muito lentamente. Sua voz era ensopada de sotaque, o que, mesmo que seja pertinente dizer, a tornava bastante sensual. — Você não é um caçador? Não vai me matar, entendendo meus insultos ou não?

Limpei a garganta, percebendo que estava de boca aberta.

— Isso depende — Minha voz saiu fraca e incerta, muito parecida com a do Mason que apanhava para os valentões na escola. Tratei de consertar isso quando continuei a falar, já que estava prestes a barganhar com um demônio. — Você responderá minhas perguntas com sinceridade?

Ela estreitou os olhos, como se estivesse atentando realmente para mim pela primeira vez.

— Se essa já foi uma dessas perguntas, saiba que não tenho motivos para isso — Disse, com desenvoltura. Ela mantinha a dignidade, mesmo estando à mercê de um cara pronto para executá-la. — Mas que posso fazê-lo, desde que me dê um.

— Eu não gosto de matar vampiros — Eu admiti, sem medo de como isso soaria para ela. — Vocês são parecidos demais com seres humanos, e fica ainda mais difícil disparar uma flecha em sua cabeça assim, à sangue-frio.

Ela esperou que eu terminasse, subitamente calma.

— Estou lhe fazendo uma proposta, srta...? — Deixei a voz morrer, esperando que a vampira me desse seu nome, coisa que não aconteceu. — Srta Dentuça. — Decidi dar esse nome a ela, então. — Me conte o que sabe sobre a súbita união dos monstros de diferentes raças e eu deixo você seguir seu caminho. Que tal?

Seu rosto era tão indecifrável quanto sua voz quando respondeu:

— Eu aceito sua proposta, arqueiro — Me encarou com aquele olhar de caco de vidro mais uma vez. — E não me chame de Dentuça.

Me empertiguei, baixando o arco.

— Desde que me dê seu nome — Exigi.

Ela sorriu com desdém, deslumbrante apesar de me desprezar.

— Arian — Disse, por fim. — E o seu?

Pensei em mentir, mas isso não faria diferença. Ela com certeza conhecia meu rosto, munida de uma visão noturna tão boa quanto a minha. Sentira meu cheiro e sabia que eu era um dos dois caçadores da cidade – e, muito provavelmente, não me confundiria com Jenny.

— Mason — Cedi, após alguns segundos de hesitação. — Agora, como é que...?

— Me solte primeiro — Ela cortou, alargando o sorriso.

Percebi o quanto aquela exigência dificultava as coisas. Se eu não aceitasse fazer o que ela me pedia, a vampira não confiaria em mim e não contaria a verdade. Se eu o fizesse... Bem, ela poderia quebrar meu pescoço em dois segundos de liberdade.

Assenti, muito lentamente, e disparei em sua direção. Ela se encolheu, fechando os olhos, mas não era o meu alvo. A ponta metálica do projétil decepou o topo da rede, soltando-a aberta no chão. Arian caiu agachada, linda e perigosa como uma cobra retesada antes do bote. Seus olhos travaram em mim, passando de incrédulos a ardilosos. Ela olhou para a floresta ao seu redor, ciente de todas as rotas de fuga possíveis.

Mas não fugiu.

Ficou de pé, os olhos fixos nos meus. Parecia não acreditar que eu realmente a tivesse soltado e confiado na palavra de uma vampira.

— Agora fale — Eu disse, como se não percebesse seu olhar.

Arian aparentou se lembrar da razão pela qual eu a tinha libertado.

— Claro — Limpou a garganta. Meu Deus, seu sotaque era maravilhoso. — Sobre o que você quer saber, exatamente?

Sorri involuntariamente, orgulhoso de ser sido benevolente com um monstro e sair vivo para contar.

— Bem — Acomodei o arco no ombro. — Eu gostaria de saber o motivo pelo qual um lobisomem suportaria a presença de um vampiro durante uma luta. Ou por que eles aparentam dividir informações ou ter planos sistemáticos de ataque. Isso não é, você sabe, natural.

A vampira deu alguns passos para a direita, subitamente introspectiva. Olhou para as árvores, a escuridão que umedecia o ar e depois para os próprios pés. Quando falou, com seu sotaque encrespando as palavras, parecia muito menos ameaçadora.

— Você acreditaria em mim se eu dissesse que não sei? — Me encarou.

Levei a mão ao arco involuntariamente, mas não o tirei do lugar.

— Honestamente? — Senti a madeira fria espalhar certa confiança em meus dedos. — Não, não acreditaria. Mas acredito que isso poderia mudar se pudesse me provar isso.

Os olhos vermelhos dela faiscaram. Não de raiva, mas como se subitamente compreendessem com quem estava falando.

— Sou uma desgarrada — Contou. — Reneguei ao meu próprio nome e à minha própria casa. Vago sozinha, caçando por minha conta e sobrevivendo por meus próprios esforços.

— Ah — Me senti inclinado a acreditar na história, mas me lembrei de que estava conversando com um ser criado para ser convincente. — Mas deve ter ouvido rumores. Quero dizer, é uma comoção inter-racial.

Ela percebeu a pergunta implícita, mas não pareceu muito satisfeita com ela.

— Você me pediu para responder com sinceridade — Relembrou. — Boatos podem não ser confiáveis. E eu não colocarei minha honra em risco afirmando algo de que não tenho total certeza.

— Você liga muito para honra — Observei. — Para alguém que renegou a própria família.

Arian me lançou um olhar despretensiosamente mordaz, o que de alguma forma foi pior do que um insulto ou uma resposta ríspida. Tentei não me mostrar abalado por ele, mas só consegui tentar.

— Talvez os boatos me interessem — Falei, louco para amenizar a tensão.

A vampira bufou. Percebi que sua respiração não deixava rastros no ar, o que atestava o tão mencionado sangue frio dos vampiros.

— Se é o que quer — Se aproximou, com ar de cumplicidade. — Direi o que ouvi em minhas jornadas pela floresta nos últimos dias.

Uma pausa. Notei que ainda estava com a mão no arco.

— Falam de um homem — O sotaque de Arian estava muito mais carregado, por isso tive de apurar os ouvidos. — Um sem-raça, nem mortal nem monstro, que de alguma forma sobrepujou os quatro grandes líderes das quatro grandes raças.

— O nome dele é Gar? — Interpelei, subitamente exasperado.

Arian abanou a cabeça polidamente.

— Garganoth, o Tecelão da Noite — Sussurrou ela, a voz baixa. — Ou pelo menos é assim que ouvi falar dele. Dizem que pode retaliar um exército de vampiros montados em lobisomens enlouquecidos. Que poderia desmontar uma gárgula com as unhas e remontá-la com o próprio cuspe. Que...

— Entendi — Interrompi, entre dentes. — Tirando todas as mentiras chamativas, o que mais você sabe?

Ela me encarou de cima a baixo, uma sobrancelha erguida.

— Quase nada — Retomou, depois de me examinar. — Que ele está criando um novo Pináculo de Solstício, mais grandioso e mais poderoso que qualquer outro. Isso só pode ser mentira, porque, se for algo tão grande assim, eu já teria passado por ele. A floresta não é tão grande assim, você sabe.

Eu não sabia o que era esse Pináculo, mas guardei o nome na mente e me concentrei no que Arian dizia.

— Dizem que ele está desenvolvendo planos — Ela deu de ombros. — Eu não sei quase nada sobre eles, exceto que o primeiro desses planos falhou miseravelmente.

— E que plano foi esse?

— Eu não sei — Admitiu Arian. — Tinha alguma coisa a ver com a Transição, seja lá o que isso for.

Senti um calafrio arranhar minhas costas.

— Mais alguma coisa? — Quase supliquei.

Ela pensou por um momento, depois negou com a cabeça.

— É isso? — Arian perguntou. — Era só isso que você queria saber?

Precisei processar as informações antes de responder. Havia um cara poderoso o bastante para unificar raças de criaturas que se odiavam quase tanto quanto odiavam caçadores. Esse cara tinha conseguido fazer os monstros desunidos da floresta Mighan se voltarem para um único projeto – e eu tinha certeza absoluta de que Jenny e eu tínhamos de estar mortos para que ele se completasse.

Respirei fundo.

— Não, não era — Levantei os olhos, empurrando o medo para um lugar profundo no meu cérebro. — Onde você arranjou a camisa?

Arian pareceu desprevenida para aquela pergunta. Ajeitou a roupa sobre o corpo, sem jeito. Eu nem preciso dizer o quanto aquela ameaçadora vampira parecia fofa quando não sabia o que fazer.

— Eu... — Cravou os olhos nos meus. — Promete não me matar?

— Ainda estamos sob um acordo condicional — Comentei.

— Eu tenho visitado a cidade — Confessou, trocando o peso de um pé para o outro. — Não roubei nada. Deixei até algumas moedas de ouro no balcão da loja.

— Não era isso que eu queria saber — Sorri. — Em que loja conseguiu a camisa?

Essa pergunta foi ainda mais desconcertante para ela.

— Na Emma's — Respondeu, olhando-me de soslaio. — Por quê?

— Nada — Dei de ombros, finalmente soltando o arco. — Eu sempre quis saber onde as pessoas compram camisetas de bandas por aqui. Eu sou muito fã do The Strokes, sabe?

Um sorriso repuxou os cantos da boca de Arian.

— Eles tem camisas do The Strokes lá — Sua voz era perfeitamente cordial, quase amigável. — Eu quase comprei uma.

— Obrigado pelo aviso — Acenei e girei nos calcanhares, começando o caminho de volta para casa.

Por um único e longo segundo, eu experimentei a mesma sensação fria nas costas que me acometera quando eu estava cercado por monstros, no porão da minha casa. Uma sensação de temor incontido pela própria vida, uma sensação de absurda insegurança. Percebi que tinha dado as costas para um inimigo potencialmente mortal.

Virei-me na direção de Arian, a flecha de ponta vermelha pronta para ser disparada. Mas ela não estava me atacando. Aliás, não estava fazendo coisa alguma. Ela tinha desaparecido.

***

Minha volta para casa poderia ter sido muito calma, não fosse uma pequena distração chamada noplim.

Para quem não sabe, noplins são o pior tipo de monstro. Não por serem letais, afinal não passam do tamanho de um anão de jardim, não têm presas ou garras e têm a mesma força de um gato adulto. Não por serem uma ameaça genética à humanidade, pois não possuem nenhum tipo de vírus ou doença contagiosa e constrangedora. Mas sim porque são, pura e exclusivamente, irritantes.

A voz deles é irritantemente aguda. São irritantemente rápidos e tem ataques de cleptomania de uma forma irritante. Uma vez, Megan levou Jenny e eu para ver uma casa de noplins, que consistia num pequeno buraco no chão duma clareira. Jenny acidentalmente derramou refrigerante no buraco, e os diabinhos saíram de lá – dezenas deles, rápidos como aranhas saltando, gritando alto o suficiente para me dar uma dor de cabeça de três dias.

Eu tinha esquecido dos noplins. Eles tinham parecido perigosos, mas, depois de lutas com lobisomens e ghouls, perderam completamente o foco das minhas preocupações. Bem, pelo menos até aquela noite.

Meus pés estavam me guiando de volta para casa, preguiçosos. Eu não ligava para perder uma ou duas horas de trabalho escondendo corpos mutilados, por isso peguei o caminho mais longo. Chutei algumas pinhas, quebrei galhos a esmo e brinquei de atirar flechas para todos os lados, basicamente esquecendo meu pai e suas aulas sobre como não deixar rastros numa floresta.

Descuidado como estava, acabei chutando um montinho de terra que apareceu no meu caminho. A terra levantada pelo chute revelou um buraco do diâmetro de um prato. Ao mesmo tempo em que meu cérebro ia processando o que eu tinha acabado de fazer, centenas de patas trovejaram no subsolo, subindo por sinuosos túneis até a superfície. Pela abertura escura no solo, pude escutar a ladainha insuportável dos noplins começava a surgir: algo como dezenas de vozes repetindo um “tintililintintim” agudo incansavelmente.

— Bosta — Comecei a correr, mas, antes de contornar a árvore mais próxima, alguma coisa atingiu minhas costas, retorcendo-se.

O impacto me desequilibou e eu caí, apoiando o corpo com as mãos. Quando me virei, vi um noplim azul-celeste e fosforescente gritando alegremente e arrancando a aljava dos meus ombros com uma gargalhada cruel.

A criaturinha manuseou o estojo de couro lotado de flechas com interesse, enquanto eu estava ocupado demais tentando tirar o resto de seus amiguinhos de cima de mim. Os gordos dedos azuis correram pela costura, enquanto ele equilibrava a aljava na barriga protuberante. Só vestia calças de um material parecido com guardanapos de papel, e me lembraria o smurf mais realístico do mundo se não fosse o sorriso mordaz e os olhos completamente brancos, aterrorizantes.

Estapeei um noplim vermelho-vivo para longe, mas um verde-musgo tomou seu lugar. Era difícil lutar porque eles brilhavam no escuro, e se moviam com mais rapidez do que eu podia localizá-los. Eu chutava, socava e tentava me levantar, mas eles me lançavam de volta ao chão com o esforço em equipe, sentando os traseiros brilhantes em mim e roubando coisas dos meus bolsos.

Um noplim amarelo como os dentes do Coringa tentou roubar meu arco. Trinquei os dentes e impedi o furto, segurando a corda com todas as minhas forças. A atenção que deixei de dar para os outros noplins foi recompensada com outra dúzia deles tomando seu lugar nas minhas pernas, forçando-me para baixo. Um dos meus sapatos foi roubado. O outro tinha seus cadarços furtados.

Eu teria sido depenado até ficar sem nada além da pele sobre o corpo, não fosse o noplim azul. Ele xeretou minhas flechas até finalmente achar uma “fogo sonoro”. Não sei como ele conseguiu acioná-la, mas agradeço imensamente por isso.

Uma explosão de som deflagrou-se da aljava, atingindo meus ouvidos como uma rajada de ácido. O mundo perdeu o foco por alguns minutos e, quando eu finalmente pude abrir os olhos, não conseguia ouvir nada.

Aproveitei que os noplins estavam num estado pior que o meu, então agarrei meu arco, minha aljava e apontei uma flecha dispersora contra eles, disparando-a. Os diabinhos fosforescentes foram varridos para mais perto do seu buraco, dando-me alguns metros de segurança. Eles acordaram do seu estado de nocaute e dispararam para dentro da toca, assustados.

— Isso! — Gritei, afugentando-os. — Fujam, seus duendes brilhantes, antes que eu...

O último dos noplins entrou no buraco, e eu desisti de formular uma ameaça decente. Dei de ombros, recolhi o que sobrou dos meus pertences no chão e recomecei a andar. Meus dedos se fechavam em torno do arco, possessivamente incontroláveis. A possibilidade de perder aquela arma fazia o medo se instalar em meu âmago como uma serpente fria e sibilante. Eu sentia como se um pedaço da minha alma habitasse naquela madeira clara.

— Você está muito viciado em Harry Potter, Mason — Ralhei para mim mesmo.

Andei a esmo por um declive suave, entrecortado por rochas escuras que se projetavam do chão e árvores enfileiradas. Atentei para os símbolos estranhos nas árvores, tentando memorizá-los para mais tarde, embora minha mente estivesse ocupada com tudo que Arian tinha me dito.

Divagando sobre isso, acabei me desviando um pouco do caminho. Quando dei por mim, estava vagueando nas margens de um pequeno lago de águas calmas espelhando a escuridão da noite. Como o lago ficava no centro de uma clareira razoavelmente espaçosa, me dei a liberdade de sentar numa pedra próxima a ele e descansar um pouquinho. O ar estava frio, gostoso de respirar.

Continuei ali, sentado, respirando fundo de olhos fechados e guarda baixa. O tempo parecia deslizar ao meu redor, fazendo-me perceber o quanto estava cansado depois da batalha daquela noite. O quanto minha mente estava sobrecarregada. Eu era só um garoto, apesar de tudo.

Algo começou a acontecer no lago. Flutuando como um vaga-lume sobre o espelho d'água, uma pequena esfera de luz vermelha bruxuleava. Enquanto eu a observava, outras surgiram no ar sobre a água, iniciando uma dança de cores. As esferas deixavam rastros de luz no espaço, desenhando formas abstratas e maravilhosas na escuridão.

Fiquei hipnotizado pelo espetáculo. Com os olhos acompanhando o movimento das orbes brilhantes, as pálpebras pareceram cada vez mais pesadas para que eu as segurasse. Pensei em como um cochilo seria oportuno naquele momento. Pensei que, mesmo que pertencessem ao mesmo lugar que vampiros e lobisomens, aquelas bolinhas de luz não me fariam mal.

Adormeci, ciente de que a mão que segurava o arco jamais se abriria.

***

Acordei com um pontapé nas costelas.

— O QUE DIABOS VOCÊ PENSA QUE ESTÁ FAZENDO?!

O grito me fez saltar da pedra fria onde tinha passado a noite. Antes mesmo de saber de onde o som tinha vindo, já tinha uma flecha pronta no arco. Quando minha mente se desanuviou, porém, percebi que a seta apontava para um Robert furioso.

— Pai...? — Recolhi a flecha, baixando o arco. — O que você...?

Ele me acertou um safanão na testa.

Eu é que pergunto — Rosnou papai. — O que você está fazendo aqui, na floresta lotada de monstros, depois de passar uma noite inteira desaparecido?

Finalmente me situei, lembrando que tinha saído de casa uma noite antes e que tinha tido a brilhante ideia de dormir na floresta. Para variar, me senti um idiota.

— Eu... hã... Não achei nada na armadilha — Menti, com muito pouca desenvoltura. — Então dei uma caminhada por aí, para procurar o monstro que a acionou, vi essa pedra e... — Saboreei as palavras, sabendo o quanto soariam estúpidas. — Decidi tirar um cochilo.

Megan, atrás de meu pai, soltou uma bufadela indelicada enquanto sacava o celular que vibrava. A julgar pelo sorriso em seu rosto, provavelmente tinha acabado de ganhar uma aposta com meu pai. Quando atendeu o aparelho, se afastou um pouco, deixando-me sozinho com o enfurecido Robert.

— Você decidiu tirar um cochilo — Repetiu ele, a voz tremendo. — Você simplesmente decidiu tirar um cochilo na porcaria da floresta Mighan.

Houve uma pausa enquanto ele segurava o ar.

— EU ACHEI QUE VOCÊ ERA RESPONSÁVEL, MASON! — Esbravejou ele. — Meu filho, você poderia ter ligado, dito algo a respeito! Mas não! QUASE ME FEZ INFARTAR DE PREOCUPAÇÃO!

Apesar da fúria colorindo seu rosto de vermelho, percebi que ele estava aliviado. Depois de alguns segundos de silêncio, o homenzarrão me puxou para um abraço constrangedoramente afetuoso. Eu retribuí como pude, dando tapinhas em suas costas largas.

— Pelo menos você está bem — Me soltou. — Vamos para casa, garoto. Quando chegarmos lá, eu penso num castigo apropriado.

Floresta acima, o velho Camaro nos esperava, com sua tinta amarela descascada e os pneus lisos. Eu me acomodei no banco de trás, ainda cansado e sonolento. Megan foi dirigindo, guiando-nos para fora do labirinto de árvores, quando uma lembrança me ocorreu.

— Ei, pai — Chamei. — O que você sabe sobre o Pináculo de Solstício?

Ele demorou para responder, criando um segundo tenso.

— Pouca coisa — Disse, por fim, depois de trocar um olhar significativo com Megan. — Os monstros ainda celebram suas festas, mesmo em cativeiro. Por causa disso, se reúnem numa trégua temporária e condicional num lugar, o Pináculo de Solstício. Lá, eles realizam rituais e outras coisas bizarras.

— E onde fica?

Outra pausa.

— Nunca no mesmo lugar — Foi Megan quem respondeu dessa vez. — Como é uma grande concentração de monstros, eles não poderiam ficar se reunindo no mesmo lugar sempre. Poderiam ser emboscados e mortos com facilidade. — Uma pausa. Ela estava virando numa curva. — Por isso, o Pináculo é movido duas vezes por ano. Por que tanta curiosidade?

— Nada — Desconversei. — Achei essa palavra nos livros algumas vezes. Só quis saber o que significava.

Não fui tão convincente, porque eles se entreolharam outra vez. Poderia ser só impressão, mas havia uma sombra no semblante de Megan quando ela olhou para meu pai.

***

— Jenny? — Perguntei, quando ela atendeu.

— Sou eu — Sua voz estava diferente, mas eu ainda a reconheci.

— Eu te liguei uma pá de vezes — Contei. — Queria falar com você, mas sua mãe sempre atendia.

— Por que não mandou ela me chamar?

— Porque ela não pode saber que essa conversa está acontecendo.

Pude imaginar uma serelepe Jenny se empertigando do outro lado da linha.

— O que você tem para mim? — Indagou, animada.

— Descobri umas coisas com o vampiro que caiu na armadilha que fui checar hoje à noite — Contei. — Ele me disse...

— Espera, pensei que você não tivesse achado nada lá.

— Eu menti pela mesma razão que não pude mandar sua mãe te chamar — Expliquei, apressado. — Tem algo grande vindo aí, Jenny. Algo que nossos pais se esforçariam para esconder de nós se soubessem que sabemos.

— Legal — Sussurrou em resposta. — E você vai me contar ou não?

— É o que estou tentando fazer. — Limpei a garganta. — Bom, o vampiro que peguei...

— Sim, o vampiro que você pegou. — Ela deu um risinho sugestivo.

Massageei as têmporas. Ela estava mais hiperativa naquela manhã ou era só impressão minha?

— Ele me disse que tem alguém regendo os monstros — Prossegui. — Um cara que não é humano nem qualquer outra coisa conhecida. Ele conseguiu, de alguma forma, unir as raças. Vampiros e lobisomens. Metamorfos e ghouls.

Jenny arquejou, e eu me dei por satisfeito.

— Também fiquei sabendo que esse cara, Garganoth, ele está construindo um novo Pináculo de Solstício. — Deixei minha ignorância nesse assunto transparecer na voz. — E é aí que meu informante decepciona. Ele não sabe nada sobre isso.

— E minha ajuda é necessária por que...?

— Os Blade têm um registro — Eu disse. — Uma lista de todos os seres sobrenaturais que vivem na cidade por intermédio de uma trégua, um pacto importante.

Elaculum Rathura — Jenny informou.

— Isso — Senti a animação subir pela garganta. — E se um desses monstros sabe alguma coisa sobre isso? O pacto Elaculum Rathura diz que...

— “Um compactuado deve ceder informações cruciais para o bem maior” — Recitou ela. — É genial, Mason. Eu posso dar uma olhada no registro, aqui em casa. Vejo qual dos compactuados é mais receptivo a contar segredos, descubro o endereço dele e aí...

— Pegamos as informações — Dissemos, em uníssono.

Trocamos um sorriso invisível.

— Me ligue quando conseguir — Pedi. — Depois disso, nos encontramos depois para achar o cara e fazê-lo falar.

— Ah, o Luccas vai conosco — Avisou ela, antes que eu tirasse o fone do ouvido.

Deixei os ombros caírem. E lá se vai o espírito de amizade.

— Eu sei que você não é fã dele — Jenny apressou-se em dizer. — Mesmo que eu também não me sinta muito convencida em ficar a menos de dois metros dele, o Luccas é o único que entende pelo que eu estou passando. Ele pode ajudar caso eu...

Ela deixou a voz morrer.

— Tudo bem — Cedi, coçando as sobrancelhas. — Avise a ele. Vai ser bom ter um cão de guarda por perto.

Desligamos. Vinte minutos depois, meu celular tocou.

— Achei um cara perfeito — Jenny estava histérica. — “Jack Blackwolf, meio-lobisomem, sem-partido”.

— O que é um “meio-lobisomem”?

— Quem se importa? — Ela riu. — Aqui diz que ele odeia tanto os monstros dessa floresta quanto caçadores.

— Não parece promissor. — Gemi.

— Ele mora a três quarteirões. Podemos sair às dez. Não se atrase.


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