E minha vida se resumia àquilo.

  Do colégio para casa da minha mãe, da casa da minha mãe para a casa do meu pai, e da casa do meu pai para a livraria perto da casa dele.

  Ah, a livraria. Yume Bookstore.

  Eu ficava o fim da tarde todo nela, até o horário de fechar, as nove. Eu já era amigo do gerente e de alguns funcionários já que eu ia até lá com freqüência já havia dois anos.

  Como eu não tinha muito dinheiro, eram raras às vezes que eu voltava para casa com algum livro de lá. Ta, às vezes o gerente me emprestava um e eu passava a noite acordado lendo, para devolver o mais rápido o possível. Sempre fui responsável com as coisas dos outros, nunca com as minhas. Motivo o qual meu iPod não tem mais o visor.

    -Ahh! Konnichi wa, Taka-chan. – o gerente, Uke Yutaka, o Kai-chan, me cumprimentou, sorridente. Ele tinha a minha idade, dezessete, e trabalhava meio período na livraria.

    -Konnichi wa, Kai-chan. – sorri, acenando. – Chegou algum livro novo?

    -Que gênero, chibi? – ele me chamou para segui-lo, até o pc da loja. Lá estavam todos os livros que haviam na livraria, catalogados.

    -Suspense. – passei a mão pelos cabelos descoloridos. Eu era um bom aluno, não um santo.

    -Hm...Não, chibi. – Kai mexia no pc, habilidoso. – Nenhum. Mas chegou um de auto-ajuda aí.

    -Vai se ferrar. – dei um tapa em seu ombro, o ouvindo rir. – Então vou terminar de ler aquela edição de Sin City¹.

    -Certo, vá lá.

  Caminhei pelos corredores formados pelas estantes cheias de livro da loja, indo até a seção de HQ’s, uma das minhas favoritas, depois de Literatura Internacional. Anne Rice² era minha musa.

  Sorri ao achar a edição que eu lia de Sin City, entre tantas outras. Abri na página setenta e cinco, retomando minha leitura.

  Eu lia de pé mesmo quando as mesas estavam ocupadas. Haviam mesas dispostas no segundo andar, para quem quisesse ler alguns exemplares lá mesmo.

  Quando eu estava na página cento e dez, ouvi passos pelo corredor onde eu estava, me distraindo. Me virei, vendo um rapaz loiro caminhar em minha direção.

  Sim, ‘o loiro’.

  Era assim que eu o chamava. Eu o via todas as vezes que eu ia até a livraria, há cinco meses. Ele sempre passava por mim, sorria e dizia ‘oi’ e ia na seção de livros de medicina ou mangas ou HQ’s.

  A conversa mais longa que já tivemos fora:

    Rapaz loiro: esse encadernado do Daredevil³ é bom? Você já leu?

  E ainda me chamara de pequeno!

  Mas nem me importei muito. Ele era bonito e me parecia inteligente.

  Hoje ele estava vestindo...Uma calça jeans, menos justa que das outras vezes; uma camisa branca, aberta até a metade de seu tórax e um All Star preto, surrado. E como sempre, estava com uma mochila vermelha, cheia de bótons, nas costas. Provavelmente um universitário, e uma vez o vi segurando um jaleco branco. Branco demais. Acho que é estudante de Medicina.

  Só de vê-lo quase todos os dias, eu já meio que...O conhecia. Agradeço pelos livros de Psicologia que me ensinaram a analisar as pessoas.

  Pelo que vi, ele era determinado, inteligente (ta, que tipo de pessoa burra faria Medicina?), extrovertido e sincero. Fora essas qualidades todas, ele também era MUITO bonito. Ta, eu não precisei de um livro para comprovar isso, claro.

  Ele sorriu ao me ver e passou por mim. O mínimo contato me fez estremecer.

  Como ele se sentiria ao saber que um estranho arrastava um caminhão por ele?