Fallen Angels escrita por Lívia Nunes


Capítulo 9
Reconhecimento




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/215539/chapter/9

"E quando você realmente conhece uma pessoa, nem o espaço de tempo pode mudar isso".


Escuro.

É só o que consigo identificar de começo. Logo ouço uma voz, e com uma batida de coração reconheço de quem é.

Por algum motivo – pelo qual não me recordo no momento – eu conseguiria reconhecer a voz mesmo se passasse dez anos, eu sempre iria me sentir da mesma forma. Isso não iria mudar.

— Claire? Claire? Você está bem? Claire! — Trish Mansen me chama, tocando o meu rosto suavemente.

Eu tento dizer que está tudo bem, que eu estava bem, mas a minha voz simplesmente não saia. Ela estava presa em algum lugar dentro de mim o qual eu não conseguia ter acesso.

Sinto as mãos de Trish deslizarem para meu pulso, verificando minha pulsação e depois deslizarem para meu pescoço.

— Trish... — Eu consigo sussurrar, abrindo os olhos vagarosamente.

— Claire? Oh, você vai ficar bem certo, agora com calma se levante. — Trish diz, parecendo profundamente aliviado por eu ter dado sinal de vida.

Meus olhos com calma entram em foco e consigo visualiza-lo com clareza.

Seu cabelo castanho continuava perfeito, bagunçado e ao mesmo tempo arrumado.

Sua blusa branca em gola V fazia um lindo contraste com a jaqueta de couro pesada, e combinava perfeitamente com a calça preta e com o par de botinas de cano curto.

Seus olhos azuis me sondavam com curiosidade.

— O que foi Claire? Você está se sentindo bem? Quer ajuda para levantar? — Trish pergunta ainda me fitando com aqueles olhos azuis perturbantes.

— Não Trish, estou perfeitamente bem.

Levanto-me rapidamente, e minha visão fica turva de novo.

Tudo parecia estar rodando e só o que vejo é o chão ficar cada vez mais próximo de meu rosto.

Trish me segura pela cintura e me puxa para si.

— Seu equilíbrio não parece “perfeitamente bem”. — Trish sussurra com um sorriso na voz em meu ouvido, seu hálito fazendo cócegas em minha nuca.

Meu coração acelera drasticamente por meu corpo estar tão colado ao seu, por sua boca estar tão perto do meu ouvido.

Ele parecia sentir a tensão e a excitação no ar, e parecia gostar disso. Ele me aperta mais contra si, fazendo minhas costas se esmagarem contra seu peito, suas mãos envolvem mais minha cintura.

E eu também parecia gostar disso, por mais que eu não queira.

Trish me vira com agilidade e quando percebo estou em sendo carregada por ele.

— Trish, você pode me colocar no chão agora, eu estou bem — Digo, tentando convence-lo. — É sério! Me coloque no chão!

Começo a me debater debilmente em seus braços como uma criança birrenta.

— Pare com isso Clai, você sabe que não está bem e muito menos em boas condições de andar, deixe de ser birrenta e me deixe te levar para a enfermaria. — Trish diz, parecendo querer sorrir. O que me deixou mais furiosa.

Ele faz meu apelido – do qual eu não gostava – parecer a mais bela canção, e não me importei em corrigi-lo, eu gostava de como ele pronunciava meu apelido.

— Isso não é necessário, eu estou bem ok? Eu não preciso ir para a enfermaria!

Trish não parecia ter mudado de ideia, continuava me carregando pelo corredor sem hesitar. Sua respiração ia e vinha, ele não parecia fazer esforço algum em me carregar.

— Então como você vai explicar que estava no corredor, em horário de aula e desmaiou? Você precisa de um álibi, e aqui estou eu. Você devia me agradecer.

— Eu só me atrasei um pouco, não faz diferença. E eu não preciso de um álibi coisa nenhuma. E o-obrigado.

— Disponha. — Ele diz sorrindo para mim.

Trish parecia ter ignorado cada palavra que disse, pois depois de um minuto estávamos na enfermaria, e ele me colocava na única maca que havia ali.

— O que temos aqui em mocinha? — A enfermeira loira meio gordinha diz para mim, simpática.

— Ela tem pressão baixa. Teve um curto desmaio no corredor quando estava indo para a aula, eu a vi cair e a trouxe para a enfermaria. — Trish diz sem hesitar, e mesmo estando de costas para mim, eu sabia que ele não demonstrava nenhum traço de que estava mentindo, eu percebia que ele era bom nisso, se não fosse não estaria aqui mentindo só para me livrar de uma ocorrência por ficar fora da sala em horário de aula.

— Mas eu n...

Trish lança-me um olhar do tipo: Eu estou te salvando, cale a boca e tudo vai ficar bem que rapidamente me calou.

— Hm, muito obrigado garoto. — A enfermeira diz com admiração.

— Deu sorte em mocinha? — A enfermeira diz enquanto passava o medidor de pressão pelo meu braço direito.

Trish estava encostado na parede ao meu lado e parecia se divertir em me ver com raiva e provavelmente ruborizada.

Sorte, que nada. Penso, e ao mesmo tempo Trish tosse tentando disfarçar uma gargalhada. Eu perdi a aula de astronomia.

E assim que penso, Trish tampa a boca tentando disfarçar outra gargalhada como se pudesse ler meus pensamentos.



Depois de conseguir me livrar da enfermaria, fui ao banheiro ver meu estado físico, e olha, não era o dos melhores.

E agora estou lavando meu rosto para tentar esfriar a minha cabeça para tentar pensar com clareza.

A água gelada escorria pelo meu pescoço descendo pela minha blusa, me causando calafrios.

Olho-me mais uma vez no espelho. Na luz relativamente fraca do banheiro feminino da County High School meu cabelo parecia escuro, e meus olhos pareciam brilhar. E isso era de certo modo medonho.

Seco rapidamente meu rosto com um lenço de papel, jogo-o no lixo e corro para a porta do banheiro, querendo logo sair dali.

Estou agradecendo mentalmente Trish por ter conseguido me liberar das três aulas que ainda restavam enquanto estou fuçando minha bolsa à procura de meu celular, minha mãe teria que vir me buscar, não queria ir a pé para casa. Quando bato de frente com alguém novamente.

Ok, hoje era o dia internacional de bater de frente com as pessoas no corredor do colégio não era?

— Droga — Murmuro rapidamente.

— Eu acho que você gosta mesmo de bater com as pessoas no corredor da escola não é? — Ele pergunta risonho.

Paraliso com o som de sua voz levantando o olhar para poder ver seu rosto, mesmo que já soubesse de quem era.

— D-desculpa. — digo, gaguejando na hora errada como sempre.

Trish dá uma gargalhada olhando para o teto e com as mãos atrás da nuca. Não sei por qual motivo, mas essa imagem dele me afetou estranhamente.

Meu estômago pareceu revirar e meu coração acelerou instantaneamente.

— O que você está fazendo fora da sala em horário de aula? — Pergunto tentando desviar minha atenção de como ele ficava bonito sorrindo e nessa posição relaxada.

— Você acha mesmo que só você foi liberada das aulas? Estou encarregado de levar você para casa. — Trish diz, colocando o braço casualmente em meus ombros.

Paro no mesmo instante e encaro Trish boquiaberta.

— Mas... Mas eu não preciso de carona! — Eu digo com petulância.

— É claro que você precisa. Deixa de ser teimosa e vamos logo. — Trish diz e me reboca para a porta da escola.

— Eu nem te conheço, quem garante que você não é um psicopata? — Pergunto parando novamente para encarar Trish, que agora me olhava com uma expressão sarcástica.

— Você acha mesmo que eu sou um psicopata e que vou te levar para a floresta mais próxima e matar você sendo que eu fui a última pessoa que você esteve? Eu não sou burro Clai.

Eu não podia argumentar com isso, ele tinha razão. E mesmo que ele não tivesse explicado nem nada, lá no fundo eu sabia que iria acabar indo com ele.

Algo em Trish me despertava perigo ou até mesmo medo, mas eu gostava. E de qualquer forma, sendo psicopata ou não, eu iria. E por esse mesmo motivo eu ficava com medo de mim mesma, havia menos de duas horas que eu conhecia o cara!

Trish continua me puxando para o portão da escola, passamos por ele rapidamente e entramos no campus da escola, percebendo que chovia um pouco.

Não me importei com as pequenas gotas de água que caiam em meu cabelo e em minha pele, a sensação era boa.

Trish me leva para frente de um carro preto, e o máximo que pude identificar era que o carro era da marca Mercedes.

Ele da a volta no carro reluzente e abre a porta do carona para mim.

Sento-me do banco de couro preto e coloco o cinto de segurança rapidamente.

Nunca fui ligada a automotivos, mas estava curiosa para saber a marca deste.

Trish acaba de se sentar no banco do motorista e dá a partida.

— Hmm, Trish — Digo rapidamente olhando meu fraco reflexo no vidro do carro. — Qual é a marca desse Mercedes?

— Esse é uma Mercedes SLK 200 Kompressor plus.

— Hmm — Murmuro, fingindo ter entendido alguma coisa.

Trish dá uma risadinha e acelera pela estrada molhada.

O que eu estou fazendo? Penso rapidamente. Eu nem conheço o cara, e se ele for mesmo um psicopata? Ótimo, cai direitinho na lábia de um psicopata que se faz de bonzinho para matar meninas inocentes.

Dou um longo suspiro e olho Trish pela visão periférica.

Ele não parecia nada com um psicopata, parecia um garoto normal – fora sua beleza estonteante – do ensino médio que só estava querendo ser gentil com uma garota que acabará de desmaiar aparentemente sem motivo algum.

Esperava veemente que minha pequena observação estivesse correta.

Argh! O que eu estava pensando na hora em que deixei Trish me dar carona para casa? Nada, obviamente.

Porque sempre era assim: Eu nunca pensava nada quando estava perto dele. Nunca.

E olha que eu o conhecia a um dia.

— Onde você mora Clai? — Ele diz desviando minha atenção para a estrada.

— Hmm, siga a principal a leste e entre na Green Street.

Ele assenti e volta a atenção para a estrada novamente.

Fico o caminho toda para minha casa imaginando modos de como fugir de Trish se ele fosse um psicopata maluco e não percebo quando ele desliga o motor e para em frente a minha casa.

— Chegamos.

— C-como você sabe onde eu moro? — Eu pergunto destravando o cinto de segurança e me virando para Trish.

Sua expressão fica estranha por um segundo e logo ele volta a sorrir.

— Não é difícil imaginar. — Ele diz dando o sorriso mais lindo que já havia visto.

E é ai que me perco em seus olhos.

Aquelas dois abismos azuis pareciam me engolir sempre que eu me afundava neles, percorrendo minha alma e agitando-me por dentro.

Um formigamento estranho parecia percorrer meu corpo, pedindo – implorando – para que eu me aproximasse de Trish.

Trish me fitava também de maneira intensa, parecendo querer afundar em meus olhos de tanta intensidade.

O único som no carro era de nossa respiração acelerada ir e vir, eu até podia sentir as ondas de energia que emanavam dele, como se fossem sólidas.

Trish parecia ter ficado mais perto de repente, se eu me esticasse um pouquinho só...

O QUE HÁ DE ERRADO COMIGO?

Pare Claire, Pare. Penso, tentando me convencer de coisas que eu não queria. Esqueça isso, agradeça e saia do carro, seja uma pessoa normal.

— Hmm... Bem, e-eu tenho que ir. — Eu digo rapidamente, tropeçando nas palavras ridiculamente.

— Sim, é melhor você ir? — Ele diz em tom de pergunta, como se ele estivesse se questionando isso.

Ignoro o que o seu tom de voz diz ou não. Eu precisava ir embora daquele carro ou eu iria fazer alguma besteira pela qual eu iria me arrepender depois.

— Então... Até amanhã? — Eu pergunto forçando um sorriso com a mão na maçaneta, eu estava apenas estendendo aquele momento, porque eu simplesmente não queria que ele acabasse.

— Até amanhã. — Ele diz e também parece forçar um sorriso.

Na verdade ambos estávamos confusos. Era isso.

Dou uma última olhada nele e saio do carro rapidamente, fechando a porta com força de mais.

Ando pelo gramado e ouço a Mercedes de Trish acelerar pela rua molhada.

Ainda chovia um pouco, não tanto para me incomodar, mas chovia o bastante para me deixar com certo frio.

Destranco a porta tirando o tênis aos chutes, com raiva de mim mesma. Pelo que via minha mãe ainda não havia chegado para a minha felicidade.

Me encosto na porta gelada e jogo a minha mochila no chão, meus olhos começando a arder. Isso não era um bom sinal.

Deslizo para o chão e fico sentada no piso de linóleo da sala com as costas encostadas na porta.

Porque tudo estava tão confuso agora?

Eu já estava começando a esquecer da voz que me atormentava constantemente – e pala qual eu fui apaixonada -, estava começando a retomar minha vida e simplesmente do nada um cara o qual eu mal conhecia vinha e fazia a mesma coisa comigo.

E aqueles olhos...

Aqueles olhos pareciam dois abismos pelo qual eu não conseguia escapar. Eles pareciam adentrar minha alma, eles pareciam saber cada característica minha...

Ele me olhava como se me conhecesse há séculos. E algo dentro de mim não negava isso, a minha intuição – e não apenas ela – dizia que eu devia confiar nele, que eu já o conhecia. Mas de onde?

Era isso o que mais me intrigava, o não saber.

Eu precisava de respostas que só Trish saberia me responder.

Ou talvez isso tudo fosse coisa da minha cabeça, isso podia ser outra das minhas loucuras.

Para quem já conversou com vozes, isso era relativamente nada.

Mas... Mas nada. Eu não iria continuar alimentando mais uma de minhas loucuras, eu só precisava de algo real a me agarrar, só precisava de uma pessoa real. Já estava cheia dessas loucuras que o meu âmago continuava a querer acreditar.

Na verdade sempre fora assim, eu sempre me apeguei às coisas não muito reais.

Logo quando meu pai havia morrido eu achava ter visto ele no meu quarto, cantando as músicas que ele costumava cantar para mim antes de dormir.

Eu resolvi contar para a minha mãe isso e eu acabei tendo que fazer um mês de “encontros” com um psicólogo.

Ou seja, uma coisa que eu tinha aprendido sobre essas coisas era nunca, em hipótese alguma contar para alguém ou você acabaria em uma sala branca e acolchoada.

Soluços começavam a subir pelo meu peito e uma dor terrível vinha com ela.

Abraço meus joelhos e me encolho como uma bola, tentando não deixar com que eu me desfizesse em pedaços.

Mas sempre era assim, eu tentava não me desfazer, mas sempre acabava na minha cama, chorando e soluçando tentando me recompor, como quando você quebra um vaso e tenta recompô-lo com fita adesiva.

Mas eu já havia me acostumado, eu tinha que me acostumar. Eu vivi dezessete anos da minha vida me controlando, fingindo ser uma pessoa que eu nunca fui, e só há sete meses eu fui perceber isso.

Os soluços eram tão altos que me atrapalhavam até de pensar.

— Ok, a-agora você vai levantar d-desse chão e vai p-parar com isso sua idiota! — Eu digo para mim mesma gaguejando por causa dos soluços incontroláveis.

Limpo as lágrimas que molhavam meu rosto em meio a tremedeira das minhas mãos e levanto hesitante do chão gelado.

Recolho meu tênis e mochila e levo para meu quarto, guardando-os em seus devidos lugares.

Resolvo tentar arrumar minha vida de fora para dentro, e começo a arrumar a casa.

Ligo o sistema de som no volume máximo, abafando todos os pensamentos, me concentrando apenas na música e nos afazeres de casa.

Enquanto lavo a louça canto histericamente e meu quadril se meche ao ritmo da música.

Lavo o banheiro, arrumo meu quarto, varro e esfrego cada centímetro da casa e quando acabo, me jogo no sofá a plenos pulmões.

Olho para o relógio da sala e me assusto quando vejo que já passaram das seis da tarde.

Tomo um banho demorado quando ouço a campainha tocar rapidamente.

Saio do banho, coloco um roupão, penteio o cabelo e vou atender a porta.

Assim que abro a porta da frente fico de boca aberta quando vejo quem é.

Seu cabelo castanho claro liso com uns fios dourados estava bagunçado e ao mesmo tempo elegantemente arrumado, sua blusa branca faz um lindo contraste com sua jaqueta de couro marrom e com a calça escura.

Seus olhos azuis penetrantes me olhavam com certa curiosidade, passando do meu cabelo molhado até o roupão branco com detalhes no bolso em dourado.

— Hmm, oi Trish — Eu digo, provavelmente corando por estar tão... Tão exposta a ele.

Eu devia ter colocado uma roupa descente com certeza.

Ele ri com a minha evidente timidez por estar de roupão na sua frente.

— Você acabou esquecendo seu celular em meu carro. — Ele diz me passando meu celular.

Droga, havia cinco chamadas não atendidas de minha mãe.

— Obrigado.

Ele continua me olhando, mas agora não com curiosidade e sim com... Eu não conseguia distinguir bem o que era seus olhos pareciam brilhar de vontade talvez?

Mas vontade de que?

Eu estava cansada de mais para tentar descobrir, e ainda tinha o dever de filosofia para terminar.

Olho por sobre o ombro de Trish e não vejo seu carro em nenhum lugar da rua e começava a chover forte.

— Hmm, você quer entrar? — Pergunto, distraída em seus olhos mais uma vez.

Ele parece hesitar um pouco, mas responde firmemente.

— Seria um prazer.

Abro a porta mais um pouco dando passagem para ele.

Assim que Trish passa por mim, sinto o seu cheiro ao meu redor: era uma perfeita mistura entre lavanda e canela, doce e envolvente, agressivo e gentil.

Parecia a combinação perfeita para ele.

Fecho a porta e me viro para Trish, que estava me fitando parecia há horas.

— Eu vou trocar de roupa.

Ando rapidamente para meu quarto e fecho a porta, meu coração batendo freneticamente.

O que eu estava fazendo? Como iria explicar para minha mãe um menino em nossa casa quando ela chegasse? O que aconteceria quando eu saísse do quarto?

Coloco as duas mãos na cabeça e me contenho a vontade de berrar escandalosamente. Mas não havia tempo para isso.

Corro para o meu armário cuidadosamente arrumado – agora, porque antes eu provavelmente não conseguiria achar uma meia se quer – pegando short jeans surrado e uma blusa de seda verde oliva que minha mãe sempre falava que realçava a cor de meus olhos e o tom da minha pele clara.

Deixo o roupão deslizar pelo meu corpo e cair no chão, enquanto rapidamente coloco o sutiã e o resto da roupa em tempo recorde.

Olho-me no espelho e penteio meu cabelo parcialmente seco.

Ok estava razoavelmente bonita.

Respiro vagarosamente para controlar o coração que ameaçava sair pela boca. Quando estou praticamente acalmada volto para sala onde Trish me esperava sentado no sofá de couro que mamãe havia comprado mês passado.

Assim que ele me vê seus olhos brilham da mesma forma que antes, e também da mesma forma que antes não consigo identificar o que era.

Paro em sua frente e continuamos nos olhando fixamente e intensamente.

Começava a escurecer e a sala estava meio escura, mas ainda sim, seus olhos azuis pareciam brilhar e eu podia enxerga-lo com facilidade.

Olho as mensagens no meu celular e fico paralisada com uma.


Filha, mamãe vai ter que viajar hoje ainda, desculpe por não ter te avisado, foi coisa de última hora. Amanhã de tarde estou em casa. Desculpe querida.

Mamãe.


Argh! Porque ela nunca avisava?

Agora iria ter que dormir em casa sozinha, e eu particularmente era muito covarde para isso.

Jen provavelmente não iria vir, ela estava na casa da tia dela hoje.

— Algum problema Clai? — Trish diz e se aproxima ainda me fitando com aqueles olhos azuis atordoantes.

— Hmm, não, nada de mais.

— Tem certeza? — Não sei como, mas ele parecia me conhecer, e parecia saber que eu estava mentindo por algum motivo. Se era por eu ser uma péssima mentirosa eu não sabia, mas aquela mesma vozinha no fundo de mim me dizia que não era esse o motivo.

Suspiro e resolvo contar a verdade para Trish.

— Minha mãe irá dormir fora hoje. — E assim que falo uma preocupação muda estampa em seus olhos.

— E você não gosta de dormir sozinha aqui não é? — Ele diz indo se sentar no sofá e dando tapinhas ao seu lado para eu me sentar também.

Sento-me ao seu lado no sofá e por estar assim tão perto dele como no carro, uma onda de eletricidade percorre o meu corpo por uma fração de segundos.

Ignoro isso e respondo a sua pergunta com honestidade.

— Sim. — Respondo entre um suspiro.

— Mas qual é o motivo de você não gostar de ficar aqui sozinha? — Ele pergunta interessado.

Eu não via motivos para ele estar tão interessado na minha vida idiota, não via mesmo.

Algo em mim gritava absurdamente para ser honesta com ele, mesmo assim eu não conseguia mentir para ele, era meio que uma compulsão idiota de honestidade.

— Meu pai morreu há dez anos em um acidente de carro e uma semana depois eu o vi no meu quarto, contei para minha mãe sobre isso e ela me fez ficar um longo mês tento entrevistas com um psicólogo, tenho medo de acontecer novamente. — O que eu estava fazendo? Eu estava contando um dos meus segredos mais secretos para um desconhecido!

Eu já tinha perdido as contas de quantos “o que eu estou fazendo” eu já havia perguntado para mim mesma depois que conheci Trish – há digamos, oito horas atrás? -.

— Desculpe se eu fui inconveniente, não era minha intenção. — Ele parecia profundamente magoado, ele realmente parecia estar se desculpando.

— Não se culpe. Isso aconteceu há muito tempo, você só estava tentando ser legal comigo. — Digo e mostro-lhe um sorriso sincero.

Ele me devolve com um sorriso de tirar o fôlego.

Tudo nele era de tirar o fôlego, isso era a mais sincera verdade.

Fico por alguns minutos olhando para minha mão sentindo o olhar de Trish em mim, com receio de olhar para ele e me perder em seus olhos novamente.

— Eu estou com fome, você me acompanha? — Eu pergunto, quase implorando para que ele dissesse que sim, eu precisava da companhia dele agora, eu estava frágil emocionalmente por levar à tona o que havia acontecido há dez anos e continuava me aterrorizando em intervalos sombrios.

— Claro. — Ele diz com a voz sedosa e gentil.

Sigo para a cozinha e percebo Trish me seguindo silenciosamente.

Abro a geladeira à procura de algo e resolvo fazer sanduíches.

Preparo dois sanduíches e coloco à mesa, servindo nossos copos com Coca-Cola.

— Parece ótimo. — Ele diz se sentando a mesa.

Dou uma risada e começo a comer, só agora percebendo o tamanho da minha fome.

Conversamos enquanto estávamos comendo e quanto terminamos, eu lavei a louça e ele secou.

Quando estava lavando o último copo ele diz:

— Você cozinha muito bem Chef. Blanc.

Dou uma gargalhada e jogo o pano de prato em seu rosto de brincadeira.

— Obrigado Sr. Ótimo secador de pratos.

Nós dois caímos na gargalhada e eu jogo um pouco de água em seu rosto.

— Ah, você não deveria ter feito isso. — Ele diz em tom ameaçador.

Ele prende meus pulsos com a mão esquerda, ficando bem perto de mim, sua respiração fazendo cócegas em meu nariz e quando o inesperado acontece; Ele pega a torneirinha de lavar pratos e joga uma espirrada de água em mim.

Começamos a rir por eu estar encharcada, então eu abro a torneira da pia e fazendo uma conchinha com as mãos, pego uma quantidade de água razoável e jogo em Trish.

Ele devolve com outra espirrada de água em mim.

Ele ainda segurava meus punhos e nossos corpos se tocavam a cada mínimo movimento.

Nós ainda estávamos rindo quando nossos olhos se encontraram novamente e a corrente elétrica passou por nós pela milésima vez naquele dia.

As gargalhadas foram trocadas por troca de olhares cada vez mais intensa, quando Trish largou a torneirinha na pia e se aproximou mais de mim, segurando meu rosto entre as mãos.

— Trish... — Eu murmurei a menos de oito centímetros de seus lábios entreabertos, seu hálito doce girava em volta de mim.

— Claire... — Ele sussurrou de volta, com um sorriso meio torto nos lábios.

O desejo de beija-lo era grande, mas eu mal o conhecia e já estava me sentindo imensamente atraída por ele.

Ele tira o cabelo molhado de meu pescoço e beija-o demoradamente.

Um arrepio sobe por minha espinha mesmo não estando nenhum pouco com frio.

Na verdade eu me sentia totalmente quente com o seu toque, me sentia segura por estar em seus braços mesmo que eu o conhecesse há um dia.

Mas isso não fazia o menor sentido para mim.

Eu sabia, meu inconsciente sabia que eu já havia conhecido ele.

E quando digo conhecia, e falo daquele negócio de reencarnação. Na verdade nunca fui muito religiosa, nunca acreditei muito nessas coisas, mas de uns tempos para cá, para mim nada mais era impossível.

—Trish... O que está acontecendo aqui? Eu mal te conheço... —Eu só conseguia sussurrar. Eu tinha medo de que seu eu falasse um pouco mais alto a magia iria se quebrar e tudo não passaria de um sonho, e se fosse um sonho eu imploro que ninguém me acorde nunca.

— Eu... Eu não sei bem Clai, nós só estamos seguindo nosso coração... — Ele diz, pela primeira vez parecendo confuso. E quando ele diz a última palavra, ele coloca gentilmente minha mão em seu peito. — Eu só peço, por favor, que isso perdure para sempre.

Eu não sabia o que dizer, eu queria a mesma coisa que ele, eu também só queria que isso perdurasse para sempre.

E depois de alguns minutos, nós dois tentando controlar o intenso desejo, Trish fica tenso e seus olhos ficam ainda mais confusos.

— Claire... Nós não podemos... — Ele diz, começando a me soltar.

— O que? Eu não estou entendendo Trish.

Ele sorri um pouco, mas o sorriso não estava certo; ele não chegava aos olhos dele, era um sorriso forçado.

— Tudo vai ficar bem, nós nascemos um para o outro. — Ele diz tentando me tranquilizar, ainda com o sorriso meio forçado no rosto.

— Mas... — Eu começo, mas logo sou interrompida por Trish, que colocava o dedo indicador gentilmente em meus lábios, calando-me.

— Mas agora tenho que ir você não vai se lembrar do que aconteceu hoje. Tudo vai ficar bem amor. — Ele diz, seus olhos estavam brilhando em lágrimas, mas nenhuma delas ousou cair pelo seu rosto.

Ele beija a minha testa suavemente, eu ainda estava confusa.

Eu lançava-lhe olhares confusos, mas ele apenas sorria, dizendo que tudo ficaria bem.

Trish acaricia meu rosto com serenidade, contornando o desenho de meus lábios com o dedo.

— Eu te amo Claire, nunca se esqueça disso. — Ele diz e coloca as mãos em meus olhos e a última coisa que capto é um longo suspiro e depois apenas o nada.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E ai, o que acharam? Eu curti muito esse capítulo, na hora de escreve-lo e revisa-lo, sei lá, acho que ficou legal e bem esclarecedor, bom para vocês entenderem mais ainda a cabecinha as vezes idiota de Claire, e para vocês conhecerem também mais um pouquinho do misterioso Trish, até o próximo capítulo :*