Sua garganta queimava de dor de tão seca que estava, era difícil engolir a saliva que somente agora começava a se acumular. Harry tentou se mexer e sentiu dor em cada parte minúscula de seu corpo, parecia ter caído de um lugar alto demais e se espatifado no chão. Pareciam facas abrindo sua pele. Seus olhos verdes estavam fechados e suas pálpebras estavam pesadas demais, difíceis de abrir.

  - Beba isso – Ele ouviu alguém falar antes de sentir uma mão em sua nuca o ajudando a erguer a cabeça e deixar que o liquido quente entrasse em seu corpo – Agora descanse

  Ele não tinha forças para protestar e novamente o mundo real foi embora.

  Um fraco raio de sol entrava pela janela quando Harry acordou. Seus olhos estavam pesados e sua cabeça dolorida demais. Mais uma vez tentou levantar, mas pequenas mãos o impediram.

  - Deite-se. O senhor tem que descansar mestrezinho, precisa ficar deitado.

  As mãos eram pequeninas e magras, mas tinham uma grande força que o impediam de se mexer. Um desespero foi tomando conta do corpo de Harry. Ele não conseguia visualizar nada à sua frente, eram apenas borrões, imagens distorcidas e por isso não conseguia ver quem o segurava.

  - Não! – Protestou – Me largue.

  - Mestrezinho, precisa ficar deitado, o senhor ainda está machucado.

  Harry não conseguia visualizar a figura que o segurava, mas sabia que era um elfo, pois suas mãos eram finas e pequenas demais para um humano e seu jeito de falar eram quase iguais as de Dobby.

  - Por favor senhor.

  - Me solte – Disse Harry empurrando-o bruscamente e se levantando.

  A dor era insuportável e seus olhos não conseguiam focalizar nada que estava à sua frente, mesmo assim Harry foi em direção ao que parecia ser a porta pela luz que entrava. Suas mãos estavam esticadas a frente para que não topasse de cara com algo que o machucaria. Devagar e com medo ele tateou as paredes e desceu uma escada que encontrara no caminho. Foi difícil encontrar a saída, mas logo Harry estava sentindo o ar frio da noite e sentindo as gotas da chuva em seu rosto. Seu corpo doía mais e sua mente gritava que ele não sabia onde estava e que se perderia, mas o medo era devastador, o medo de estar nas mãos de comensais da morte.

  Ele deu um passo para a noite sentindo suas roupas ficarem molhadas, mas o liquido que encharcava sua mão não era o liquido fino da chuva, era o grosso e espesso do sangue vermelho que saia de sua corpo dolorido. Ele cambaleou e caiu em cima do tapete de entrada. Com muita dificuldade ele se levantou e jogou-se em direção ao ar fresco da chuva. Os trovões caiam com força e a água batia nos vidros das janelas como se fossem quebrá-las, mas Harry parecia não ouvir nada, ele apenas corria como se fugisse das galopadas de um cavalo negro. Cavalo que o seguia como uma sombra.

  O portão se abriu e no segundo seguinte ele estava caído no chão lamacento e o cavalo negro se aproximava, era lindo, vinha pisando firme e sua crina brilhava na luz do luar. Harry tentou chamá-lo, mas o cavalo parou sobre ele e foi então que ele viu que não era um cavalo e sim um homem.

  - Será que tem sempre que ser irresponsável Potter?

  Snape rosnava enquanto arrumava o menino em seus braços e o levava para dentro. Harry ainda não conseguia entender o que estava acontecendo e nem quem o estava carregando, parecia ser parte de um sonho que estava tendo enquanto dormia em seu dormitório. Mas por algum motivo estranho ele se sentiu confortável nos braços do homem e se aconchegou deixando seu rosto escondido na curva do pescoço dele enquanto sentia os cheirosos cabelos do homem em suas bochechas. Não estava mais doendo apesar de ainda sentir o sangue sair de seu corpo e sujar suas mãos. Ele se sentia protegido.

  - Lyni – Chamou Snape e o elfo apareceu ao seu lado – Pegue minha maleta no quarto. Rápido.

  - Sim mestre – Disse a elfa e saiu correndo escada acima.

  Harry gemeu um pouco em seus braços se apertando mais contra o corpo de Snape.

  - Droga, Lyni! Rápido.

  Snape levou Harry para um quarto na parte térrea da mansão e o deitou na grande cama. O menino tremia. Lyni apareceu com a maleta e o ajudou a tirar a roupa de Harry.

  - Ele está entrando em choque – Disse Snape vendo Harry começar a convulsionar.

  - Agüente mestrezinho – Pediu a elfa enxugando sua testa que suava frio.

  Snape tirou a roupa de Harry expondo seu peito e olhou o ferimento. Estava aberto e sangrava muito. Imediatamente o professor pegou sua varinha e se concentrou recitando um encantamento do ferimento.

  - Segure a mão dele. Ele tinha que ficar em repouso para eu tirar a bala depois que as poções fizessem efeitos, mas com o que aconteceu vou precisar fazer isso agora e pode doer muito.

  - Mas e o senhor, mestre? O laço o fará sentir dor também.

  - Eu ficarei bem, se preocupe com ele

  Snape respondeu à elfa sem ter plena certeza do que aconteceria com ele mesmo. O feitiço selado entre ele e Harry era muito poderoso, muitas vezes ele poderia sentir as dores físicas que Harry sentia, ele sentiu o momento em que Harry fora atingido, a dor era insuportável e com certeza seria mais ainda agora, mas precisava agüentar, mesmo sentindo tudo e até mesmo mais intenso do que o menino, ele precisava agüentar. Por Harry.

- Segure bem firme a mão dele – Repetiu – Ele foi atingido por uma bala, essas armas dos trouxas são piores que nossas varinhas, não posso usar feitiço, terei que tirar a bala antes de fechar. Dê essa poção para ele, talvez amenize a dor. – Snape queria que a poção amenizasse sua dor também, mas isso não era possível - Isso, agora aguente firme Lyni

- Não se preocupe comigo mestre, faça o que precisa para o mestrezinho ficar bom

  Snape tirou o sobretudo e arregaçou as mangas de sua camisa se preparando para extrair a bala que ficara alojava no peito do menino. Foram momentos intensos de gritos e dor. Snape aguentava ao máximo enquanto sentia como se seu peito fosse cortado e retirado com uma faca. Harry gritava e Lyni não se importou de ter os ossos da mão quase esmagados pelo aperto do menino que continuou gritando até que Snape terminasse de costurar o lugar onde antes tinha a bala alojada.

  - Mantenha-o acordado até eu terminar – Disse Snape sentindo como se a agulha que fechava o ferimento de Harry estivesse entrando em seu corpo.

  - Sim mestre Snape. Mestrezinho, já vai passar, o senhor ficará bom logo.

  - Pronto. Agora faça-o beber essa poção em cima da escrivaninha, eu vou lavar minhas mãos.

  - Sim mestre Snape.

  Snape foi até o banheiro e deixou a água levar o sangue de suas mãos. Lavou o rosto e esperou a dor começar a sumir de seu peito. Era horrível sentir o que ele sentia, principalmente porque sabia que ele sentia, se pudesse escolher, escolheria sentir aquela dor em dobro, se a sentisse sozinho.

  - Garoto estúpido – Xingou pensando no que poderia ter acontecido a ele se não fosse socorrido a tempo.

  Depois de um tempo se olhando no espelho Snape percebeu que estava prendendo a respiração e a soltou sentindo um peso sair de suas costas.

  Quando voltou ao quarto o menino já estava dormindo e a elfa o cobria.

  - O mestrezinho dormiu rápido após tomar a poção, meu senhor

  - Que bom. Pode ir descansar Lyni, vou ficar aqui.

  - Não se preocupe com Lyni senhor, Lyni está descansada, mas o mestre precisa dormir, faz três dias que está acordado e hoje o senhor fez muito esforço cuidando do mestrezinho, precisa descansar.

  Snape estava tão cansado, esgotado e dolorido que não havia reparado que fora levado para seu quarto e que Lyni já retirava sua roupa e arrumava sua cama.

  - Deite-se mestre e durma.

  Snape repousou a cabeça no travesseiro e fechou os olhos tentando relaxar no conforto de sua cama, mas algo o incomodava, não o deixava dormir, algo que ele não comentara com ninguém.

  - Lyni?

  - Sim mestre – Disse a elfa ao seu lado ajeitando seus travesseiros e o cobrindo.

  - Como fui me meter nisso?

  - O mestre ganhou um lindo presente, meu senhor. O mestrezinho lhe fará feliz e conseguirá fazê-lo sorrir como antes – Desejou a elfa, mas Snape já dormia tranquilamente.