Sonhos Reais - Tudo Pode Mudar... escrita por Claudinha Kiste


Capítulo 7
Capítulo 7 - Os olhos vermelhos




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/215377/chapter/7

Roxos? Senti meus joelhos tremerem. Era como se alguém tivesse jogado um balde de água fria em mim, me fazendo finalmente perceber a verdade. Eram os olhos dele. Quer dizer, não os dele realmente, mas iguais aos dele. Deus, como eu pude não perceber isso? Ele é um vampiro. Isso! O Derek é um vampiro. Esse tom de roxo é inconfundível. É exatamente a cor dos seus olhos em meus sonhos.

  Olhei para Bia que me encarava com uma expressão de preocupação.

- Ele, ele é um vampiro.

- O quê? De quem você está falando? Quem é um vampiro, Lili?

- O Derek. O garoto dos meus sonhos. Ele é um vampiro, Bia.

- Eu... Eu não sei o que dizer sobre isso. Eu nunca pensei que pudessem existir outros como eu. Eu...

- Tudo bem. Eu sei que ele não é mal – sorri. – O que o faz exatamente como você.

- Se ele é como eu então quer dizer...

- Que eu estou apaixonada por um vampiro. Estranho, mas não é impossível, se pensar em tudo isso que está acontecendo. E também no fato de minha melhor amiga ser uma vampira. Deus, como tudo mudou. O que me lembra... Bia você me disse que “vai ser mais fácil do que imagina”. Como assim?

- Aquele garoto, o tal... Paul, não é? – acenei com a cabeça – Eu tive um sonho com ele. Eu não queria te contar porque você... – ela hesitou enquanto me olhava nos olhos – Só fique longe desse garoto, por favor, Lili. Acha que consegue fazer isso por mim?

- Claro! Como eu já disse, eu também não gosto dele. Você já sentiu o cheiro dele, é horrível, é como se ele tivesse morrido e se desenterrado depois de dez anos.

  Ela me olhou com reprovação.

- Não é questão de gostar e não gostar Lili. Ele não é bom, por mais que ele seja bonito ou o que for. – Sua voz era afiada ao falar – Eu não sei por que, mas parece ter algo ruim nesse garoto, algo mal, algo – de repente Bia parou de falar. Eu a senti se enrijecer. Pisquei por um segundo e ela já estava me levando para dentro da escola. Seus olhos já estavam castanhos e eu podia ouvir um baixo grunhido saindo do fundo de sua garganta. Senti um calafrio subir na espinha. Olhei para trás com a certeza de estar sendo observada e vi Paul parado com as mãos nos bolsos e uma expressão de pura raiva olhando para mim, seus olhos, antes azuis, ardiam vermelhos como o sangue.

- Não saia de casa, ouviu?! Amanhã eu vou passar lá para te pegar. Você vai passar o dia comigo. Não vou deixar você sozinha nem por um minuto. – Disse Bia, sua voz tremia, ela parecia estar com medo. – Eu não posso deixar isso acontecer... Não olhe!

  Virei a cabeça e comecei a prestar atenção no caminho que estávamos fazendo através do corredor cheio de alunos. Qual era a parte que eu não estava entendendo? Bia parecia saber tudo sobre esse garoto, contudo, ela não me contava nada. E os olhos dele. Não parecia real. Era como um de meus sonhos. Como, no mundo, poderiam existir criaturas místicas tão surreais? Lembrei-me do último sonho que tive com o Derek, no qual eu via uma fada. O que está acontecendo, meu Deus?

**

  Naquela noite, tive um sonho bastante diferente. Eu estava de olhos fechados, o vento batia forte em meu rosto, me forçando para trás. Abri os olhos e imediatamente fui tomada por uma vertigem que me deixou completamente tonta. Eu estava parada, de pé, em cima de algum monumento que eu não arrisquei baixar a cabeça para descobrir qual era. Tive a impressão de estar muito alto. Eu podia ver a cidade inteira dali. Mas onde eu estava? Eu não me lembrava daquele lugar, no entanto ele me era vagamente familiar.

- Sabe... Você até que é bonita. Quase pensei ter entrado no sonho da garota errada – uma voz ecoou pelo monumento.

- Quem está aí? – minha voz tremia por causa da vertigem.

- Gosto daqui, do Brasil, sabe? É um lugar bastante diferente dos outros que eu já estive. Talvez, porque eu me identifique mais com as pessoas daqui... – a voz pareceu pensar por um segundo – Não, acho que não, deve ser porque é muito bonito aqui.

  Brasil? Entendi imediatamente onde eu estava, e por que o lugar me era familiar. Eu já havia visto filmagens do Brasil na televisão, e eu estava, simplesmente, em cima do Cristo Redentor. Senti meu coração se acelerando.

- Posso ouvir seu coração. Sei que está com medo.

- Se sabe tanto das coisas, então por que não aparece? – gritei já irritada.

  Escolha ruim. Ele se materializou na minha frente. Planando no ar como se voasse. Um homem adulto. Ele usava jeans e uma camiseta sem mangas. O corpo esculpido em músculos definidos, nos dois braços, na parte superior, uma tatuagem em forma de Ouros preta, com uma espada em pé, cortando o símbolo no meio. Os olhos verdes penetravam no fundo da minha alma. Tudo nele parecia ser desenhado por algum artista: a boca grossa avermelhada; os olhos caramelados; o nariz, suave como veludo; as maçãs do rosto, levemente rosadas. Absolutamente tudo. Ele sorriu. Me desequilibrei e cai para frente no exato momento em que ele estendia os braços para me segurar.

  Ele balançou a cabeça levemente.

- Vai ser uma pena estragar este lindo rostinho, – ele alisava minha bochecha ao falar – uma pena.

- Q-quem é você? – minha voz tremeu.

  Outro balanço de cabeça.

- O seu pior pesadelo.

  Ele deu um passo para trás e eu cai.

- Não! – Abri os olhos e descobri que estava no chão ao lado da minha cama. Meu coração parecia querer pular para fora do corpo. Eu estava gelada, e suava muito. Percebi que segurava a minha coberta com tanta força que minhas mãos estavam brancas. Abri as mãos, soltando o cobertor. No meio da palma de cada uma delas quatro machucados em forma de arcos, causados pelas unhas.  Minha garganta estava seca. Eu precisava de água. Decidi esperar um pouco antes de descer.

  Levaram uns dez minutos até que eu me acalmasse completamente. Quando levantei, o quarto inteiro girou, sentei novamente decidida a tentar mais uma vez. Fui até as escadas nas pontas dos pés afim de não acordar ninguém. Quando cheguei perto da porta da cozinha ouvi duas vozes conversando baixinho. Pareciam alteradas.

- E o que você quer que eu faça? Eu não posso simplesmente contar a ela e sair andando – minha mãe falou.

- Errado! O que você não pode fazer é simplesmente esconder isso dela, como se ela não merecesse saber a verdade. Você ouviu a história da Bia. Tenho certeza de que sabe como ela vai reagir a isso. Esconder tudo só vai piorar a situação – reconheci a voz do meu irmão.

- Chega! Isso já está passando dos limites.

- E o que você vai fazer. Vai esconder da Lili toda a verdade? Você não é a mãe dela, e ela tem todo o direito de saber isso.

  Tudo pareceu ir mais lento. Minha cabeça começou a girar novamente.

- Eu sou a mãe dela – ela quase gritou. Fez-se silêncio por um minuto, eles estavam esperando para ver se eu havia ouvido. Me escondi mais nas sombras.

- É claro que é – o tom de Bruno era sarcástico.

- Sou sim. Mãe é quem cuida quem dá amor e carinho. Tenho certeza de que Lili iria lhe dizer a mesma coisa quando soubesse que é adotada.

  Não. Não, não, não, não... Senti meu corpo enrijecer. Eu estava triste, eu estava com raiva. Tudo o que eu mais queria era gritar. Entrei na cozinha sem fazer qualquer barulho. Apertei minhas mãos junto ao corpo. Tudo o que eu sentia agora era raiva, muita raiva. Eles não podiam ter escondido isso de mim. Ouvi um som de vidro se quebrando, era a jarra de suco. Estava completamente despedaçada. Tudo o que eu era, o que eu vivia, era uma enorme mentira. O piso onde eu estava se partiu no meio.

- Então é verdade! Você mentiu pra mim! Vocês todos mentiram para mim – lágrimas escorriam cruelmente pelo meu rosto. Deixando traços de fogo por onde passavam. Os dois me olhavam atônitos, pareciam paralisados. Virei e saí correndo.

  Eu não sabia para onde eu ia, eu não sabia, o que eu iria fazer a partir daquele dia. A única coisa que eu sabia era que eu havia perdido o meu chão.

  Passei pela porta dos fundos deixando que batesse com uma enorme força. Não olhei para trás para saber que alguma parte nela também estava rachada. Eu já podia ouvir os gritos de minha mãe (ou será que devo chama-la pelo nome: Estella?), e o chamado de Bruno. Entrei floresta adentro sem me preocupar com a escuridão da mata. Qualquer coisa era melhor do que voltar àquela casa de novo. Qualquer coisa.

  Como eles puderam? Como? Agora eu entendia tudo. Por isso que eles estavam tão estranhos ultimamente. Droga, droga, droga! Eles não podiam ter escondido que eu era adotada, não por tanto tempo. Faltava apenas uma semana para o meu aniversário de dezesseis anos. Já era tarde e eles sabiam disso.

  Parei de correr. Com isso tudo eu acabei me perdendo na floresta. Sentei em um tronco que havia ali perto, coloquei o rosto nas mãos e me pus a chorar.

**

  Não sei ao certo quanto tempo demorei para dormir, mas quando acordei ainda estava um bocado escuro. Levantei sentindo o rosto inchado por causa da choradeira. Quando de repente ouço um barulho vindo mata adentro. Olhei em volta para ver se era algum animal, mas não vi nada. Outro barulho. Olhei em volta: Nada! Comecei a andar olhando desesperadamente para os lados. Os ruídos estavam chegando cada vez mais perto. Pude ouvir uma risada baixa. Parei imediatamente. Eu podia ter sido mais inteligente e ter saído correndo, mas eu era apenas uma adolescente, e a ideia de algum idiota rindo às minhas custas me deixou completamente irritada.

- Quem está aí e o que quer? – gritei para o escuro.

  A risada ecoou pela mata.

- Escuta aqui seu idiota, eu acho melhor você parar de bancar o brincalhão e vir aqui falar comigo se tiver coragem – senti um repuxão na cabeça. Alguém estava puxando meus cabelos, forçando para baixo com muita força.

- Quem é o idiota aqui agora? – uma voz fria falou em meus ouvidos.

- Você, seu... Seu covarde – joguei o cotovelo para trás, tentando acertá-lo como em um golpe que eu vi em um filme. Mas assim que comecei a correr ele me acertou com uma pedra no braço. Segurei o braço esquerdo com a mão direita e continuei a correr.

 Ouvi um rugido.

- Você não desiste, garota imbecil – quando ele terminou de dizer senti algo perfurando minha barriga. Cai de joelhos com a dor. Levei minhas mãos até lá instantaneamente, retirando do lugar a faca que ele havia enfiado, gritando ao fazê-lo.

- Sua tola – ele me xingava enquanto me dava tapas no rosto e me jogava contra o tronco de alguma árvore. Agora minha cabeça também estava cortada. – Eu sabia que isso ia acontecer, eu disse a ele...

- Ele. Quem? – perguntei, já com falta de ar.

- Cale a boca! – ele chutou minhas pernas.

  Tive a impressão de ter visto minha vida passando como em um filme diante dos meus olhos. Eu ia morrer. Lembrei-me de Bruno, de minha mãe, Estella, de Petter, de Bia e, por mais que eu tenha tentado não pensar, de Derek. Eu nunca os veria novamente. Havia acabado. Eu já podia sentir o torpor subindo por meu corpo, já dormente. Eu já não sentia mais dor. Apenas o torpor. Meus olhos foram se fechando.

  A morte era fácil. Tranquila. Era um momento de paz e calma. No fim de tudo, não era tão ruim assim.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Sonhos Reais - Tudo Pode Mudar..." morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.