Lágrimas por Amor escrita por Aki Nara
Umi Obara poderia passar por uma garota comum que acabava de completar dezessete anos e deveria estar participando da Feira Cultural na escola, mas ainda estava ali... Vendo o mundo através da escuridão, quer dizer, ela ainda não enxergava, porém ouvia bem os sons ao seu redor... Ela sentia muito medo de estar ali.
Eles explicaram todo o procedimento que fariam com ela, mas as palavras não a tranqüilizaram, os sons que vinham até ela eram de instrumentos que não conhecia... A inconsciência havia sido um alívio. Desta vez, muito tempo longe do orfanato, ela havia percebido que seu mundo era bastante restrito, que se resumia a ir do orfanato para a escola e vice-versa, só que o mundo era bem maior e existiam muito mais coisas nele do qual ela não tinha conhecimento.
No leito da enfermaria, ela esperava pelo médico que retiraria as ataduras do rosto. Seria imaginação ou ouvia o som de passos se aproximando, seu coração batia descompassado e amassou o lençol de tanto que o segurou. A porta correu, os sons dos passos estavam bem mais próximos e ouviu a cortina se fechar.
_ Bom dia, “pequena rosa do mar”. Como passou a noite? – finalmente os passos cessaram, a voz agradável e calma do doutor Kenzo Kaneshiro se fez ouvir. – Está preparada para ver a luz do dia?
_ Bom dia, Dr. Kaneshiro. Eu... Não sei...
Ouvia o médico folhear a papeleta e escrever algo começou a lhe desatar a atadura, sentia as mãos dele roçando sua face.
_ Não se preocupe. Vai dar tudo certo. Mas só abra quando eu mandar.
Ela aguardou, afinal o que eram mais alguns minutos comparados aos anos em que esteve no escuro. O doutor passou um líquido em seus olhos antes de dar um pequeno puxão.
_ Está bem. Abra agora, mas bem devagar.
Ela abriu lentamente, os olhos pareciam grudados, aos poucos a escuridão dava lugar para uma luz branda, piscou várias vezes, conseguia distinguir as cores, mas seu foco estava embaçado. Uma imagem no fundo apareceu, tinha o formato de uma pessoa, era o doutor.
_ Muito bom – ele focou uma luz em seus olhos. – Olhos claros e límpidos. Consegue me ver?
_ Sinto com se tivesse areia em meus olhos, mas o senhor me parece mais bonito doutor.
_ Não tenha dúvidas. Sou um homem muito bonito – ele riu com gosto. – Quando puder enxergar nitidamente irá para casa. Desculpe...
_ Não tem importância, doutor. O orfanato é meu lar... Pelo menos até completar 18.
_ Você já pensou no que vai fazer? Quando tiver que deixar o orfanato?
_ Ainda não – suspirou. – Nem sei se passarei para o terceiro ano do científico. Não faça perguntas difíceis, doutor. Eu dou um jeito quando chegar à hora. O mais difícil eu já consegui, não é mesmo?
_ Sim... – ele sorriu antes de sair.
x-x-x
No corredor um rapaz andava com os ombros baixos. Para ele a vida não tinha mais nenhum sentido. Por quê? Uma avalanche de emoções se misturava naquele momento: revolta, zanga, raiva, culpa...
Tremia sem razão, as mãos crispadas, um suor frio escorria por seu rosto. Ele sempre voltava como num ciclo vicioso para o lugar em que recebeu a notícia de que nunca mais veria Maya.
Ele se encostou à parede fria, cerrando os olhos e então, ante a lembrança do funeral, sentia o estômago revirar... Nada naquele dia pareceu real, nem a foto de Maya, nem o som de choro dos amigos, nem o cheiro de incenso, nem a voz monótona do monge recitando o “okyo” e nem mesmo ele, sentado sobre as pernas cumprimentando os pais dela.
O que era real? Talvez, a dor em seu peito, um ferimento aberto, pulsando quente e tão nocivo quanto o pior veneno. Caiu num pranto convulsivo que lhe retirava o ar dos pulmões, nem mesmo um grito desesperado saído de sua alma conseguia aliviar aquela dor e começou a socar a parede com toda a força. Maya tinha levado com ela a sua fé na vida.
_ Asuka Tsuki! – o médico o agarrou para que não continuasse a se ferir. – Pare! Isso não vai adiantar. Maya não gostaria de vê-lo assim...
_ Como você consegue ser tão frio, Kenzo niisan? Ela era sua irmã!
_ Venha! – puxou-o pelo pulso para que o acompanhasse.
Kenzo Kaneshiro entrou em seu consultório largando as pranchetas que carregava sobre a mesa. A mão de Asuka sangrava na altura das nódoas, o médico puxou-o com força para que se sentasse na cadeira enquanto tratava seu ferimento.
Um longo silêncio se estendia entre eles, quebrado ocasionalmente pelos soluços que o rapaz tentava conter limpando os olhos com a manga da camisa ou pelo som metálico dos instrumentos manuseados pelo doutor.
_ Enxuga esse rosto! O que aconteceu foi uma fatalidade. Poderia ter acontecido com qualquer pessoa.
_ Mas foi com ela! – gritou ainda irado.
_ Escute! Sou médico. Já me habituei com a morte, mas isso não quer dizer que não sofro por ela. Maya sempre foi uma luz em nossas vidas e vai ser difícil não tê-la por perto.
_ Ela... Nós nunca mais a veremos.
_ Não veremos a minha irmãzinha em carne e osso, mas uma parte dela ainda viverá... E depois, ainda a guardaremos aqui... – Kenzo apontou para o peito e depois para a têmpora – e aqui.
_ O quê? Como assim... Uma parte dela ainda viverá?
_ Ela sempre disse que queria ser uma doadora de órgãos. As córneas dela foram doadas para outra pessoa.
_ Quem?
_ É confidencial. Mas posso dizer que foram para a pessoa certa.
_ Doutor, Kaneshiro! – a enfermeira entrava esbaforida. – É uma emergência.
_ Volte pra sua casa, Asuka. Não quero mais te ver daquele jeito, entendeu?
O rapaz aquiesceu acenando a cabeça e o médico saiu satisfeito correndo logo atrás da enfermeira. Ele já ia embora quando seus olhos avistaram as pranchetas largadas sobre a mesa. Confidencial! Folheou as pranchetas.
Havia três casos para transplante de córneas. Ele não queria pensar nas conseqüências de seus atos, mas não titubeou diante da caneta e do papel, anotou os nomes e os endereços. Ele mesmo procuraria saber e decidiria se os olhos de Maya estavam com a pessoa certa.
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