– Alice? Alice? Ah poxa, Lice acorda – fui despertada por Annabel me chacoalhando.

– Ah, o que foi senhorita apavorada? – eu disse resmungando.

– Estão procurando quem roubou a comida, há meu Deus, falaram que vão fazer o ladrão andar na prancha. E agora Alice? O que nós vamos fazer? – ela disse com os olhos arregalados.

Eu a encarei, arqueei uma sobrancelha e comecei a rir, Annabel franziu o cenho e cruzou os braços.

– Bel... – eu falei me sentando na cama – você tem que parar de ser tão assustada. Fique tranquila ok? Eles só estão fazendo isso pra ver se algum marujo da mole e confessa, eles não vão levar isso a serio, nem foi tanta comida assim.

– To começando a achar que isso não é para mim.

– Que isso garota. As coisas podem assustar as vezes, tem que se acostumar, eles são meio tumultuados assim mesmo, é a vida pirata. E você sabe, que eu nunca faria nada que coloca-se você em perigo.

Ela suspirou.

– Eu sei, mas é que fiquei assustada, desculpa.

– Esta tudo bem, só fique mais tranquila e curta mais.

Ela assentiu e logo sorriu.

– Ok, mas você também poderia curtir mais... sabe né? – ela piscou.

– Beeel – resmunguei.

– Ah, cadê a toda destemida Alice agora? E nem me venha com essa de que “para ele somos só amigos, ele nem sente nada por mim” que depois de ontem, amiga... se você tinha alguma duvida ela se foi pelos ares.

Eu dei um pequeno sorriso.

– Ok, mais o que eu exatamente faço...

– Meninas – Angélica bateu na porta e entrou.

– Oi mãe.

– Olá Angélica.

– Oi – ela disse dando um beijo na testa de cada uma de nós – vim ver se precisavam de ajuda com a roupa para Annabel, mas estou vendo que já arrumaram.

– É, chegou tarde – eu falei sorrindo.

Espera ai. A Angélica geralmente tem uma ótima noção de tempo, provavelmente ela sabia que já se passara um dia desde que a Annabel esta aqui, o que ela queria falando de roupa só hoje? Onde ela estava esse tempo todo... calma, eu não vi muito ela não – ta certo que dormi grande parte do dia, mas mesmo assim – e o Jack depois que eu o vi no timão ele sumiu... será que eles...

– Na realidade chegou bem na hora – Annabel disse tirando-me dos meus devaneios – sabe, já que você é a mãe, quem sabe ela te ouça melhor.

– Beeeeel – eu choraminguei.

– Como? – minha mãe perguntou.

– É que...

– Ela deve estar ocupada Bel.

– Não, na realidade não tenho nada para fazer durante algum tempo. Então, o que você estava falando Annabel?

– Há, - Bel deu de língua – Bom Angélica, a Alice finalmente admitiu que gosta do Will e...

– Annabe l – eu a censurei.

– A Alice? – minha mãe sorriu – eu te falei, não falei – ela disse bagunçando meu cabelo.

– Todo mundo falou, só ela que não se tocava.

Eu enfiei a cabeça debaixo das cobertas com vergonha.

– Eu suspeito que os dois se gostem há algum tempo, ao menos é o que ficou claro para mim nesse tempo que estou aqui.

– Tem razão Annabel. Fora todas as intriguinhas entre os dois, isso é tão comum... – Minha mãe disse rindo.

Eu levantei a cabeça e olhei para ela, Annabel estava abafando uma risada e eu comecei a rir. Ela estava comparando nossas brigas com a dela e do Jack?

– Não tem como voltar a trás não é mesmo? E fingir que a bocuda da Annabel não disse nada.

– Não mesmo. Até porque estava ficando claro demais, ao menos da parte dele. – minha mãe disse.

– Por quê?

– Quando você foi sequestrada, meu Deus, só faltou ele pedir ajuda ao Barbossa para trazer você. Na ilha quando o Jack me contou que você foi ferida o Will tentou me acalmar, falando que estava com você e viu que era mais um susto do que algo grave e que estava tudo bem. Ele gosta de você querida.

Respirei fundo.

– E o que isso significa exatamente?

– Bom, na minha opinião – Angélica começou e eu me sentei na cama novamente – demonstre, apenas demonstre o que você sente.

– Fazendo...

– Exatamente o que você sempre fez, deixe as coisas acontecerem, não fuja de seus sentimentos, viva-os, e tudo dará certo.

Eu abri um grande sorriso.

– Obrigada mãe – eu a abracei.

– Que tal irmos respirar um pouco de ar puro? – ela disse sorrindo para mim – está um dia lindo lá fora.

Nós duas assentimos. Assim que saímos vimos o sol brilhando no alto do céu, com certeza um dia maravilhoso.

– Angélica, pode vir aqui? – Jack berrou de cima do timão.

– Bom, vamos ver o que ele quer. – ela disse indo em sua direção

– Sabe Lice, se quiser eu posso das um empurrãozinho....

– Bel – eu a encarei – deixa que eu vou fazer isso do meu jeito, ok?

– Ok, mas faça viu.

Nós duas começamos a rir.

– Oi – Daniel apareceu atrás da Annabel e a puxou para perto dele, eu virei as costas.

– Ops – eu disse quando esbarrei no Will.

– Cuidado ai – ele falou sorrindo. – Bom dia.

– Bom dia.

– Ficou sabendo dos marujos tentando descobrir quem roubou a comida?

– Se fiquei sabendo? Fui acordada por uma Annabel toda desesperada.

– Serio? – Will gargalhou.

– Não é engraçado tá! Hum. – Annabel falou atrás de mim.

– Foi sim Bel, você tinha que ver a sua cara.

– Tá, pode ser que tenha sido um pouco engraçado.

Nós quatro rimos.

– Acho que o tempo bom esta prestes a mudar. – Daniel falou.

Eu me virei para onde ele estava apontando. Um turbilhão começava a se formar e junto com ele nuvens pretas com raios. Franzi o cenho e fui ate a borda do navio, ao longe era possível de ver uma movimentação estranha na água.

– Pai – eu berrei e Jack me olhou e depois desviou a atenção para onde eu apontava.

– Virar a estibordo – Jack disse.

Virei para a direita e vi um pequeno bote entrar no olho do redemoinho e ser lançado para fora com uma velocidade incrível. A água continuava com uma movimentação estranha, e cada vez mais era possível ver que um redemoinho se formava no mar. Subi em um banco baixinho que estava ali e inclinei-me mais para frente a fim de ver melhor.

– Alice, cuidado. O que você esta vendo? – Will disse colocando uma mão na minha cintura segurando-me.

– Isso não é normal – eu disse apontando para o redemoinho.

– Vamos desviar dele, agora se ajeite antes que você caia – falou me puxando pela cintura e me fazendo voltar ao chão.

– Não, eu estou falando, isso não é normal – eu disse o encarando.

Corri até o timão para ver se tinha uma melhor visão, olhei para o Jack, ele estava analisando o redemoinho. Bel, Daniel e Will apareceram do meu lado. De repente estavam todos ali, os marujos no convés olhando para nós que estávamos ao redor do timão.

– Onde nós estamos Will? – perguntei com a voz entrecortada.

Ele arqueou uma sobrancelha confuso.

– Por favor Will – berrei – Me diga onde nós estamos.

Ele olhou um pouco no mapa.

– Messina, porque?

Coincidência ou fato, o Jack com certeza conhece a historia, porque ele nos traria para cá? Olhei para o Jack e ele sorria.

– Caríbdis – eu falei baixinho.

Jack se virou para mim e voltou a observar o mar, Gibbs e Angélica se entreolharam. Encontrei os olhos do Will me encarando e eu sustentei o olhar, como se estivéssemos um completando o pensamento do outro.

– Isso não é bom, não é nada bom – Gibbs falou.

– Ca o que? – Annabel cutucou o meu braço.

– Caríbdis, uma historia de marinheiro que...

– Parece ser bem real, que historia é essa? – Daniel perguntou.

– Bom, Caríbdis era uma ninfa que tinha um apetite muito grande...

– Voraz – Will me interrompeu – ela devorou alguns dos bois que Héracles levava, e quando tentou brigar com Héracles, Zeus a fulminou com um raio, mandando-a para o fundo do oceano.

– Mas ela não morreu – continuei – ela nadou até uma caverna nas pronfudezas do mar para curar suas feridas, e dizem que lá, se transformou em um monstro horrendo.

– Que faz enormes redemoinhos onde as embarcações são engolidas. Um dos poucos, ao menos conhecidos, que passaram pela voracidade de Caríbdis foi Odisseu que caiu no mar e foi arrastado por um turbilhão feito por ela. Ele conseguiu se salvar agarrando-se no mastro do navio antes de se afogar, mas sua tripulação não teve a mesma sorte

– Na tradição Caribdis é normalmente relacionada a Scylla, outro monstro marinho tenebroso. Dizem que quem consegue sair de uma acaba caindo na outra armadilha desses monstros, quem consegue passar por Caribdis e Scylla é considerado herói, tamanha a força dessas monstruosidades.

– Scylla tem uma beleza rara, porém da cintura para baixo crescem muito tentáculos, cada um terminando em uma cabeça de raposa, que quando uma embarcação chega perto, começam a rosnar e alertar Scylla do perigo.

Olhei para o Will que sorriu, todos prestavam atenção em nós dois contando a história.

– Homem ao mar – um pirata berrou.

– Imbecil, vai servir de comida para a monstrinha – eu falei revirando os olhos.

Essas palavras fez um marujo parar antes de se jogar ao mar.

– Seus medrosos, vão pulem e morram – eu falei – se querem ter alguma chance é bom que fiquem aqui e sigam a ordem do capitão.

Eles pararam o fuzuê que estavam fazendo e esperavam a ordem do Jack.

– Preparar canhões – Jack berrou.

Lá em baixo os marujos corriam feito loucos para a batalha.

– A meu Deus – Annabel me parecia mais apavorada do que nunca, se é que isso é possível.

– Quando eu digo que mulheres a bordo dão azar – Gibbs resmungou.

– Jack, você certamente sabia de Caríbdis, porque veio para cá?

– Alice querida, os espanhóis estão atrás de nós.

– Você vai alimentá-la com eles?

Annabel arfou atrás de mim.

– Além de chegarmos mais rápido ao templo por aqui, já nos livramos deles – Gibbs disse – Boa Capitão.

Jack abriu um sorriso mostrando seus dentes de ouro.

– Podemos fazê-la engasgar, ouvi falar também que ela inspira e ao soltar o ar forma os redemoinhos, se a engasgarmos quem sabe consigamos passar por ela sem tanto trabalho – minha mãe disse.

– Temos que cuidar de Scylla também, deixar os espanhóis para as raposas famintas – Elizabeth disse de trás da minha mãe.

– Temos que cuidar também é de não cair no redemoinho feito no mar por ela, porque senão, adeus Pérola, adeus vida – eu disse.

Jack me olhou como quando eu falei do Pérola.

Virei de costas para eles e puxei minha espada. O navio balançou e jogou todo mundo para a direita enquanto descíamos para o convés.

– O que foi isso? – alguém berrou de algum lugar.

– Esta tudo bem, fiquem todos calmos – Elizabeth falou se levantando.

– Você não percebeu a intenção do Jack enquanto ele estava navegando para cá? – Perguntei entre berros ao Will.

A tempestade agora estava sobre nós, o azul do céu se transformou em preto num piscar de olhos, os raios clareavam tudo de uma forma bizarra e os trovões gritavam alto.

– Não exatamente, eu não lembrei da historia de Caríbdis, estava ocupado demais pensando numa forma de acabar com os espanhóis, acho que o Jack pensa por todos afinal.

– Ele é louco, isso pode matar muita gente.

– Vale tudo na guerra sabe.

– Espero que isso não acabe atrasando o nosso destino final.

– Segundo o Jack é para acelerar.

– Assim espero.

Annabel e Daniel se aproximaram de nós, o Daniel estava pensativo.

– Alice?

– Bel?

– Eu nem sei segurar essa coisa direito, o que devo fazer? – ela disse segurando desajeitadamente uma espada na mão.

– Mantenha-se viva, fora do alcance do monstro, nunca, em hipótese alguma chame a atenção dele para você.

– Viva, não chamar atenção, fora de alcance. É acho que é possível.

– Fique calma, quem já derrotou o Kraken uma vez consegue derrotar Caríbdis. Temos Jack, Gibbs e Elizabeth, eles tem experiência – tentei fazer piada, a julgar pelo rosto da Annabel não funcionou.

– Deus amado, que coisa é aquela.

Virei para trás para ver o que ela via. Ao lado do navio surgia da água uma forma estranha e escamosa que logo afundou novamente.

– Bom, hora de ir ao trabalho. – eu falei, Bel assentiu.

O navio chacoalhou novamente e a cabeça do monstro surgiu da água, parecia um réptil gigantesco e escamoso, que olhava furiosamente pra o navio a sua frente, Caríbdis bateu no navio de volta e um som gutural saiu de sua garganta.

Will estava ao meu lado, perto da borda do navio, com um braço na minha frente.

– Credo que coisinha mais feia – Daniel falou.

Estava ele e Annabel, espadas a posta, encarando o lugar onde o monstro mergulhou.

– Ela é gigante, meu Deus – Bel falou.

– Quem diria que um dia foi uma linda ninfa heim? – Will falou.

Nós estávamos cada vez mais perto do redemoinho. O animal bateu novamente no Pérola, com mais força que nas outras vezes, tive que me segurar para não cair.

Com a mão ainda na minha frente Will não conseguiu se segurar e foi lançado para fora do navio, eu segurei rapidamente sua mão, ele ficou pendurado do lado de fora do navio, apenas se segurando na minha mão estendida.

– Will – arquejei assustada.

Meu braço começava a doer, quando o Daniel chegou ao meu lado, segurando o outro braço de Will e o puxamos para dentro novamente no momento em que Caríbdis, com um urro gutural, chegava onde Will estava. Will caiu em cima de mim, ofegando.

– Ah meu Deus Wil... você... você esta bem? – eu disse tocando seu rosto desesperadamente para me certificar que ele estava ali.

Seus olhos encontraram os meus e ele enxugou uma das lagrimas que caiam nas minhas bochechas com o dedo indicador.

– Eu achei que, achei que não ia conseguir, eu... eu quase morri de susto, como você esta, pelo amor de Deus, fala alguma coisa – eu disse desesperada.

– Shhhhh – ele disse roçando seus lábios nos meus. Eu continuei de olhos abertos surpresa com a sua atitude, ele sorriu – vamos acabar logo com esse monstro – ele disse no meu ouvido.

Will se levantou e me deu sua mão como apoio para eu me levantar. Com um sorriso eu virei para o lado e rasguei a pele escamosa do monstro ao meu lado.

– Vamos acabar logo com isso – eu concordei.