Jogos Vorazes: Rue escrita por Nhami


Capítulo 2
Adeus




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- Rue Locile!

O nome ecoa pelas ruas. Sou eu, penso. Encontro o rosto de Alexandre, no meio da multidão que rodeia a praça. Ele está quase chorando, com uma das mãos apertando forte a de minha mãe, e a outra a de Melline. Começo a caminhar até o palco. Tenho que ser forte para meu irmãozinho. Como ele vai aprender a pular de árvore em árvore, agora? Cerro os punhos. Faltam 50 metros para eu alcançar o palco. Da última vez que o levei para o topo de uma, ele quase caiu. Todos olham para mim com um misto de alívio e pena. Abaixo a cabeça. Ele quase caiu. 40 metros para eu alcançar o palco. Mas eu o segurei. 35 metros. Quem vai segurá-lo se eu não estiver aqui? 20 metros. Marco. Ele vai ter que cuidar de todos. 10 metros. Ele é o mais velho. 5 metros. Mas ainda é tão jovem. Subo as escadas e me posiciono ao lado de Summer. Ela olha com repugnância para meu vestido sujo.

- Quantos anos você tem, Rue?

- Doze – eu respondo. Percebo que a minha voz está tremendo, como se eu fosse começar a chorar a qualquer instante. Não vou, é claro, porque dois dos meus irmãos estão me vendo no palco. Os outros também devem estar, pensando bem, nos telões que estão espalhados por todos os lados. Há um perto do pomar; assim os trabalhadores que não são elegíveis podem assistir a Colheita, como manda a lei, e voltar ao trabalho o mais rápido possível depois – Tenho doze anos.

- Doze... – Summer repete. Depois se vira para a multidão – Algum voluntário?

Todas as crianças elegíveis parecem ter desenvolvido uma súbita curiosidade pelos seus sapatos. Mas está tudo bem. Eu nunca pediria para alguém se voluntariar por mim. E ninguém se voluntariaria, mesmo se eu pedisse. Sendo do Distrito 11, é uma sentença de morte. Somos todos desnutridos e nunca aprendemos a manusear qualquer tipo de arma. Bem, talvez enxadas. Mas quem tentaria lutar contra os Carreiristas com uma enxada? Finalmente eu me acalmo. Não há nenhuma possibilidade de eu sair viva. Marco vai ter de cuidar dos menores, mas ele se sairá bem. Eu vou para a arena e vou tentar sofrer de uma morte rápida. Assim, talvez, meus irmãos não ficarão sofrendo muito com pesadelos. Summer continua com a cerimônia.

- Ninguém? Muito bem... vamos escolher nosso tributo masculino! – Ela anda para o lado do globo com milhares de tirinhas e põe a mão bem no fundo dele. Ela puxa um papel e anuncia o tributo, mas não consigo prestar atenção no que ela fala. Ainda estou pensando em como vou fazer para ser eliminada na arena. Talvez eu participe do Banho de Sangue na Cornucópia. Os Carreiristas, nesse estágio dos Jogos, não tentam dar um grande espetáculo para o público, de modo que eu não demoraria para morrer. Eles só se interessam em eliminar o maior número possível de competidores na Cornucópia.

Um garoto da seção de 18 anos avança. O reconheço do Edifício de Justiça, onde recebemos nossos grãos da téssera. Ele é enorme, com pele escura como a minha e olhos castanhos. Ele deve trabalhar nos campos, onde plantamos grãos. O plantio de grãos, na verdade, é trabalho do Distrito 9. Mas existe uma parte do nosso Distrito que também cultiva cereais e grãos. Lá o trabalho é mais pesado. Não te dão comida a mais para ajudar a suportar, mas você ganha uma boa forma física. E ele me parece forte. Muito forte. Talvez o Distrito 11 tenha um vitorioso, no final das contas. Isso seria bom para minha família. O garoto sobe as escadas e se põe ao meu lado. Ele não parece assustado, apenas muito zangado, como se culpasse todos os que estavam ali por estar mandando-o para a arena. Summer nos manda apertar as mãos e nos viramos de frente um para o outro. Ele parece me perceber pela primeira vez e a raiva em seus olhos se abranda. Ele perde a carranca e aperta minha mão com gentileza. Ele está com pena de mim. Logo depois, Summer encerra a cerimônia e o hino de Panem começa a tocar.

Somos escoltados para o Edificio de Justiça. Dois Pacificadores me seguram pelos cotovelos e praticamente me arrastam pelo caminho. Um deles é o que me chicoteou mês passado. Logo estamos subindo no elevador, caminhando por um corredor estreito e eles me jogam para dentro de uma sala. Caio no chão e espero. Ouço a porta bater. Assim que tenho certeza de que estou sozinha eu me levanto, aliso meu vestido e olho em volta. É bonito, mas não bonito Capital. Bonito aconchegante. Um sofá pequeno, uma mesa de centro baixa com um vaso de flores, um tapete claro. Sento no sofá e espero.

Começo a me lembrar de detalhes idiotas da minha vida, como meu último dia de aula antes do período da safra, ou colheita, começar. Sobre como eu não prestei atenção na aula, apresar dos meus pais sempre me incentivarem a estudar. Sobre como, depois da escola, tentei ensinar Alínia a atirar com meu estilingue. Depois de pegarmos algumas pedras não muito grandes, empilhamos algumas latas em cima de galhos e começamos a treinar. Foi um desastre no começo, mas quando ela estava mirando em uma lata que eu havia colocado em cima de um galho baixo da árvore que fica no fundo do nosso quintal, um ganso selvagem passou voando e foi atingido na cabeça. Ele caiu e antes que pudesse voar novamente eu o alcancei e torci seu pescoço. Não foi uma cena bonita e Alínia chorou até sentir o cheiro da ave sendo assada. Não dormimos com a barriga propriamente cheia, mas comemos muito mais naquele dia do que em um dia normal. Me senti terrivelmente culpada pelo ganso: eu nunca havia matado nada antes. Geralmente era meu pai que terminava com os pássaros que eu derrubava, mas mesmo isso era raro. Geralmente as aves se recuperam no meio da queda e nem chegam a atingir o chão, então é compreensível meu sentimento de culpa, imagino.

A porta da sala simpática se abre e minha mãe e Alexander entram. Eu sei que deveria ser forte por eles, mas não consigo. A possibilidade de nunca mais ver meus irmãos me deixa com um bolo na garganta. Começo a chorar compulsivamente e logo sou imitada pela minha família.

Depois de alguns minutos de choro e abraços, Alexander quebra o silêncio:

- Rue, a Melline foi procurar o papai e os outros. Eles já devem estar vindo.

- Não, já é ruim o bastante que você tenha que me ver chorar, Alex. Não vou me despedir dos outros. Não quero assustá-los.

- Rue,- minha mãe interrompe – eles já estão assustados.

- Mas... – eu começo a argumentar, mas sou interrompida quando dois Pacificadores entram na sala conduzindo meu pai e o resto dos meus irmãos. Eles falam para eu me despedir de minha mãe e de Alexander. Tento pensar em alguma coisa para dizer, mas, como não encontro nada, acabo só abraçando os dois. Eles saem da sala e a última coisa que vejo antes da porta fechar é minha mãe, olhando por cima do ombro com desespero.


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