-Tia o que eu vou fazer sem ele? E tudo por culpa do imbecil do meu pai.

-Lembrar do seu pai Lizzy é muito difícil para a sua mãe.

Antes que eu pudesse dizer alguma coisa, escutei um barulho de passos e ergui os olhos para ver quem era, Harry se aproximava encarando o chão.

-Acho que está na hora de eu entrar. – minha tia falou ao ver que era ele quem se aproximava.

-Não precisa. – Harry falou rápido olhando de mim para ela. – eu só vim para... – ele parou de repente me encarando de uma forma que eu não conhecia.

-Veio por que? Se me lembro bem você me deu as costas.

Ele não disse nada, ficou apenas me encarando, eu virei para olhar minha tia. A verdade era que Harry não sabia por que estava ali, depois de tudo ele só queria saber se eu estava bem.

-Por que minha mãe não quer me dizer quem é meu pai? Quer dizer, eu mereço saber e não pode ser tão ruim assim.

-As lembranças que sua mãe tem do seu pai não são boas Lizzy. – minha tia falou rápido visivelmente querendo quebrar o clima ruim.

-E o que houve? Ela foi estuprada por acaso?

Minha tia engoliu a seco, eu a encarei.

-Não tia, não me diz isso, minha mãe não foi estuprada, foi?

-Ela e a Anne estavam voltando da escola quando dois caras as atacaram, a Anne conseguiu fugir, sua mãe não.

Eu fiquei paralisada, que espécie de coisa era aquilo? Então eu era fruto de uma violação? De um crime? Por isso minha mãe me odiava tanto?

Encarei o Harry e consegui reconhecer desespero em seu olhar, sim, era desespero e não surpresa.

-Você sabia disso? – constatei ao encará-lo, Harry abriu a boca visivelmente para dizer alguma coisa, mas as palavras ficaram presas em sua garganta. – você sabia e não me contou?

-Lizzy eu...

-Você o que? Quando você soube? Desde quando sabe? – perguntei desesperada.

-Eu soube há alguns dias- ele falou rápido. – e eu não ia te contar.

Eu o encarei abismada, lágrimas começando a escorrer pelos meus olhos.

-Como assim?

-Eu não queria te deixar para baixo.

-Bom trabalho Styles, você é um traidor é isso o que você é, você não tinha o direito de esconder isso de mim.

Ele ficou quieto apenas me olhando nos olhos.

-A primeira coisa que deveria ter feito era me ligar avisando! – gritei desesperada. – eu não acredito que ia esconder isso de mim.

-Eu ia. – ele enfim pareceu recuperar as palavras.- eu só estava tentando te proteger de todo esse horror.

-Você não tinha o direito, a vida é minha Harold não sua, eu sei o que é melhor pra mim.

Harry encarou a minha tia.

-Steph...

-Sim, entendi. – minha tia falou nos encarando. – acho que vocês precisam conversar.

Minha tia entrou nos deixando a sós, minha cabeça queimava de ódio, ele não tinha o direito.

-Quantas vezes eu te disse que era importante pra mim encontrar meu pai? Saber dele? E você descobre e esconde?

-Eu fiquei com medo da sua reação, fiquei com medo que você voltasse a...

-Voltasse a? – o encarei afastando as lágrimas dos olhos. – a me cortar? – falei ao identificar aquele receio nos olhos dele.

-Isso mesmo. – ele assumiu. – não sei se suportaria te ver daquela forma novamente.

Eu fiquei quieta, eu lembrava de quantas vezes Harry segurara minha mão e me abraçara enquanto eu estava passando por tudo aquilo.

-Eu não podia, desculpe.

Ele não disse nada enquanto eu simplesmente o encarava.

-Me desculpa Lizzy.

Eu o encarei e virei as costas entrando rapidamente, naquele instante eu não queria mais ficar perto dele nem por mais um minuto.

-O que está acontecendo? – minha mãe apareceu no topo da escada para mais uma vez me azucrinar.

-Nada. – minha tia falou rápido aparecendo do nada. – a Liz só está um pouco triste.

-Pode acender fogos de artifício mamãe, agora sou eu que não quero mais o Styles por perto. Satisfeita?

Ela não respondeu de imediato, eu subi correndo para o meu quarto, minha tia me seguiu.

-Meu anjo, posso falar com você um minuto?

Enxuguei os olhos e a encarei.

-Fala.

-Olha sei que talvez você não queria escutar isso, mas eu acho que o Harry estava certo em não querer te contar.

-Como é? Tia ele mentiu pra mim.

-Ele estava querendo te proteger, Lizzy se fosse o contrário, se o Harry estivesse no seu lugar, você contaria a verdade?

Eu fiquei quieta, contaria? Eu ia querer ver o Harry sofrer da forma que eu estava sofrendo? Não, era claro que não, eu daria minha vida para nunca vê-lo chorar.

-Pensa nisso. – e assim minha tia me deixou sozinha.

Quando minha tia saiu eu fiquei sozinha no quarto, estava transtornada, com raiva de tudo e de todos, da minha mãe por não me dizer o que tinha acontecido, do Harry por ter me escondido que sabia, como eles podiam ter escondido aquilo de mim? Como? E afinal, será que ela tinha registrado queixa? Quer dizer, meu pai podia estar na cadeia, não? Eu também estava com raiva da minha tia por insinuar que eu tinha uma queda pelo Styles, e principalmente dele por me deixar sozinha quando eu estava tão confusa.

Segui direto para o banheiro e parei de frente ao espelho, me encarei e respirei fundo, havia algum tempo que eu não fazia mais aquilo, mas o momento estava me obrigando a descarregar a tensão de alguma forma e aquela era a única que eu conhecia.

Lembrei das palavras do Harry, se ele não queria me contar por medo que eu voltasse a fazer , não tinha dado muito certo no fim das contas.

Peguei uma lâmina que estava em meu quarto, sentei na banheira encarando meus braços, as antigas cicatrizes, cada uma delas me contava uma história distinta, me remetia a um passado diferente, distante, mas presente. A cada novo corte, uma nova história pra contar. Foram palavras guardadas decepções acumuladas lágrimas sufocadas Foram sorrisos por cima de mentiras. Mentiras por cima de cicatrizes. Foram gritos ignorados e retidos. Foram pessoas erradas, sentimentos enganados. Foi raiva de mim mesma. Foram tentativas de perfeição. Foi um nada que resultou em um tudo.

Respirei fundo deixando que uma lágrima rolasse pelo meu rosto, ergui os olhos e encarei meu reflexo no espelho, olhei a lâmina em minha mão, dela de volta ao meu corpo e comecei a chorar com mais intensidade, o reflexo no espelho só me mostrava uma garota fraca e idiota que prometera há muito tempo nunca mais voltar a fraquejar, mas estava prestes a fazer aquilo novamente.

Promessas, promessas e mais promessas, eu também já havia escutado algumas e no momento nenhuma delas estava sendo cumprida. Criei coragem e recomecei o ritual, fazendo pequenos cortes horizontais nos dois pulsos, enquanto me cortava junto com a sensação de liberdade e de alivio, sempre me invadia uma tristeza profunda, pois eu sabia que uma vez que eu começasse não conseguiria mais parar.

Voltei para o meu quarto como sempre voltava depois de fazer aquilo, me sentindo inútil, impotente, uma imbecil. Olhei na direção da janela, ele não estava lá e nunca mais estaria, mas se Harry Styles pensava que eu ia correr atrás dele ele estava muito enganado.