Sombras escrita por Yukitsuki Shion


Capítulo 1
Capítulo I - Metamorfose


Notas iniciais do capítulo

Toda história possui um começo... mas o começo de uma história não precisa ser exatamente por onde ela se inicia. Do presente, somos apresentados a um dos lados da moeda, uma das faces do espelho. Quando menos perceber, estaremos no passado, onde tudo começou. Quem é bom, quem é mau? Existe um fundo de verdade em tudo isso?



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Não foi minha escolha nascer assim. Não foi minha escolha morrer assim. E não foi minha escolha reviver dessa maneira. Quando olho para trás, tudo que vejo são ilusões. Quando olho para frente, não consigo ver nada; nada além de uma sucessão infinita de dias e noites, luz e sombras. Até que um deles seja o último, o dia no qual minha existência será arrancada e então eu terei uma surpresa em muitos anos: o que virá depois disso?

Condenado a vagar, não posso ir para o céu nem para o inferno. Por ser uma criação proibida, não tenho salvação. Sem salvação não preciso de sonhos nem metas. A única coisa que me resta é aceitar minha sede e continuar nesse estado mórbido, saciando a ânsia dentro de mim. Cada vez que os instintos vencem, quando o desejo supera a razão, uma vida inocente vai embora.

Olho no espelho e o mesmo rosto está ali. Pálido, cabelos claros, olhos frios. Os traços nunca mudaram, enquanto o tempo devorou tudo que criou à minha volta. Várias vezes, em vários lugares. Tudo que me resta são as lembranças, e esse casulo morto e úmido, do qual não consegui me separar para ir adiante. Ainda me lembro de como tudo começou, na aldeia de L’Espoir. [...]

Vivíamos em uma casa rústica, no meio da floresta. Desde a morte de meu pai em uma das jacqueries, minha mãe havia se tornado o cerne da casa. Conhecia as propriedades de muitas plantas e ganhava a vida como parteira e curandeira, dia após dia com seu livro de “receitas”.

O fim de tarde estava chuvoso e o céu cinzento era rasgado por raios que estremeciam as paredes. Minha mãe se preparava para ir à cidade vizinha para outro trabalho. Eu não podia deixar que ficasse em casa por minha culpa. A mão parou perto da tigela de água e com um pouco de esforço a mesma serpenteava entre meus dedos, um filete deslizava por minha pele até chegar à minha testa, amenizando a sensação de febre. A porta se abriu. O fio de água saiu do meu controle e se desfez. – Você parece melhor. Mamãe voltará em breve. – Eu mal podia imaginar que aquele sorriso seria minha última imagem dela, a mais doce lembrança. A noite caiu com tudo e meu corpo ardia em febre. Olhos turvados e uma dor lancinante se espalhava em mim. Eu sabia que era meu fim e no fundo agradecia por isso: eu queria ir. Um ruído diferente e a porta do meu quarto se abriu. Ele aparentava a mesma idade que eu, tinha roupas elegantes e porte nobre. Facilmente confundido com um príncipe, eu não entendia o que ele estaria fazendo ali. – Finalmente encontrei você. Eu sempre o quis, desde a primeira vez que nos vimos. Não queria chegar a isso, mas você não voltou mais ao castelo. Eu lamento. – Os traços se tornavam cada vez mais atrativos, enquanto os caninos cresciam com um brilho pálido. Aos poucos eu me forçava a lembrar de tudo. Era o filho do conde, moravam no castelo onde eu levava as maçãs do feudo. Ele se inclinou sobre meu corpo e o toque gelado de sua pele em meu pescoço só me fez fechar os olhos. E aceitar o fim, enquanto a pele era perfurada e o sangue drenado. Com ele a dor, até que minha consciência desaparecesse. Quando acordei, ao seu lado, eu havia perdido mais que os sentidos; minha humanidade havia se esvaído, como grãos de areia em uma mão aberta. – Ficaremos juntos. – Foi a primeira promessa que recebi dele.[...]

Debruçado sobre a ponte, sou obrigado a relembrar cada ato da tragédia. Como doeu ver tudo que eu amei um dia desaparecer como pó e cinzas. O vento frio me traz de volta a realidade e Londres começa a ser acariciada pelas primeiras gotas de chuva. A fome grita e preciso satisfazê-la. – Com licença, tem algo que eu possa fazer por você? Parece perdida por aqui. – Ela sorri. – Não estou perdida, apenas vagando. – Sei que não sentirão sua falta antes de dois dias, então é seguro prosseguir. Antes que ela possa se dar conta, começamos a caminhar por um dos becos da parte velha e o sussurro entorpece seus sentidos gradualmente. – Não precisa mais do cachecol... – O tecido escorre devagar por seus ombros até chegar ao chão, ficando em uma das poças. Ela não sabe de mais nada, não tem mais medo ou coragem. Só me resta colocar seu corpo entre o meu e uma das paredes, começando a extrair cada gota de sua vida. Assim que termino, deixo o corpo apoiado no chão, com um pequeno rosário entre as mãos e os olhos fechados. Uma expressão serena, as feridas cobertas. – Descanse em paz, ninguém pode tirar isso de você.



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Notas finais do capítulo

Esta é a minha primeira história; na verdade, fico até receoso pela maneira como será recebida, não se parece muito com as fanfics tradicionais, mas acho que inovar é algo legal às vezes! Então todas as críticas, elogios e sugestões são bem vindas. ^^