Fiquei observando o sol se pôr por entre as árvores. Algumas estrelas já salpicavam no céu, e animais de hábitos noturnos já saíam de suas tocas para caçar.

Os sons noturnos da floresta já não me assustavam há muito tempo. Na verdade, entre as árvores, eu me sentia protegida de tudo e todos. Me sentia mais próxima do meu pai, enquanto olhava onde fora o provável último local em que ele estivera vivo.

"- Kay, você não pode vê-lo. - O amigo de meu pai me impedia de olhar para meu pai deitado no sofá.

- Mas eu quero! - Gritei, segurando mais forte o filhote machucado de lobo no meu colo. O filhote soltou um uivo baixo em protesto.

- Kaylah?... - Ouvi um suspiro. - Filha?Me abaixei e passei por debaixo dos braços do amigo do meu pai antes que ele pudesse perceber o que eu estava fazendo.

- Papai! - Falei, me abaixando ao seu lado. Seu rosto estava pálido e suado. Suas vestes, que antes eu considerava uma armadura, estava rasgada na altura de seu abdôme. Marcas de arranhões se espalhavam por todo seu corpo, e era visível a força que ele fazia para se manter acordado.

- Prometa-me, filha... Não vá com os lobos... - Ele gemeu, fechando os olhos. - Prometa-me, Kaylah!

- Eu... Eu prometo, papai. - Murmurei, pegando em suas mãos ensanguentadas. - Mas não vai embora, por favor, papai.

- Desculpe, filha. - Ele acariciou tremulamente meu rosto, e segurou em meu ombro. - Agora será seu trabalho proteger sua mãe. - Ele suspirou, e fez uma careta de dor. Fechou seus olhos, me puxando para um abraço. - Desculpe por todo o sangue... Eu a amo. - Senti seus olhos se fecharem de vez. Os braços dele se tornaram flácidos, e caíram de minhas costas. O filhote de lobo uivou, e eu comecei a chorar, me agarrando no casaco de meu pai.

- Papai... Papai... - Comecei a chamar, sem ter nenhuma resposta. O amigo dele - que hoje eu preferia não lembrar do nome - me carregou para fora da sala.

- O que ele te disse, filha? - Ele perguntou, me segurando firme.

- Não me chame de filha. - Falei, me agitando em seus braços. Ele me soltou, e eu corri o mais rápido que pude para dentro da floresta."

Naquele dia, eu passei a noite por entre as árvores. Às vezes correndo, por vezes parada no chão, ou em cima de alguma árvore.

Fora a pior noite da minha vida, mas me lembro que naquele dia, eu comecei a procurar o significado das palavras dele.

"Não vá com os lobos".

-

As estrelas estavam com um brilho misterioso nesta noite. Me lembrava muito a noite que eu havia passado na floresta. Da mesma forma como aquela noite, o vento sussurrava coisas. Uivos surgiam de todos os cantos, e as árvores pareciam abrir espaço para olhos multicoloridos espiarem a clareira onde eu estava. E, como sempre, eu não sentia medo.

- Olá? - Ouvi uma voz conhecida falar em um tom meio alto à minha esquerda. Me sobressaltei; virando meu corpo para o lado de que havia vindo a voz.

- Quem está aí? - Chamei.

Alguns arbustos começaram a se agitar, e o pavor começou a subir por meus membros.

- Kaylah? - A outra pessoa falou, agora saindo da escuridão e vindo até minha linha de visão. - O que você está fazendo aqui?

Me sentei no tronco caído atrás de mim, a energia maníaca de pavor me abandonando completamente.

- Sou eu quem deveria te perguntar isso, Kaleb. - Resmunguei, com raiva.