Peguei outra flecha contrariada, não gostava de usá-lo, o arco parecia grande e pesado demais para se encaixar em minhas mãos, mas desde a competição onde tive que usar a espada, entendi que precisava aprender mais sobre as outras armas. Escolhi o arco e flecha por achá-lo parecido com minhas facas, mas era absurdamente ridículo como eu não conseguia acertar o centro do alvo.

Bufei irritada quando a flecha se cravou alguns centímetros longe do coração do boneco, como poderia ser tão difícil?

- Tente abaixar um pouco os cotovelos, ergua mais o arco, deixe-o próximo a boca - a voz irritante de Cato preencheu meus ouvidos, mas ao invés de me irritar com ele, tentei fazer o que ele instruíra.

- Não - ele me repreendeu, chegando próximo a mim e encostando levemente seus dedos em meu braço, os colocando na posição adequada. Ignorei o calafrio que percorreu meu corpo com o pequeno contato e as estranhas sensações que invadiram meu estomago quando me lembrei do beijo no dia anterior, se é que aquilo poderia ser considerado um beijo, visto que foi apenas um roçar de lábios - Agora solte, devagar.

Fiz o que ele disse e qual não fora minha surpresa ao acertar o centro do boneco.

 - Eu consegui! - exclamei surpresa, enquanto ele gargalhava atrás de mim.

- Claro que sim - ele murmurou.

- O que faz aqui? - eu perguntei, tentando não soar muito acusadora.

Ele tirou de sua cintura um facão, sorrindo inocentemente.

- Não foi só você que teve essa ideia - ele falou sorrindo debochadamente.

- Pensei que se garantisse com sua espada, Stroke - eu murmurei ironicamente.

- E eu com suas facas, Spalding - ele rebateu. Revirei os olhos, contrariada.

- A colheita é nesse fim de semana, tenho que estar preparada para a arena - resmunguei, pegando outra flecha e mirando no alvo novamente.

- Digo o mesmo - ele murmurou, enquanto começava a duelar com um boneco do outro lado do salão.

Eu bufei, me concentrando nas flechas, estava fácil agora, mas era irritantemente grande demais para eu me adaptar.

- O que acha sobre o que eles disseram? - perguntei de súbito, sem me virar para encará-lo.

- Quem? - ele perguntou, levemente ofegante.

- Brutus e Enobária - respondi baixo.

- Está realmente pensando nessa aliança? - ele perguntou e eu senti que ele havia parado de lutar.

Dei de ombros.

- E o que fez mudar de ideia? - ele fez outra pergunta e eu me virei para ele, observando seu sorriso de deboche - Por acaso foi o beijo de ontem?

Senti meu rosto ficar vermelho, mas não sabia se era vergonha ou raiva. Mirei o arco em sua direção, mas ele desviou facilmente antes que a flecha o atingisse.

- Tem que treinar mais, querida - ele se aproximou, rindo - Ou sou eu que a desconcerto?

- Cale a boca, Stroke! - murmurei entredentes.

- Eu tenho uma ótima ideia de como fazer isso - ele riu maliciosamente, segurando em meus pulsos e juntando nossos corpos. O arco escapou de minhas mãos ao mesmo tempo em que minha boca se abria em um ofego surpresa.

- Saia de perto de mim - tentei soar ameaçadora, mas minha voz falhou vergonhosamente.

- Tem certeza que é isso que você realmente quer, Clove? - ele me prensou contra uma parede qualquer - Diga-me que não sonhou com o que aconteceu ontem. Diga-me que não queria mais que apenas aquilo. Diga-me isso que eu me afasto, querida.

- Eu... - tentei encontrar minha voz, mas seus olhos azuis me desconcertavam o suficiente para que eu não conseguisse pensar direito. Era irritante o fato de ele ser muito mais alto que eu e em como eu tinha que ficar na ponta dos pés para encará-lo.

Ele me olhava divertido, esperando que eu completasse a frase.

- Você? - ele incentivou, aproximando ainda mais nossos corpos e nossos rostos - Diga, Clove.

Eu soltei a respiração que eu não fazia ideia que havia prendido e fechei os olhos, tentando pensar com clareza, longe daqueles instigantes olhos azuis.

- Sou eu quem a deixo assim, minha querida? - eu podia sentir sua respiração morna em meu rosto, ele largou um de meus pulsos e segurou em minha cintura, me puxando para cima, de modo que a altura entre nós diminuísse um pouco.

Abri os olhos e ofeguei com a proximidade de nossos rostos. Ele ainda possuía um sorriso em seus lábios, mas seu olhar se tornou mais escuro, enquanto observava minha boca.

- O que estão fazendo? - uma voz irritada adentrou a sala de treinamento e eu me separei abruptamente de Cato, que não parecia nem um pouco abalado com o que acabara de acontecer, enquanto minha respiração estava rápida e ofegante.

- N-nada - respondi a Enobária, que nos olhava desconfiadamente.

- Seja o que for, irá ter que parar agora - ela falou severa - A colheita será em três dias, logo vocês estarão nos Games, onde somente um poderá ganhar e qualquer coisa que os desviem desse objetivo deve ser imediatamente cortada, vocês entenderam?

Eu assenti, sem olhá-la nos olhos. Era a primeira vez que eu não conseguia encara-la, tamanha era a vergonha e o ódio que eu estava sentindo.

- Ótimo, de noite haverá a reunião com os outros ganhadores e os carreiristas que também querem entrar nos Games. Vocês são os favoritos a entrar, mas deverá acontecer uma competição antes, para ver quem serão os que representaram o Distrito dois esse ano. Quero que trabalhem juntos, serão uma equipe agora, se um não for escolhido o outro também não participará, entenderam?

Eu olhei para ela assustada, por que ela havia feito isso?

- Vocês têm que ignorar suas diferenças - ela falou severa - O Distrito dois terá grandes chances de vencer esse ano, mas apenas se vocês se mantiverem unidos.

- Tudo bem - Cato resmungou e eu a olhei incrédula - Esse é o último ano que eu tenho para me oferecer como tributo, eu estarei naqueles games, mesmo que para isso tenha que trabalhar junto contigo, Spalding.

- Clove? - Enobária chamou, esperando minha decisão.

- Está certo - murmurei a contragosto, sabia que essa poderia ser a única chance de entrar para os games e, mesmo sem admitir, eu sabia que Cato seria o mais apto a formar uma equipe comigo.

- Ótimo - Enobária murmurou - Amanhã acontecerá a competição, será em dupla, apenas outras duas duplas competirão com vocês, mas não os subestimem. Sabemos que vocês são os melhores em facas e espadas, mas eles conseguem ser relativamente bons em todas as armas, fora que sabem trabalhar perfeitamente em equipe, coisa muito diferente do que acontecem aqui.

Eu bufei impaciente e Enobária me lançou um olhar cortante.

- Sugiro que passem o dia juntos, se conheçam melhor e treinem como uma equipe. Nos vemos na reunião de hoje - ela terminou de falar, saindo da sala em seguida.

- Ótimo - resmunguei irritada, me sentando em uma cadeira que havia por perto - O que vamos fazer?

- O que ela mandou - ele suspirou cansado - Sugiro uma trégua, até depois da competição. Precisamos ganha-la e só conseguiremos isso se nos unirmos.

Eu o olhei desconfiada, enquanto ele me estendia a mão.

- Ah, vamos lá Clove! - ele falou exasperado - Sabemos que seremos praticamente invencíveis juntos!

- Certo - murmurei a contragosto, apertando suas mãos que irritantemente davam o dobro da minha.

Ele riu, provavelmente também fazendo essa observação.

- Vamos vencer isso, minha querida.