– Acorda garotão – ouvi a voz do Malfoy vir de muito longe e depois, um grande tapa acertou minhas costas.

– Vai se depilar, bicha loira – disse com a voz sonolenta, virando para o outro lado da cama e me cobrindo até a cabeça com o edredom.

– Você sabe que horas são? – ele perguntou – Já é quase hora do almoço!

– E daí? Hoje é feriado – joguei meu travesseiro nele, irritado.

– Você que sabe – ele deu de ombros – Mas não vai se esquecer de colocar as meias hein! - avisou e um pouco depois, ouvi a porta do quarto bater.

Meias? Ele endoidou de vez? Por que eu me esqueceria de colocar as meias?

Comecei então a pensar no que eu havia feito ontem enquanto encarava o teto do quarto. Treino de futebol, as roupas do Malfoy e do Zabini boiando na piscina, o quase beijo com a Astória e... Oh meu Deus, Gina.

Levantei com um pulo da cama, olhei as horas no visor do celular. Quinze para as onze.

Certo, eu estava perdido.

Saí tropeçando nos lençóis e chutando roupas que estavam espalhadas pelo chão. Cheguei ao banheiro e tomei um banho rápido. Voltei ao quarto e coloquei a primeira calça e camisa que eu via no armário. Uma calça jeans escura e uma camiseta branca, com algumas palavras em azul marinho. Apanhei um par de meias e meus tênis. Já ia calçar as meias quando me lembrei do que o Malfoy disse, então decidi conferir.

Dentro das minhas meias havia muito creme de barbear. Eles precisariam ser mais espertos se quisessem me pegar. Apanhei outro par na gaveta e coloquei os tênis.

Corri para fora do dormitório e saí as pressas do prédio 6. Cheguei ao edifício principal, onde havia o refeitório e as salas de aula e corri para o armário de limpeza, que ficava no final do corredor.

Abri a porta com pressa e encontrei Gina encostada na parede, dormindo sentada. Vestia uma blusa azul marinho cheia de estampas de cerejas. Uma calça jeans coladinha e um all star preto.

– Hey – me agachei ao seu lado e segurei seu rosto – Acorde.

Ela despertou assustada e me olhou sem entender.

– Calma, ruiva – disse de imediato quando ela tentou tirar minhas mãos de seu rosto - Sabe, você devia parar com essa coisa de treinar de madrugada. Ficar dormindo em armários de limpeza não é muito comum por aqui – brinquei e um pequeno sorriso se formou em sua boca.

– Você está atrasado.

– Eu sei, me desculpe. Dormi demais.

– E eu de menos.

– Estou vendo – me levantei e a puxei pelo braço. Gina levantou também e logo soltou minha mão.

– E então?

– O que? – perguntei confuso.

– Me fala quem é essa garota que roubou seu coração... – tirou de dentro da sua mochila uma caixinha de suco de uva, colocou um canudinho nele e tomou um gole.

– Você já deve saber quem é – a olhei tomar o suco.

– Para de drama e me fala de uma vez – ela deu uma cutucada na minha barriga e eu me encolhi.

– Tá, eu não vou te enrolar. É a Astória Greengrass.

– Padrão – ela deu de ombros, com o canudinho na boca.

– Como?

– Loirinha, peitudinha, burrinha feito uma porta... – ela foi listando.

– Ela não é burra – discordei.

– Nott, ela me perguntou se a palavra amora tinha dois erres.

– Ok, talvez ela seja um pouco, mas isso não tem nada haver.

– É claro, você não deve estar interessado em papo. Vai usar a boca dela para outra coisa – jogou a caixa de suco em uma lixeira ao nosso lado e me olhou contendo um sorriso.

– É... – eu fiquei sem saber o que falar – Por onde começamos?

– Não sei. Não tenho a mínima ideia de como você é, do que seria capaz para seguir com isso...

– Vamos ao McDonald’s? – perguntei a interrompendo, totalmente alheio à conversa. Estava com fome.

– McDonald’s? Mas o que isso tem haver com a Astória?

– Nada, eu só quero um hambúrguer – dei de ombros e ela riu.

– Não pode comer um hambúrguer aqui, na cantina?

– Que cantina o quê! Eu quero um hambúrguer de verdade.

– Então vá você - ela abriu a porta do armário e saiu. Fui atrás dela.

– Vem comigo. Vai dizer que você é daquelas que só existem à base de saladinhas e coisas verdes nojentas? – perguntei emparelhando ao seu lado.

– Olha bem para minha cara, Nott – ela apontou para seu rosto com o dedo indicador.

– Fale a verdade. Uma saladinha ou um hamburgão? – questionei e ela inclinou um pouco seu rosto, como se estivesse pensando.

– Um hamburgão – respondeu e eu sorri.

– Então, Senhorita Weasley, venha comigo – passei o braço em volta de seus ombros e a puxei contra mim. Ela cambaleou um pouquinho e me olhou desconfiada.

– O que? – perguntei sem entender.

– Nada – ela disse enquanto passávamos pelo meio do refeitório.

– Não acredito em você – parei na sua frente e a olhei – O que foi?

– Nada de importante – ela desviou o olhar do meu – Vamos?

– Espere – segurei seu pulso quando ela tentou fugir – Tem alguma coisa te incomodando?

Sua fala estava trancada na garganta, e eu senti sua pulsação aumentar enquanto segurava o seu pulso. Ela respirou fundo e começou a falar, mas uma terceira voz irrompeu atrás dela.

– O Nott? Francamente, Weasley, você podia encontrar outra pessoa para me fazer ciúmes – O Potter disse debochado e cruzou os braços, nos olhando com se fôssemos uma grande piada. Gina se virou para ele e eu, consequentemente, fiquei atrás dela.

– Ciúmes? – a ruiva questionou.

– Se não fosse isso, o que mais seria? – continuou com o tom de deboche e senti Gina dar uma recuada. Deu um passo para trás e acabou encostada em mim. Me olhou pelo canto dos olhos, não sabendo o que fazer.

– Nós somos amigos – me coloquei à frente de Gina e já ia avançar no Potter, mas ela segurou meu braço.

– Amigos? – soltou uma risada desdenhosa – Sei, acredito – fez um sinal positivo com a mão.

– Algum problema com isso, Potter? – senti Gina me segurar mais forte.

– Problema? – ele se fez de desentendido.

– Pelo o que me parece, o único com ciúmes aqui é você – sorri irônico – Por que teria vindo até aqui se esse não fosse o motivo? – o encarei, sínico.

Ele ficou calado, tentando formular uma resposta convincente enquanto eu controlava uma risada.

– É, foi o que eu pensei – disse quase explodindo de prazer ao ver a cara que ele fez. Um misto de vergonha e raiva eram expressas por ele – Vamos, Gina? – a olhei e ela assentiu, ainda agarrada ao meu braço – Até mais, Potty – acenei com a cabeça para ele e peguei a mochila das mãos de Gina, a colocando sob meu ombro direito logo depois. Segurei a mão da ruiva e seguimos para fora do refeitório, atraindo olhares e deixando para trás um Potter perplexo.

– Obrigada – ela agradeceu e soltou minha mão.

– Não agradeça – peguei sua mão novamente, a apertando levemente – Eu faria isso de novo se fosse preciso.

– Está com fome? – perguntou sorridente.

– Muita – confessei.

– Topa um hamburgão? – arqueou uma sobrancelha, olhando para um táxi estacionado na entrada do campus.

– Só se for agora – a puxei e corremos até o táxi, rindo e fazendo caretas engraçadas.

Entramos no carro, ofegantes de tanto correr e quase enfartamos ao olhar o motorista. Um homem gordo e careca. Estava mordendo um cachorro quente e tinha o bigode lambuzado de mostarda.

Olhei para Gina, ela olhou para mim, olhamos para o taxista e ele olhou para o cachorro quente. Não me contive, soltei uma gargalhada abafada e Gina me deu um tapa na perna.

– Para onde vamos? – e homem perguntou simpático, olhando para nós dois no banco de trás, limpando o bigode com um lencinho de papel.

– McDonald’s – Gina disse sorrindo para o gorducho. Ele sorriu de volta e ligou o carro.

– Hey, cara – toquei o ombro do taxista – Gostei do seu bigode – comentei com aprovação. Gina me olhou e não sabia o que fazer. Se me dava um soco ou se ria até ter uma convulsão.

– Valeu, garoto – o homem agradeceu – O nome dele é Jimmy. Aparo ele todos os dias.

Jimmy? Ele dava um nome para o próprio bigode? Estranho.

– Você já experimentou deixar crescer um pouco? Poderia fazer trancinhas nas laterais – comentei interessado. Gina enterrou o rosto entre o meu pescoço e meu ombro, aparentemente disfarçando uma risada.

– É uma boa ideia rapaz – o rosto do taxista pareceu se iluminar – Com certeza vou experimentar. Jimmy tem de dar uma mudada no visual.

Rimos mais um pouco e aproveitamos o passeio de carro. Gina, aparentemente com sono, encostou a cabeça no vidro da janela.

– Vem aqui – a puxei para perto e deitei sua cabeça no meu ombro.

– Não precisa – ela tentou negar, se afastando novamente, mas eu insisti.

– Deixa de frescura – a puxei de novo. Ela deitou a cabeça e se abraçou no meu braço. Fechou os olhos e sua respiração foi ficando mais relaxada.

Alguns minutos se passaram e Gina havia adormecido.

– Bela namorada – o taxista me tirou de meus devaneios. Deixei de olhar para a janela e o encarei.

– Ela não é minha namorada – comentei tentando conter um sorriso.

– Oh, me desculpe, é que vocês, bem... – ele foi se enrolando.

– Tudo bem – comentei o aliviando. Ele nada disse no resto da viagem.

Olhei para a ruiva deitada ao meu ombro. No mesmo momento, senti-a apertar suavemente meu braço. Sorri involuntariamente ao toque e recostei minha cabeça no topo da sua.

Olhei para o vidro retrovisor e notei o olhar do motorista.

– Amigos né? – ele comentou.

– Engraçadinho – revirei os olhos.

– Só comentei – ele levantou as mãos, as tirando do volante por uns dois segundos.

– Sei – discordei e soltei uma risada baixinha.

Sim, apenas amigos – pensei comigo mesmo – Será melhor assim.