POV Leticia

Formas. Foi à primeira coisa que me veio a mente.

Formas parecidas com aquelas que você vê por trás das pálpebras quando pressiona os olhos por que está com dor de cabeça. Apenas formas, flutuando no espaço.

Fiquei olhando e me perguntando o que seriam. Elas pareciam amebas. . . Não. . . pareciam o cabelo das meninas em baixo d’água na piscina, quando nos fizeram nadar na aula de educação física.

Espera aí. O que eu estava fazendo na aula de educação física? Será que caí dentro d’água? Mas eu não estava me sentindo molhada. Tinha certeza que não. . . Eu não estava molhada, não é?

Como é que eu poderia estar vendo os cabelos de Jen e Jess embaixo d’água se eu nem estava molhada? Talvez meus olhos estivessem não estivessem abertos. Eles estavam fechados ou abertos? Por que será que eu não conseguia erguer o braço tocar o meu rosto e verificar? Minha mão parecia tão pesada. . . Eu nem conseguia levantá-la. . .

Tão cansada. . .

Ouvi vozes. Alguém estava dizendo coisas. O que era? Não conseguia entender. Estava cansada demais para entender. Por que não me deixavam dormir?

Espera aí. Aquela era a voz do papai. Era o papai que não parava de falar. Papai e ... Quem? Jeniffer. Aquela era a voz da Jeniffer. Papai e Jen conversando. Estavam dizendo coisas. Queriam me acordar. Por que? Por que não podiam me deixar continuar dormindo?

- Leth! Leth! Se você estiver me ouvindo, abra os olhos! Abra os olhos Leth, apenas por um segundo. – disse meu pai desesperado

Estava ouvindo barulho de gente chorando, odeio gente chorando. Por que será que me sentia tão cansada?

- Leth! Por favor! Por favor, abra os olhos. – agora era a voz da Jen, reconhecia aquela voz até em coma.

Ela parecia bastante nervosa, talvez o apartamento estivesse pegando fogo. Talvez eu devesse fazer o que ela estava pedindo.

- Por favor, Leth. . . – essa voz eu não reconhecia. Quem será que era?

Tentei abrir os olhos, assim talvez eles parassem de chorar. Tentei mesmo. Queria abri-los.

Mas simplesmente. . . não consegui.

Ouvi a voz estranha consolando Jeniffer, murmurando:

- Está tudo bem, Jen.

- Em casos como este – uma voz estranha estava dizendo. Uma voz de homem. – não é raro que. . .

Não ouvi o resto do que ele falava porque estava ocupada demais tentando abrir os olhos. Só que não estava conseguindo. As pálpebras não levantavam. Era como se fossem feitas de chumbo e eu estivesse fraca demais para levantá-las.

Então, tentei abrir a boca para explicar para aquelas pessoas que estavam ali que não precisavam chorar, estava tudo bem, só cansada demais.

Mas descobri que também não conseguia abrir a boca.

Fiquei um pouco assustada. Só por um minuto. Mas a verdade era que eu estava cansada demais. . . Era bem mais fácil mergulhar no sono de novo. Vou falar com eles mais tarde, decidi. Vou dizer que estava cansada demais para fazer o que ela pedia. Precisava recuperar as energias. Eu ficaria bem com mais algumas horas de sono.

Por fim, consegui abrir os olhos. Não por que alguém estivesse pedindo. Eles apenas abriram.

Sozinhos.

Mas quando isto aconteceu e eu olhei em volta, fiquei surpresa por ver que não estava em nenhuma piscina, nem em casa, mas na cama de um hospital.

Dava para perceber que era um quarto de hospital por que, embora estivesse bem escuro – tinha de ser um pesadelo – nada me parecia familiar. As paredes eram beges e não vermelhas brilhantes iguais as do meu quarto (eu não suportava a tinta acinzentada que cobria as demais paredes do nosso apartamento).

Pelo menos não fiquei com medo, por que Jessica estava sentada em uma cadeira ao lado das máquinas, dormindo.

Tentei pensar no motivo pelo qual eu estaria no hospital, com fios saindo de mim. Na verdade sou uma pessoa muito saudável e só fui parar no hospital uma vez, quando quebrei o braço caindo na piscina. Será que caí de algum lugar? Mas não me lembro de ter subido em nada. Como acabei no hospital? Eu não me sentia dolorida.

Só super, hipercansada.

Jessica parecia péssima, fiquei pensando por que ela estava assim, mas não quis acordá-lo para perguntar, pois isto seria muito egoísta da minha parte.

Por outro lado. . . eu estava com tanta sede. Sério, morrendo de sede.

Mas não parecia haver mais ninguém por ali. E, considerando todos os fios e tubos que saíam de mim, meu problema deveria ser bem grave.

Abri a boca e tentei chamar Jessica. A princípio nada aconteceu.

Tudo bem. Tentei falar Jess e nenhum som saiu da minha boca. Tentei mais umas duas vezes até conseguir emitir algum som e, ainda sim, foi mais um grunhido do que uma palavra.

- Jess?

Só que a palavra soou estranha. Não sei por que.

Mas Jess acordou mesmo assim, arregalando os olhos para mim.

- Hã?. . . LETH?- ela disse pulando da cadeira

- O-oi- disse eu- sinto muito. . .

Ela acendeu a luz da sala, depois de meus olhos se acostumarem com a luz, percebi que ela havia feito ‘’californianas’’ roxas nas pontas do cabelo. Estava péssima,parecia que havia chorado antes de dormir.

- Meu deus Leth, você tá me ouvindo, Leth? – ela disse se aproximando de mim.

- Claro, eu estou com tanta sede. . .

Ela olhou para mim assustada, não sei por que seu olhar se direcionou para as minhas pernas, algumas lágrimas escorriam em seu rosto.

Saiu correndo gritando ‘’Doutor’’ ‘’Doutor’’ pelo corredor.

Não consegui, porém, deixar os meus olhos abertos nem mais por um minuto. Fechei-os pensando que eu poderia tirar uma soneca enquanto esperava Jess voltar.

Mas é claro que caí no sono. Mmmmmmmm. Sono. Doce sono.

Esperava não estar babando. Pensando bem, eles já devem estar acostumados com isso em um hospital.