Deep In The Meadow escrita por Joke


Capítulo 1
Back to reality




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Lembro-me de estar sentado, minhas mãos amarradas e boca tapada enquanto meus olhos ardem com a claridade de tantos monitores espalhados pelo meu campo de visão. Minha mente está confusa com as imagens que me mostram, todas com Katniss sendo a atração principal.

Sinto uma picada em meu braço e quase de imediato já posso perceber que perco um pouco da noção de espaço e profundidade, tudo começa a ficar nítido demais, o rosto de Katniss, suas feições de desaprovação ao olharem para mim, seus olhos me fuzilando. Começo a sentir uma dor gigantesca por todo o meu corpo, como se o seu olhar queimasse.

Algo dentro de mim cresce rapidamente, sentimentos que nunca havia experimentado tão intensamente:  raiva, ódio, desespero, agonia. Tudo junto, tudo aquilo querendo explodir, querendo sair de mim e de alguma maneira atingir Katniss.

“Tudo não passou de uma ilusão, Peeta.”, escuto a voz inconfundível de Coriolanus Snow, esta ecoa em meu cérebro tão alta e clara que penso até mesmo que vem da minha própria cabeça. “Tudo o que ela fez com você foi uma grande mentira, uma estratégia de jogo e nada mais, não foi real.”

Tento desviar meu olhar dos monitores e acabo recebendo outra picada no braço, a dor fica ainda mais alarmante, e minha visão mais aguçada, deixando somente os telões em foco, a raiva de Katniss em destaque maior, Katniss berrando comigo, Katniss me repreendendo, Katniss tentando me matar...

“Ela te usou, Peeta, você foi apenas uma peça no jogo.”, a voz de Snow continua com o tom cínico e frio, ainda mais alta e clara no meu cérebro, dessa vez, tento certeza de que é meu subconsciente falando comigo, alertando-me que Katniss não presta, que ela não passa de uma víbora assim como o próprio Snow.

A fúria dentro de mim aumenta. Quero fazê-la sofrer, quero torturá-la, quero matá-la. Ela nunca me usaria novamente.

Então Katniss sai da tela, olhos de cobra estão no lugar de seus olhos cinzentos que uma vez eu achei bonito, ela sorri para mim:

“Bem vindo aos verdadeiros jogos, garoto do pão”, e me ataca com suas presas de serpente.

Acordo com meu coração praticamente estourando, minha visão está embaçada e sinto que estou grudando por causa do suor. Por sorte a brisa refrescante da madrugada areja o quarto deixando o ambiente um pouco mais agradável do que onde eu estava em meu sonho.

Não, sonho não, usamos “sonho” apenas para quando vivenciamos algo bom em nosso sono. Pesadelo é a palavra certa.

Olho para o lado e vejo o corpo de Katniss deitado na cama, sua respiração está lenta, seus olhos fechados, suas feições relaxadas.

Levo minhas mãos a meu rosto e respiro fundo. Preciso me acalmar, tudo não passou de um mero pesadelo. Katniss não quer me matar.

Será mesmo? E se Katniss estiver apenas fingindo estar dormindo para me matar quando eu pegasse no sono novamente? Será que tudo isso não passa de um mero devaneio meu? Uma escapada da realidade sem Katniss do meu lado, sem seu amor, apenas o ódio de seus olhos?

Olho novamente para ela, como se pudesse levantar de repente e me atacar.

Saio da cama devagar, temendo acordá-la, e vou para fora do quarto com a insônia me cercando, meus pensamentos voltados para o que ocorreu, tudo tão confuso, tão intrigante.

Tão real.

Continuo a vagar pelo corredor escuro da minha casa, ou melhor, da minha suposta casa. Minha cabeça não está junto comigo, está em outro lugar, revendo minhas memórias procurando desesperadamente por uma explicação, por algum sinal de sonho ou realidade. Estou aqui no Distrito 12, vivendo a vida que sempre sonhei com Katniss, que me ama, numa Panem livre dos Jogos e da tirania da Capital.

Real ou não real?

Tão confuso...

Então algo me para, um pequeno barulho, como se fosse um choro baixo, vem detrás de uma porta ao meu lado direito, ela não está fechada, apenas encostada, deixando o som passar pelo pequeno vão entre o batente que chega até mim, fazendo-me mudar meu rumo para dentro do local de onde o pequeno choro provém. Abro a porta e me deparo com um cômodo pequeno, composto por quatro paredes brancas, um tapete felpudo lilás com vários brinquedos como bonecas e alguns animais de pelúcia espalhados em seu centro, e um berço onde posso ouvir o barulho do choro sair.

Eu me aproximo do berço com cautela, tomando cuidado para não pisar em nenhum dos objetos espalhados pelo solo, e acabo me deparando com um bebê, uma pequena garotinha. Ela está acordada, seus olhos azuis estão vermelhos e suas bochechas molhadas com suas lágrimas. Está assustada, provavelmente teve algum pesadelo durante a noite e agora chora por ainda ter as imagens ruins em sua cabeça infantil:

– Está tudo bem. – eu digo a ela com o tom mais suave que consigo alcançar, a menina me encara com seus olhos redondos, o choro cessa, agora sua atenção é minha. – Eu estou aqui.

Ela estica os bracinhos em minha direção, uma reação totalmente inesperada, convidando-me para pegá-la em meus braços, eu automaticamente estendo meus braços para ela, envolvendo seu corpo frágil e quente, trazendo-a para perto do meu peito.

É nesse momento que eu sinto algo diferente, quando seguro minha filha em meus braços, posso sentir a mesma alegria que senti quando a segurei pela primeira vez quando nasceu, posso sentir a mesma felicidade que senti quando segurava a mão de Katniss com força durante o parto, dando-lhe apoio, ou quando meus lábios tocaram os lábios de Katniss pela primeira vez e ela disse que me amava.

Tudo isso não poderia passar de um mero sonho, não, claro que não, ainda tenho as sensações guardadas na minha mente, todas intensas, todas realistas demais para serem apenas um sonho.

Minha filha olha para mim, me fitando com os olhos curiosos, sua testa vincada, como se soubessem que algo me incomoda. Eu sorrio para ela e começo a balançar seu corpo devagar, tentando fazer com que ela se sinta melhor:

– Nada de ruim vai acontecer com você enquanto eu estiver aqui. – logo lhe tranquilizo, beijando sua testa com delicadeza, sentindo sua pele quente e lisa contra meus lábios.

Não sei por quanto tempo fico parado agitando devagar meus braços, tentando fazer Primrue pegar no sono novamente, mas sei que à medida que o tempo passa, posso sentir a dúvida sair de mim, ser drenada pelo simples fato de estar com a minha filha em meus braços, puxando meus pensamentos de volta para minha cabeça, como se me devolvesse de novo minha lucidez do que é real e do que é apenas um devaneio.

O telessequestro foi real, as torturas foram reais, as mortes foram reais, os Jogos Vorazes foram reais. Entretanto, a rebelião, a vitória, o amor de Katniss, a paz, minha vida atual, isso também é tão real quanto qualquer outro acontecimento.

Primrue em meus braços é a prova disso.

Posso ver que seus olhos voltaram a se fechar, sua respiração está mais lenta e seu rosto relaxado, um leve sorriso expresso em sua boca, provavelmente está tendo um sonho melhor que o anterior. Com cuidado, eu a ponho de volta ao berço, dando-lhe um beijo na bochecha rosada e passando a mão de leve em seus cabelos negros e lisos:

– Obrigado. – agradeço antes de fechar a porta atrás de mim com meu sorriso ainda preso nos meus lábios.

Volto para o quarto, Katniss continua a dormir na mesma posição em que a deixei quando saí. Vou em direção à cama onde me deito novamente e fecho meus olhos sem medo de voltar para o pesadelo ou de duvidar da realidade novamente, pois agora sei distinguir o real do não real.

E posso afirmar que agora o que estou vivendo é real.


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Notas finais do capítulo

E então, o que vocês acharam? A opinião de vocês é importante para mim.