Céu escrita por Liminne


Capítulo 31
Capítulo 31 – Ritmo




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Todos jantaram com calma. Mai fora convidada para unir-se a todos e o fez educadamente.
- Bem... Acho que é melhor eu ir para minha... Hun... Casa. – Hitsugaya disse meio sem graça depois do jantar. Acabou escolhendo uma hora não muito boa para fazer uma visita.
- É... – Momo também estava um tanto desconfortável. – Obrigada por vir. – sorriu.
- Eu que agradeço. – ele fez uma pequena mesura e Momo o acompanhou até a porta.
- Volte sempre! – Rukia acenou para o menino. - Acho que vou fazer um pouco de chá. – em seguida focou os olhos em Mai, obviamente chamando-a para uma longa conversa.
- Deixa que eu faço isso! – Rangiku prontificou-se pela primeira vez. Só pelo clima dava para perceber que as duas precisavam muito daquela ajudinha.
- Muito obrigada. – Rukia agradeceu sinceramente.
As duas então foram caminhando para a sala quase inexistente do apartamento, composta por apenas um sofá vermelho, uma televisão e uma pequena mesinha de centro com algumas revistas e um removedor de esmaltes pela metade. Sentaram-se no sofá e ficaram alguns segundos em silêncio, respirando o mesmo ar só para ter certeza daquele fato.
- Então... – Mai começou, sentia-se no dever. – Shunsui-san disse que eu podia ficar... Se ainda houvesse espaço aqui.
Rukia olhou em volta e sorriu simpática, mas ao mesmo tempo meio duramente.
- Espaço é algo meio difícil aqui.
Mai suspirou. Não tinha ido até lá para falar de espaços.
- Certo. Não é esse o ponto. – sentiu-se confiante com o escorpião no pescoço. – Eu já morei aqui antes e sei da questão do espaço. O negócio é que... Eu não vou mais voltar para casa. Está fora de cogitação. Então me arranjarei do jeito que for.
Rukia meneou a cabeça de leve. Apertou um pouco as sobrancelhas. Ia esperar que ela terminasse, certamente tinha muito a dizer. Por algum motivo, estava tão feliz de vê-la ali, dizendo aquelas palavras, se esforçando...

- Rukia... – disse enfim, os olhos negros forçando-se a continuar fixos nos azuis. Havia deixado o orgulho naquele quarto de paredes vermelhas. Era nisso que pensava. Tudo que era preciso naquele momento era derrubar a falsa Mai e ressurgir das cinzas com a verdade. – Eu quero pedir desculpas. Antes de tudo, quero pedir desculpas... Você sabe o quanto menti para você e o quanto fiz mal a você inventando tantas mentiras... E me aproximei de você só porque me ameaçava... Mas eu fiz isso por um único motivo. E esse motivo nunca teve nada a ver com você. Eu estava o tempo todo impedindo a mim mesma de ter o que queria. E culpei você, porque culpar as pessoas é sempre mais fácil do que culpar a si mesmo e mudar a partir disso. – sorriu envergonhada, mas de coração puro e cabeça erguida. – Obrigada... Obrigada por me fazer enxergar isso. Por me obrigar a enxergar isso e não ter mais para onde fugir. Obrigada por me colocar contra mim mesma. – o sorriso agora mudou para cheio de gratidão verdadeira. Sentiu ímpetos de pegar as mãos daquela pequena mulher tão admirável. Hesitou um pouco, mas deixou seu coração falar mais alto e segurou-as repentinamente. – Obrigada Rukia. Será que... Será que poderia me desculpar?
- AAi! – Momo reclamou, Rangiku havia esbarrado o bule com o chá quente em seu braço.
- Shhh! – fez para ela com o dedo indicador nos lábios. – Eu quero ouvir a conversa! – sussurrou.
- Mas não precisa me queimar! – a outra sussurrou de volta passando a mão onde havia sido queimada.
- Acha que devo servir o chá? – a loira peituda ficou na dúvida.
- Agora não, agora não!
Rukia continuava em silêncio.

 Olhou por um instante para suas mãos tomadas pelas de Mai, mas logo voltou a fitar o bonito rosto da escorpiana. É claro que a perdoaria por tudo aquilo. Seu silêncio não era de dúvida, mas de contemplação.
Enfim, porém, sorriu para o alívio de Mai.

- É claro que eu desculpo. – respondeu e apertou calorosamente as mãos de Mai. – Por mim você será muito bem-vinda aqui. Isso é, claro, se você tiver feito a escolha certa.
- Escolha certa? Do que está falando? – a loira inclinou a cabeça confusa.
- Por que é que você veio pedir abrigo aqui? Certamente tem sua casa e ainda a casa de sua amiga Chiharu... – a baixinha deu uma pista.
Mai entendeu e sorriu.

- Eu vim porque quero recomeçar. – ergueu levemente o queixo. – Vou escrever para valer meu romance... Para publicá-lo. E vou trabalhar como modelo para pagar o aluguel.
- E sobre... – Rukia ia perguntar.
- A faculdade? Bem... Talvez eu volte algum dia. Para um curso que realmente combine comigo. Mas por enquanto pretendo colocar minhas idéias para fora. Fazer o que eu sempre quis. – sorriu para Rukia. – Eu sei que ser oncologista pode parecer um sonho muito mais nobre. Mas deixo esse desejo para pessoas tão nobres quanto. Eu vou correr atrás do meu sonho.
- Ótimo. – Rukia estava satisfeita, totalmente feliz por dentro. Aquilo sim, chamava de paz. – Então acho que, podemos arranjar um lugar para você ficar aqui.
Rangiku entrou nesse momento com o bule de chá, seguida de Momo com os copos.
- Eu sugiro o sofá. – Rangiku disse sinalizando com a cabeça para o sofá em que as amigas estavam sentadas.
- É o único lugar disponível... – Momo sorriu meio sem jeito.
Mai olhou das duas para Rukia, que ria.
- Okay. – disse, sem perder a dignidade. – Eu gosto de coisas vermelhas. – balançou a cabeça toda séria, mas acabou rindo também.

****

Já era sábado. A presença da loira escorpiana já havia ficado comum para aquelas que em pouco tempo já agiam como família. Apesar de ter que espremer quase um metro e setenta todas as noites em um sofá não tão grande e ser obrigada a fazer serviços domésticos dos quais não estava nem um pouco acostumada, Mai estava se virando bem sozinha. Trabalhava todos os dias no seu romance e conversava com Chiharu pela internet.

Mas é claro que ainda estava faltando um grande passo a ser dado... Mas ela estava se dando um tempo.
- Hoje é sábado! – Rangiku saiu do quarto animada para a mesa de café da manhã. Foi a última a chegar. – Já está ficando quente, preciso renovar meu guarda-roupa! Alguém quer ir ao shopping comigo? – sorria até demais para quem havia acabado de acordar.
- Não dá... – Momo lamentou. – Eu vou ao cinema com o Shiro-chan hoje.
- E você, Mai? – estava esperançosa. Sabia que as duas eram as consumistas da casa.
- Eu realmente não estou podendo comprar roupas... – sorriu meio sem graça. – E nem tenho onde enfiar todas que eu trouxe!
- Rukia...? – o desânimo começou a tomar conta de seu tom de voz.
- Desculpa... Mas eu preciso fazer uma coisa hoje... – segurou o copo de chá com as duas mãos e ficou com o olhar meio fora de foco.
As três entreolharam-se intrigadas.
- O que é, Rukia-chan? – Momo foi a primeira a perguntar.
- Vai sair com o Kurosaki? – Mai arriscou sorrindo animada.
- Ah! Que empolgante! – os olhos de Rangiku voltaram a brilhar.
- Bem... – ela continuava com o olhar meio perdido. – Eu preciso arrumar o terraço.
Todas paralisaram. Arrumar... O terraço empoeirado!?
- Rukia-chan... – Rangiku ficou preocupada e começou a abanar a mão na frente dos olhos azuis da jovem. – Você ficou maluca de tanto estudar, foi?
Momo riu.
- Isso é sério, menina! – Rangiku ralhou.
- Rukia, para quê você precisa arrumar o terraço? – Mai perguntou calmamente, como se Rukia estivesse mesmo sofrendo de algum choque.
- Será que alguém pode me ajudar? – ela saiu do transe e olhou para os três rostos preocupados. – Gente, eu estou bem. É só uma coisinha que tenho que preparar...
- Bom, acho que posso ajudar. – Mai disse dando de ombros.
Rukia sorriu aprovando.
- Ahn... Eu... – Rangiku já começava a vasculhar no cérebro alguma desculpa para se safar da tarefa chata.
- Ótimo! – Rukia apressou-se. – Vou ter ajuda de duas modelos, olha que lindo! Isso prova que vocês podem mesmo fazer de tudo.

Momo voltou a rir.
- Ahh... – Rangiku gemeu. – Gin, por que é que você desaparece desse jeito? – murmurou para o celular que segurava.
- Só espero que não chova hoje... – lançou o olhar para a janela lá do outro lado. – Preciso mais do que nunca de uma noite estrelada... – suspirou e tomou mais um gole de chá.

****

- Rukia-chan... – depois de uns dez minutos varrendo aquele terraço grande demais para sua beleza, Rangiku resolveu perguntar. – Pra quê afinal você quer limpar isso aqui? É algum desejo seu de muito tempo ou algo assim?
- Também. – ela riu com as bochechas levemente coradas. – É que eu tenho planos para essa noite.
Mai encostou a vassoura e apoiou-se nela.
- Eu sabia que ia sair com o Kurosaki. – sorriu maldosa.
- Eu não disse isso! – Rukia logo amarrou a cara e voltou a varrer.
- Humm... Então vai ser o quê? – insistiu.
Segurou a respiração com aquela carinha de brava de quem não quer admitir algo de jeito nenhum.
- É tudo culpa do Celeste-sama! – disse num suspiro.
- Ahn? Celeste-sama? – Mai ficou confusa. – Quem é esse?
- Ahh ela não sabe de nada. – Rangiku riu.
A escorpiana ficou zangada.
- Ah, certo. – Rukia deu-se por vencida. – Enquanto eu te ensino a varrer... – pegou a vassoura da mão de Mai, que obviamente estava tentando, mas sem nenhum sucesso naquela tarefa de limpeza. – Vou te explicando a história.
- Tá bom... – coçou a bochecha. – Eu adoraria saber.
- Bem... – a baixinha tomou fôlego. – É o seguinte...
Rukia explicou o básico para Mai. Sobre como entrou naquele ‘jogo’ e sobre como estavam sendo levados por aquilo até aquele momento.
- Então... Vocês estão namorando? – perguntou o óbvio.
Mas o óbvio que, como na maioria das vezes, não quer ser ouvido. E causou uma pequena taquicardia na capricorniana.
- N-não! – ela disse indignada.
- Você disse que estavam quando defendeu o Ichigo pra mim. – Mai sorriu para dar confiança.
- Eu disse, mas... Você entendeu o objetivo. – fez um movimento com a vassoura. – Entendeu, faz assim! – mostrou para Mai.

- Ah... Acho que entendi. – retomou a vassoura para tentar.
- A Rukia-chan e o Kurosaki-kun são muito lerdinhos, Mai... – Rangiku interveio na conversa. – A verdade mesmo é que eu duvido que tenham se beijado alguma vez!
- Claro que não! – Rukia quase gritou. – Por que a gente faria isso?
- E por que não? – Mai olhou sem medo para ela. – Não é esse o objetivo desse tal de Celeste-sama? Fazer vocês ficarem juntos? Afinal, vocês não são almas gêmeas?
- Nós... – Rukia hesitava. Estava perdida no meio daqueles tantos pensamentos. Os tinha prendido a sete chaves e cadeados havia algum tempo, quando eles começaram a tirar-lhe o sono. Tinha parado de remexer neles. E de repente, para seu desespero, alguém descobriu as sete chaves e abriu aquela porta dura, fazendo com que uma onda gigante e atordoante a atingisse. Tinha de lutar muito para não se afogar. – Nós estamos fazendo um teste... – não encarava nenhuma das duas, pois não conseguia encarar nem a si mesma. – Não temos cem por cento de certeza de que somos almas gêmeas...
- Mas... Você gosta dele? – a loira não ia desistir.
Rukia levantou os olhos para aquele rosto malicioso. Sentia-se desprotegida, quase como se estivesse vendo o chão se abrir abaixo dos seus pés.
- Gosto. – respondeu.
- O ama? – ela insistiu sem dó.
- Uau, Mai-chan! Você é mesmo malvada e manipuladora, ahn? – Rangiku interrompeu cantarolando. – Olha só a carinha da Rukia-chan! Está assustada como uma criancinha. Vendo de fora assim, fiquei com pena das vezes que perguntei descaradamente sobre a virgindade dela.
Rukia riu um pouco. E voltou a varrer.
Mai também riu.
- E então? Estou varrendo direito?
- Pegando o jeito. – Rukia disse ainda sorrindo. E empurrando porta adentro aquela onda. Recuperando as chaves para trancá-la de novo. Mas será que ia adiantar? Já estava toda respingada...

****

- O almoço está pronto. – o ruivo anunciou da cozinha.
- Uhuul! Tô adorando nosso novo cozinheiro! – Isshin foi rodopiando para a mesa.

- O onii-chan leva mesmo jeito, não é? – Yuzu sorria enquanto ajudava o irmão a colocar a mesa. – E eu ainda pude tirar umas férias.
- Não vai se acostumando não. – ele fez uma careta. – Isso é só pra eu não passar vergonha com o pessoal da faculdade.
- Que pessoal é esse afinal, Ichigo? Você quer tanto impressioná-los! – Isshin instigou.
- Er... – ficou vermelho na hora e quase deixou o que segurava cair. – S-sabe... São uns veteranos... Uma reunião com eles... E cada um vai levar algo... – não encarava ninguém.
- Humm... Parece até que é seu primeiro período na faculdade... – Isshin não parecia engolir tão fácil aquela.
- Pai, você sabe que o onii-chan é um anti-social. – Karin interveio com um sorrisinho de canto. – Eu acho que deveríamos estar felizes por ele conseguir se encaixar algum dia e finalmente ter uma reunião com os veteranos.
Por mais que tivesse tentado, não conseguiu evitar olhar para o rosto de sua irmã. Ela olhava para ele serenamente, com aquela expressão entediada de sempre. Mas por que diabos então, no fundo daqueles olhos, pareciam estar escondidas tantas informações?
- É, tem razão. – Isshin desistiu enfim. – Antes tarde do que nunca né? – riu e olhou para a comida. – Humm, vamos ver se ele está aprovado!

****

Já era de tardinha quando as jovens terminaram a arrumação do terraço. Dera mesmo muito trabalho. Mas valera à pena.
- Ufa! – Rangiku desmoronou em uma das cadeiras. Havia uma mesa para dois ali agora. Um pouco parecida com aquela, daquele primeiro restaurante... – Estou morta, foi o exercício do ano!
- Foi mesmo... – Mai ofegava. – E ainda nesse sol... Acho que hoje não levanto mais da cama... – desabou na outra cadeira.
- Ihh, como são moles essas dondocas. – Rukia provocou. Mas recebeu olhares furiosos em troca. – Calma gente, é brincadeira! – espalmou as mãos e encolheu os ombros. – Vocês fizeram um ótimo trabalho, muito obrigada!
- De nada. – Rangiku falou voltando a sorrir. – Quero que seu encontro seja lindo, Rukia-chan!

Rukia então sorriu para as amigas e descansou as mãos nos quadris. Aproveitou para olhar o resultado final... Ou quase final. Estava bem como imaginou. Havia conseguido com Mai um grande tapete vermelho com o qual cobriu grande parte do chão, uma mesa redonda e um par de cadeiras também. Só faltava o sol dar lugar à Lua e às estrelas. O Céu seria o toque final e o mais especial. Afinal, era o que os unia.
- Ficou simples, mas não poderia ter ficado melhor. – Rangiku comentou suspirosa, apoiando o rosto na mão. – Rukia-chan ficou tão romântica. – riu.
Não. Ia começar aquele assunto de novo?
- Eu acho que agora só falta ela se arrumar, né? – Mai cortou o assunto para o alívio interno da pequena. – Eu quero ajudar nisso. Ela tem que ficar linda!
- Ah... Obrigada. – Rukia agradeceu meio tímida. – Eu não vou precisar usar saltos, vou? – franziu o canto do rosto um pouco receosa.
Mai riu.
- Boba, claro que não. – levantou-se mesmo toda quebrada. – Tem que ficar linda, mas o importante mesmo é nunca perder a personalidade. – piscou. – Vamos tomar um banho?
O coração de Rukia, por algum motivo misterioso, começou a palpitar alegremente.
- Vamos. – balançou a cabeça.
E as três foram andando em direção às escadas agora não mais empoeiradas.

****

- Eu adorei o filme! Tem uma lição tão bonita! – os olhos de Momo brilhavam enquanto saía do cinema acompanhada do garoto de cabelos claros.
- Tem mesmo... Mas chorar já é demais... – ele cruzou os braços na nuca e olhou rapidamente o rosto dela enfurecendo-se.
- Eu não chorei! – protestou emburrada.
- Chorou sim! Até a pipoca estava molhada! – ele continuava a provocação.
- Mentiroso! – ela continuava irritada. – Eu não chorei, não chorei! – quase batia o pé no chão.
- Naquela parte que ele a beija e ela pensa que ele morreu... – ele não cansava.
- Humm... – ela comprimiu os lábios e as pálpebras começaram a tremer. – Droga! – seus olhos já estavam cheios de água de novo.
- Há! Viu? – apontou no rosto dela. – Está chorando de novo!

- Tá bom! – ela fez beicinho. – Eu admito.
Ele sorriu pequenamente vitorioso e os dois continuaram andando
em silêncio. Até que, como ela costumava fazer, do nada, agarrou o braço dele.
- Tinha tanto tempo que não saíamos juntos, né? Sentia tanta falta! – ela sorria.
- É-é. – ele estava vermelho, óbvio. – Eu também... – se não a conhecesse teria certeza que ela estava fazendo de propósito.
- E então, Shiro-chan? Como está sua avó? E por mais quanto tempo vai ficar aqui em Tóquio pensando no que fazer?
- Minha avó está bem com o meu novo “avô”. – ele fez aspas no ar. – E talvez... Talvez em alguns meses eu volte para a casa dela...
Ficou triste e com o coração apertado a menina de cabelos castanhos.
- E... Então vai mesmo deixar Tóquio? E não vai mais voltar para a faculdade? – tentava esconder a tristeza.
- Não sei... Eu não queria voltar a estudar. É meio difícil saber o que eu quero para a minha vida agora... – explicou-se. – E também não posso ficar morando na república à toa.
- Então vai... – tentou evitar essa pergunta, mas ela estava saindo pela sua boca praticamente à força. – Vai me deixar? – olhou para ele.
Droga. Aquilo era de desarmar-lhe em qualquer momento.
- E-eu... – desviou os olhos. – Acho que nem vai sentir minha falta... – disse depois de vasculhar a mente. – Você tem suas amigas da escola, tem sua prima, tem a Rukia... E aquele homem... – conteve um suspiro pesado.
- Mas nenhum deles é você. – ela teimava. – Você é meu melhor amigo!
Ele riu inaudivelmente de si mesmo e daquela situação.
- Não se preocupe, Hinamori... Não é tão longe assim... A gente vai poder se visitar. – ela ainda não estava muito conformada. – E sobre você, hein? – ele resolveu despistá-la. E também a si mesmo. – Vai ficar de férias direto ou vai precisar de recuperação?
Um assunto facilmente preocupante e distraível.

****

Oito da noite. Rukia estava sentada em uma das cadeiras do terraço contemplando as estrelas e agradecendo ao dono daquele céu que o tivesse enfeitado para aquela noite.

Sorria para uma das últimas brisas da primavera quando seu celular tocou.
- Alô. – atendeu rapidamente.
- Rukia. – era ele. – Onde... Onde vamos...
- Passe aqui na república. – ela cortou-o sentindo o sangue correr mais rápido. – Mas não bata no meu apartamento, está ocupado. Estarei te esperando nas escadas do fim do corredor.
Ficou um tempo em silêncio.


- Hun. Certo. – disse enfim. – Estou chegando... – queria poder falar mais do que aquilo, mas estava tão nervoso... E ansioso!
- Estou esperando. – ela disse com uma expressão suave.
Desligaram o telefone.


****

Saiu do elevador com o coração fazendo mais barulho que seus passos. Viu aquele corredor mal iluminado vazio, mas com o leve ruído dos apartamentos e quase sorriu. Estivera poucas vezes ali... E em uma daquelas vezes... E em uma daquelas vezes, fora o dia em que a vira pela primeira vez... Um dia em que, nem imaginava que ela estava viva ali, embaixo do mesmo Céu que ele.
Nas escadas, certo? Estava ansioso para a surpresa dela. E nervoso... Será que seus cinco dias de treinamento culinários haviam surtido efeito? Será que ela ia gostar do prato e da sobremesa?
E o mais importante... Como era mesmo que estava o céu naquela noite?
Subiu os primeiros degraus e não a viu. Um filetinho de apreensão se instaurou no seu pensamento. Mas continuou subindo.
- Rukia? – já estava quase no fim das escadas, de sobrancelhas franzidas e o rosto quente de receio. – Ruk... – finalmente chegara ao topo. E o receio sumiu diante daquela visão como se nunca tivesse estado lá. Porque era difícil saber o que era mais bonito. Seria o céu tão estrelado e aberto como não podia ver de quase nenhum lugar em Tóquio? Seria o tapete vermelho e a mesa, recriando o clima daquele primeiro encontro? Ou seria a sua suposta alma gêmea de pé, sorrindo vitoriosa e ao mesmo tempo tão doce, em destaque naquela paisagem, vestindo um delicado vestido branco de bordado inglês e borboletinha no cabelo, parecendo a personificação de um sonho?

- Ichigo! – ela cumprimentou sem mudar aquele sorriso lindo. Olhou um pouco ao redor e depois voltou os olhos azuis para seu rosto um tanto quanto embasbacado. – E aí? Gostou da surpresa?
Ainda demorou um pouco para conseguir dizer algo. Largou a comida que carregava em cima da mesa redonda e depois de um pequeno suspiro conseguiu responder:
- Será que... – tirou os olhos dela para observar o ambiente. – Será que eu entendi bem o que você quis fazer?
Ela deu de ombros, ainda sorrindo. A verdade é que, sem saber como, tinha fé. Sentia que o havia atingido. Sabia que ele entendia.
- Dessa vez vai ser muito diferente. – ele afirmou, confirmando a certeza dela. – Até porque você começou me surpreendendo...
- E da outra vez não surpreendi? “Cadê sua irmã?” – fez uma imitação debochada da voz dele.
A expressão sonhadora e feliz dele evaporou. Mesmo que as coisas melhorassem, ela ainda teria aquele gênio. E não ia poder reclamar.
- É. – ele fazia careta. – Mas dessa vez você me surpreendeu com algo bom.
- Ah, então não era bom que fosse eu e sim que fosse minha irmã?
- Rukia! – ele quase gritou. – Além de eu achar que você era uma criança, a gente tinha brigado no dia em que se conhecera, lembra? – fez uma pausa. – Olha, eu estou te elogiando, será que dá pra ser mais... Maleável?
Ela riu.
- Tadinho do cancerianozinho. – sentou-se à mesa. – Vamos, sirva a comida. – sorria para ele, daquele mesmo jeito de quando ele chegara. – Eu também quero te elogiar para você não ficar tão bravo comigo.
Ela o ganhara. Como sempre. Como conseguia tão facilmente?
- Você está acreditando em mim. – disse baixinho, enquanto começava a arrumar a mesa.
Ela ouviu, mas preferiu não dizer nenhuma palavra. Os olhares deles acabaram se encontrando. E com certeza dispensaram qualquer fala.
- Uau! – ela não pôde conter a surpresa e a admiração quando o ruivo começou a dispor os pratos. – Você fez sushi sozinho? É tão difícil!

- Bem... – ele sentiu-se orgulhoso, mas ainda era sincero. – Eu tenho que confessar... Fiz um curso intensivo. E não foi fácil. – ele sentou-se enfim diante da linda mesa colorida.
Rukia ficou encarando-o com ar de riso. Não sabia que ele também fazia piadas.
- Tá bom. – riu. – Então além de brincar de boneca com sua irmã você ainda aprendeu a cozinhar com ela quando eram crianças?
Ele arqueou uma sobrancelha irritado.
- Na verdade... Eu aprendi com ela sim. Mas foi nos últimos cinco dias.
Com a comida na boca, parou e ficou olhando para ele.
- Espero que esteja bom... – ele desviou o olhar meio corado.
- Então... Está falando sério? – ela perguntou depois de engolir.
- É claro. Eu tenho cara de piadista? – ele falou como se fosse óbvio. Mas era mesmo.
Ela sorriu verdadeiramente grata.
- Está uma delícia. – disse num tom diferente. – Obrigada. Já até esqueci o que a gente tinha comido na primeira vez...
Seus esforços o tinham levado às alturas naquele momento. Como valera à pena! Só de ver aquele sorrisinho, a sinceridade terna no seu olhar preferido... Se ela esquecera aquele encontro traumático, aquele prato pavoroso que escolhera naquele dia, ele também tinha esquecido de quantas vezes cortou os dedos e teve que começar do zero naquela semana. Seu coração, apesar da agitação alegre, não podia estar mais cheio de paz.
- Só vê se não engasga! – ele alertou, tentando não se sentir tão tímido e recebeu uma careta incrivelmente amável dela.

****

Depois que jantaram, ficaram observando o céu quase que naturalmente.
- Ingrata! – Rukia resmungou do nada.
- Ahn? – Ichigo não entendeu nada e olhou para a baixinha. – Do que está falando?
- A lua cheia... Ela não apareceu hoje... – ela não tirou os olhos do céu ao responder.
Ele sorriu.
- É... – concordou enfim. – Mas acho que a gente pode se virar sem ela de vez em quando, não pode?
Agora sim os olhos dela foram para o rosto dele.
- É. Acho que sim.
Sorriram um para o outro como duas crianças tímidas.

Rukia de repente levantou-se quebrando aquele clima suave. Andou até um canto onde havia uma mesa sustentando a sobremesa feita por Ichigo e um radinho que ela havia arrumado. Ligou-o.
- Rukia... – ele virou-se para olhá-la. E ela não parava de se aproximar sorrindo. – Essa é a mesma música daquela noite...
- É... – não deixou que a timidez fizesse com que desviasse os olhos. – Eu consegui. Celeste-sama deve estar orgulhoso de mim. E você com a cara no chão.
Ele ia retrucar, mas aquela alfinetada não provocava tanta dor assim.
Ela estendeu a mão para ele ao chegar a sua frente. Ele não pôde deixar de ter a reação totalmente previsível de ficar olhando como se dali fosse sair flores ou algo assim.
- Vai me deixar no vácuo? Ou vai dançar comigo? – estava especialmente corajosa naquela noite. Transformada. E inacreditavelmente tão feliz quanto nunca imaginou que fosse ficar numa situação daquelas.
Ele então pegou a mão dela e levantou-se. Demoraram aquele tempinho encaixando-se para a dança. Mas dessa vez num clima muito mais confortável.
Ele cautelosamente pousou a mão na cintura delicada dela e ela apoiou-se em seu ombro. Olharam-se nos olhos sentindo as respirações tão perto e os perfumes se misturando. Começaram devagar a deslizar de um lado para o outro, ainda meio sem jeito.
- Você não passou os últimos cinco dias treinando dança. – ele disse com um sorrisinho maldoso.
- Não... – ela admitiu humildemente. – Mas mesmo que eu tivesse treinado, ainda ia depender de você para nos sairmos bem. – levantou o queixo. Sempre arrumava uma maneira de sair por cima.
- Hunn... – ele ficou digerindo a resposta dela por um tempo, sem rancor. Olhou então para os seus pés e os dela. – Então temos que aprender juntos...
- Como foi com tudo né? – ela disse, sem pensar. – Quer dizer, como é.
Os olhos dele voltaram para os dela. Os ritmos cardíacos aumentaram.

- Tem razão. – ele disse. – A gente vai aprendendo devagar as coisas... No nosso próprio ritmo. – apertou um pouco mais forte a cintura dela. Não de um jeito mais bruto, mas sim de um jeito mais caloroso. – E... Não tem sido ruim assim, tem?
Ela demorou olhando para o rosto corado dele. Parecia um filme agora. Cenas passavam na frente dos seus olhos. Tantas caretas, gritos, braços cruzados e insultos... Mas os olhares, o companheirismo, o brilho nos olhos, o coração e as estrelas... Os sorrisos... O Céu...
A onda ficaria presa a sete chaves e cadeados. Queria só continuar andando naquele caminho estrelado. Só para continuar sentindo esse balanço que estava sentindo agora... Essa calma... Essa sensação que nunca sentira antes.
Sorriu tão linda e sinceramente que desbancou o céu estrelado... Até a Lua cheia perderia.
- Não tem sido ruim. – respondeu enfim. – Sinceramente.
Ficaram se olhando mais um tempo
em silêncio. Agora ele sorria. E tinha certeza de que não existia sentimento e nem lugar melhor no mundo do que aquele, do que ali. Aproximou-se lentamente do rosto dela. Inclinou o corpo sutilmente. Quando estava a centímetros daquele rostinho de anjo, ela apoiou a cabeça em seu ombro, abraçando-o.
- Nosso próprio ritmo... – ela repetiu as palavras dele bem perto de seu ouvido. E continuou a dança lenta. – Vamos continuar nesse ritmo...
Aquilo foi uma fuga? Uma indireta?
Por mais incrível que parecesse, ele não estava decepcionado. Nem chateado. Nem um pouco.
Abraçou-a com carinho e sorriu.
- No nosso próprio ritmo. – confirmou.


Continua...



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