Céu escrita por Liminne


Capítulo 24
Capítulo 24 – Viciante e destruidor




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Assim que ouviu o barulhinho do elevador se fechando, pulou da cama. Andou cuidadosamente até a porta do apartamento e abriu-a. Espiou lá fora só pra ter certeza. É. A barra estava limpa, as duas já tinham ido.
Saiu então e logo se deparou com o moreno da porta à frente saindo.
- Bom dia, Asano-kun! – a menina sorriu para ele.
- Bom dia, Momo-chan. – ele sorriu de volta. – Não vai à escola hoje?
- É... – coçou a bochecha sem graça. – É que... Você disse que o Shiro... Quer dizer, o Hitsugaya-kun ia voltar hoje... – corria os olhos de um lado pro outro. – Eu... Queria vê-lo...
- Ohhh! – os olhos de Keigo tornaram-se brilhantes e maliciosos. – Quer vê-lo?? – estava empolgado pelo colega de quarto. Ia receber a visita da sua amada. E às escondidas! Seu coração até ficava contente. Mesmo que... Bem, ela estivesse usando uma camisola de ursinhos coloridos.
- Sabe que horas ele vai chegar? – a voz dela estava mais manhosa que o normal.
- Na verdade... – fez pose no batente da porta e um pequeno suspense. – Ele já chegou.
- Mesmo? – ela ficou bastante enérgica para quem usava roupas de dormir. – Posso entrar? – balançava o corpo incapaz de conter a ansiedade.
- Claro! – ele fez uma mesura para que ela passasse. – Fiquem à vontade os dois. – sorriu. – Eu já vou... Até maaais! – cantarolou com um aceno alegre.
- Até mais, Asano-kun! – ela acenou de volta. E assim que perdeu o vizinho de vista, entrou correndo no apartamento.
Podia ter entrado na ponta dos pés para surpreender o amigo. Mas estava eufórica demais para isso.
- Shiro-chan! – berrou enchendo o pequeno apartamento quase vazio com sua voz. – Shiro-chan!
O garoto de cabelos claros, que estava desarrumando suas malas, sentiu um tranco no peito. Aquela voz... Aquele apelido... Aquela urgência...
- Shiro-chan! – ela apareceu na porta do quarto com os olhos umedecendo. – Onde você se meteu? – a voz tremulou de leve.
- Hunf! – ele virou a cara emburrado. – É Hitsugaya, tá? Hitsugaya!

Ela sorriu enormemente com a bronca. Ele estava de volta. E estava bem...
- Shiro-chan... – ignorou o significado do que ele acabara de dizer e correu até o amigo de infância. – Você só pode ser louco... Pelo amor de Deus, onde você esteve?
- Fui ver a minha avó. – ele disse ainda mexendo nas roupas. Olhar para ela com aquela felicidade toda fazia com que sentisse coisas muito estranhas.
- Hum... – ela sentou-se na cama de Keigo sem cerimônias. – Mas porque isso tão de repente? – balançou os pés descalços. Estava muito confortável naquele momento. – E a faculdade?
Ele suspirou. Fechou a mala vazia e encarou-a sério.
- Eu desisti.
O sorriso dela foi desaparecendo bem devagar com o impacto daquelas duas palavrinhas. Não podia acreditar... Como...
- Mas... – ela estava claramente perdida. – Por quê? – os olhos ficaram preocupados. – Não era o curso que você queria? – arriscou num tom compreensivo.
- Na verdade... – ele olhou para baixo. – Eu parei mesmo. Pensei bem e... Acho que estou precipitando as coisas...
- Entendo... – ela fez um beicinho triste. – Mas... Então você vai embora da república?
- Não... – subiu novamente os olhos. – Minha avó encontrou alguém para passar a velhice com ela... E eu não quero atrapalhar. Vou ficar aqui e decidir o que vou fazer. Ela está de acordo, então... – arregalou os olhos assustado. Retesou o corpo todo como se fosse um reflexo. Ela não podia sair abraçando ele daquele jeito, do nada! Assim ia morrer de susto!
- Shiro-chaaan! – abraçou-o com força e carinho. – Que bom! Que bom! Nós vamos poder nos ver mais agora!
- É-É... – ainda estava assustado. Mas conseguiu pelo menos tocar no braço dela. – Acho que sim... – não que não estivesse gostando... Se pudesse ficaria daquele jeito para sempre...
- E aquela mulher? – de repente ela estilhaçou o momento com uma pedra. – A que você estava gostando? – soltou-se do abraço. – Não gosta mais dela?
Ficou vermelho. Que porcaria de mentira tinha inventado.

- Ainda gosto. – desviou o rosto. – E você e aquele professor?
- Ah... – ficou mais corada que ele. Lembrou-se subitamente de tudo que passaram juntos... Dos elogios, do carinho, das fotos, dos segredos e conversas... O coração disparou alegremente. – É mesmo! – disse do nada, num estalo. – Foi aniversário dele dia trinta e um! Hoje deve ter uma festa surpresa pra ele na escola!
- Hum... – inexpressivo. Ainda bem. Ciúme e preocupação não costumam ter uma cara muito bonita. – E o que você estava fazendo aqui, de camisola, no meu quarto?
Ficaram
em silêncio. Os olhos castanhos de Momo cresceram e as bochechas queimaram. Só então o baixinho prodígio entendeu a repercussão de sua frase infeliz.
- E-er... Quer dizer, você sabe... – fixou os olhos no ar. – Devia estar na escola, né?
- É, eu sei! – o desconforto dela sumiu subitamente. Agora estava agitada. – Mas precisava vir te ver! Asano-kun me disse que chegava hoje, então...
- Então é melhor você se apressar se não vai perder a festa. – cruzou os braços sério.
- É... – disse angustiada. – Bem... De qualquer forma, foi bom te ver de volta... E saber que está bem, claro. – aproximou-se dele. – Vê se não faz mais isso sem avisar, viu? – fez beicinho. – Eu fiquei muito preocupada!
- Pois não devia. – ele deu de ombros. – Não sou tonto igual você.
- Ai, seu grosso! – resmungou. – Agora tenho que ir. Se correr, chego a tempo. – deu um beijinho na bochecha dele. Precisa dizer a reação do garoto? – Até loguinho! – acenou e saiu correndo.
Nem respondeu. Deixou que ela se afastasse para voltar ao normal. Voltar ao normal e à raiva que estava sentindo.
Aquela garota era mesmo estranha. Eram muitos sentimentos estranhos que ela lhe despertava. E tudo quase ao mesmo tempo.
Sacudiu a cabeça e pôs-se a arrumar as coisas de volta. Tudo ia ficar bem, não ia?

****

Ela levantou-se quando haviam pouquíssimas pessoas na sala. Prendeu os cabelos pretos. Estava começando a fazer calor. Podia ter escolhido um vestido sem mangas de manhã. Agora já era!

- Não vai ficar na sala hoje? – Ichigo aproximou-se perguntando.
- Hoje não. – ela olhou para ele misteriosamente. – Tenho coisas para resolver.
- Hum... – ele espiou-a cuidadosamente. – Posso saber o que é?
- Não. – falou séria e fria, sem expressão. Ele assustou-se com um passo atrás. – Tô brincando, idiota! – ela riu da reação dele. – Eu descobri tudo sobre a origem dos boatos.
O queixo do ruivo quase caiu.
- C-como assim?
- Digamos que... Eu tenho alguns contatos. – piscou. – Agora vou colocar tudo em pratos limpos.
De repente, Fuu entrou na sala.
- Oi! – sorriu maliciosa para os dois. – Vim só pegar meu espelhinho, não se preocupem! Já, já deixo os dois a sós!
- Não. – Rukia girou o rosto para ela. Com coragem. – Na verdade eu quero falar é com você. – encarou. – Pode ser?
Fuu olhou para Ichigo. Franziu as sobrancelhas. Que repentino!
- É claro! – sorriu. – Pode falar!
- Eu estou indo... – Ichigo disse retirando-se do caminho. Parou na porta e lançou um olhar significativo para a baixinha dos olhos azuis. Ela assentiu pequenissimamente para ele. Mas ele não precisava mesmo de um gesto. O olhar dela sempre lhe dizia tudo. E dessa vez tinha dito que tudo seria resolvido. Saiu da sala.
- Já disse que adoro esse seu vestido? – a garota de cabelo rosa disse toda descontraída – será? – olhando para o vestido lilás de estampa quadriculada e botões da capricorniana. – É de Kofu?
- Fuu... – ela cortou com a voz firme. – Obrigada pelo elogio, mas você sabe que não te chamei pra falar de vestidos.
Ela engoliu seco. Mas continuou sorrindo levemente. Não estava com medo daquela coisinha que não tinha nem um metro e meio, estava? Até parece!
- Certo... Então diga o que tem pra dizer! – tentou o tom mais casual possível.
- Por que, Fuu? – foi direta. – Por que postou aquela foto no blog? Por que espalhou os boatos?
Assustou-se. Então ela descobriu mesmo. Mas como?!

- Eu? – pôs a mão no peito fazendo a sua melhor cara de desentendida. – Você não pode sair acusando as pessoas sem provas! – e ainda por cima com a voz indignada!
- Eu tenho provas. – continuou com seu tom firme. – Pedi para hackearem o post do blog.
- O quê? – ela sorriu irritadamente incrédula. – Você jogou sujo! – elevou a voz.
- E você também! – aumentou a voz para sobrepor a dela. – Estamos quites. – cruzou os braços. – Te digo que fiz isso porque não agüentava mais evitar a Mai achando que ela que tinha aprontado tudo. E você? Por que fez isso?
- Foi tudo idéia dela! – soltou. – Foi ela! Eu vi vocês dois patinando no gelo e liguei pra ela. Então ela pediu para que eu tirasse foto. Disse que a gente tinha que espalhar a notícia para todos. – cerrou um punho. – Não me tache como a vilã da história! Ela me persuadiu dizendo que queria se redimir com o Kurosaki e te ajudar. Como eu ia saber que ia dar essa confusão toda?
- Mas você contribuiu pra alimentar a confusão! – meneou a cabeça. Sorte é que não tinha sangue quente.
- Olha Rukia-chan... – começou a falar mais baixo, com um tom conspiratório. – A Mai é minha amiga antes de você... – levantou os ombros. – E a verdade é que ela estava precisando se livrar de você. Você sabe. Parece que o Ashido tem uma quedinha pela sua pessoa... E a Mai, desde que pôs os olhos em você, sabia que estava ameaçada. – balançou a cabeça com os lábios comprimidos de pena. – Eu sinto muito... Nem pra mim ela teve coragem de contar isso... Mas eu a conheço o suficiente para dizer que ela ainda é caidinha pelo Ashido. E ela não hesita em manipular as pessoas... Principalmente quando se trata dele.
Sentiu-se ridiculamente frágil naquele momento. A garganta estava apertando. Tudo que não queria ouvir de jeito nenhum estava sendo atirado no vento e carregado para seus ouvidos sem seu consentimento.
- Você está... Acusando a Mai... – disse baixinho. Não queria acreditar. Mas por que, se era tão óbvio?

- Não estou. – ela disse com convicção. – Eu não falaria mal dela se não fosse verdade.
Tinha dúvidas quanto a última afirmação da geminiana, mas assim mesmo, não conseguia mais negar. Era essa a verdade. Sempre fora. Estivera tapando o Sol com a peneira e no fundo sabia disso.
- Certo. – refez-se respirando fundo e levantando o rosto. – Vou até o fim. – e foi caminhando até a porta da sala.

****

Encomendou um bolo personalizado numa loja da cidade. Não se importava de esperar algumas horas. Afinal, só ia querer o presente para depois da aula... A festa surpresa não seria na escola. Seria na casa dele. E melhor: seriam só os dois.
Sentada num café em frente à loja dos bolos, lia uma revista feminina. Agora estava quase sem nenhum dinheiro. Ia ter que agüentar o mês todo sem gastar nada. Mas valia à pena. O que viria depois não teria mesmo preço. Já imaginava o sorriso caloroso ainda mais alegre.
- Aizen-sensei... – suspirava folheando as páginas de moda sem nem notá-las. – Espero que fique mesmo contente.
No que estava pensando? Claro que ia ficar! Ele era tão solitário naquela casa... E além de tudo agora eram amigos de verdade. E quem não gosta de receber uma surpresa de um amigo?
De repente, ouviu uma voz familiar. Fechou a revista imediatamente e virou-se. Era sua prima com uma colega da faculdade. Mas que diabos estava fazendo na rua àquela hora?
- Ahh, é mesmo! – murmurou consigo. – Hoje ela só tem uma aula! – viu que a loira se aproximava do café. Deixou o dinheiro embaixo da xícara e sumiu na velocidade da luz.
Rezava para que ela não aparecesse
em casa. Por que sua dor de ouvido não passava tão rápido assim... E ela sabia disso.
Escondeu-se e sumiu dali. Mentira é mesmo um mal viciante.

****

Estava almoçando normalmente, ouvindo Chiharu arengar sobre um garoto que conhecera. Não se sentia confortável e muito menos bem. Mas ia levando. Uma hora ou outra daria a volta por cima.

Quando estava prestes a encerrar aquele assunto com um conselho bem colocado, sua voz sumiu e seus olhos paralisaram. Era ela vindo na sua direção. Quanto tempo não via essa cena... Fuu estava chegando logo atrás... Foi ela que chamou Rukia de volta? Franziu as sobrancelhas claras.
- Rukia... – ainda estava meio confusa. – Voltou? – esboçou um sorriso. De algum modo, sentia que não era algo tão bom quanto deveria ser. Talvez fosse pela dureza dos olhos dela.
- Oi Mai. – ela cumprimentou com um aceno de cabeça. – Será que... Podíamos conversar?
A loira e a morena trocaram olhares receosos.
- Ahn... Claro! – aumentou o sorriso tentando não parecer nervosa.
A pequena de cabelos curtos então, sentou-se em frente à loira e à morena. A de cabelos tingidos ficou de pé. Coisa boa não viria... Então o que estava fazendo ali? Mordeu o lábio inferior e obrigou-se a ficar.
- Por que, Mai? – decidiu ser direta, assim como fora com Fuu. – Por que você me chamou para andar com vocês assim que eu entrei na faculdade?
Sentia que os olhos verdes de Chiharu lhe chamavam insistentemente. Mas resolveu que não ia olhar. Não era hora de desvios, sentiu pela força de cada palavra saída daquela baixinha poderosa. Mas não pôde conter um olhar ameaçador para Fuu antes de concentrar-se somente no seu alvo.
- Por que essa pergunta agora, Rukia? – tentou parecer natural, mas nem sorrir estava conseguindo. – Ora... Você é bonita, inteligente e... E estava perdida, qual o problema de tentar te enturmar?
- Não tem problema tentar me enturmar. Eu apreciei esse gesto até certo momento. Foi muito bom pra mim ter logo companhia. – fez uma pausa diante do olhar inexpressivo da loira. – Mas... – apertou a saia do vestido. É isso. Tinha que falar de uma vez. – A Fuu admitiu que foi ela que espalhou os boatos. – levantou um pouquinho o queixo para se sentir mais confiante. – E disse que foi idéia sua. Eu só queria ouvir de você, olhando no seu rosto, a verdade.
Hesitou com o coração na boca. Como ela era corajosa!

E não desviava o olhar!
Não... Ela não era corajosa. Ela era honesta. Íntegra. Cheia de valores que ela mesma parecia que nunca iria conhecer. Sentiu-se mal de novo. Aquela amargura subindo e descendo. Um frio repentino... A vontade de fugir. De se esconder em outra mentira. E sair vitoriosa sem sujar as roupas.
- Foi idéia minha. – admitiu enfim. Não sabia o que estava fazendo... Mas de algum jeito... Por algum motivo, não podia segurar mais. – Foi idéia minha. – repetiu mais para si mesma. Queria ouvir sua voz dizendo a verdade.
- E... – os dedos de Rukia tremiam. – Sua intenção foi... – Por que diabos ainda tinha esperança de que não fosse nada daquilo?
- Minha intenção foi trazer o Ashido de volta. Afastá-lo de você. – lutava com todas as forças para os olhos permanecerem secos como a sua voz.
- Então você me usou mesmo? – perguntou alterando o rosto. Não queria, mas... Refez-se.
- Eu...
- Mai! – Chiharu berrou. – Não, Rukia! Ela não te usou! Veja... Ela só perdeu a cabeça! Quem é que nunca perdeu a cabeça por amor, não é? – riu nervosa.
Rukia olhou de volta para Mai. Os olhos pretos, como sempre, nada demonstravam. Mas a covardia podia ser sentida pelo modo como desviaram. Não agüentaram sustentar a verdade.
- Certo... – falou baixinho. Segurou a ponta da mesa e levantou. – Então eu fui usada. Desde o começo. Para ficar sob controle. Para conseguir uma coisa que perdeu por si mesma... E ainda envolveu outras pessoas suficientemente machucadas...
- Eu o amo! – ela finalmente elevou a voz agora embargada. Voltou a olhá-la. – Tá? Será que é tão difícil pra você entender isso? Eu o amo mais que tudo e não quero perdê-lo!
- E por isso manipula as pessoas como se fossem todas personagens da sua estorinha? – fez uma careta de indignação.
- Você não pode me julgar assim! – defendeu-se.
Naquele momento, óbvio, já tinham mais de quatro pessoas fazendo parte da discussão. Os telespectadores. Sempre fiéis.
Mas não tinham tempo para se importar com eles. Não tinham visão nem audição para eles.

Os outros simplesmente desapareceram.
- Eu só te pergunto uma coisa, Mai... – controlava-se com força. – Você alcançou seu objetivo? Seu plano deu certo?
- Não! – acalorada. – Não consegui uma confirmação sua! – atingiu-a diretamente. Agora não se importava mais com nada. Deixou que aquele fervor do sangue agisse por ela.
- Então é só de uma confirmação que você precisa? Certo. – balançou a cabeça. – Eu te dou a confirmação: Eu estou namorando o Kurosaki Ichigo, certo? É isso. Estamos juntos! – olhou para todos ao redor e em seguida voltou o olhar para a escorpiana. – Agora você tem sua confirmação. Estou saindo com o Ichigo sim. E não era mentira dele e muito menos eu escondi por estar com vergonha! Não! Não tenho vergonha de sair com ele, sabe por quê? Porque ele é um cara honesto, sincero. Porque ele tem um monte de qualidades admiráveis. Caráter. Porque ele é sincero. Porque ele nunca mente sobre o que ele pensa ou é. Porque ele sente. Porque ele luta pelo que quer sendo ele mesmo. É. Você pode ter achado ele louco ou esquisito, tanto faz. Mas não é esquisito ser quem você é. Ter sua personalidade e manter-se fiel a si mesmo em todos os momentos. Não é esquisito cair e levantar com a cara suja. Mostrar suas qualidades e assumir seus defeitos e saber conquistar a partir dos dois. Esquisito mesmo é ser o que não é. Esquisito mesmo é fingir o tempo todo que nunca tropeçou. Esquisito é não correr atrás do que quer. E o Ichigo sabe fazer isso. E muito bem. – fez uma pequena pausa. Os burburinhos não paravam. E os rostos chocados estavam por toda a parte. – Mas sabe... Eu acho que você sabe bem de tudo isso, não é? – o olhar que lançou atingiu com força o coração dela. Mais afiado e preciso que uma lâmina. Soltou a mesa. – Agora vamos ver se seu plano vai dar certo. Vamos ver se aquilo que quer conquistar, comigo fora do caminho, você vai conseguir. – não deixava de encará-la. – Vamos ver se você aprende que não se conquista nada quando se foge de si mesmo.

Você só se preocupa com os outros, enquanto a derrota e também a vitória, estão somente em você. Quando encontramos nós mesmos, não precisamos encontrar mais ninguém. – virou as costas. O coração explodindo. Foi abrindo caminho cegamente entre as pessoas.
- Mai... Você está bem? – Chiharu estava preocupada. A loira estava estática e lágrimas começaram a descer pelos seus olhos opacos.
- Então a Mai é uma farsa?
- Como assim tirar a Rukia do caminho?
- Elas estavam brigando por causa do Kurosaki?
- Não! A Mai empurrou o Kurosaki para tirar a garota nerd do caminho dela!
- Que manipuladora!
- Mas que vergonha, hein? Uma novata humilhando a Mai-san desse jeito...
- Eu sabia que ela não podia ser perfeita. Ninguém é!
- Mai! – Chiharu sacudiu-a. – Mai!
- Chi... – ela murmurou enfim, saindo do transe. Levantou-se devagar. Passou os olhos pelas pessoas e avistou sem querer aquele rosto. Ele tinha algo nos olhos azuis que... Que... Simplesmente fizeram com que ela caísse no choro e saísse correndo dali.
- Mai! – Chiharu foi atrás.
- Rukia! – Ichigo segurou a pequena que andava apressadamente para longe, sem nem ao menos saber para onde estava se dirigindo. – Rukia, onde você pensa que vai?
- Ichigo... – ela levantou os olhos para ele, a voz fraquinha. – Será que podemos fugir juntos? Só pelo resto do dia?
Seu coração quase teve um treco.
- Claro. – disse. Tinha ouvido algo da conversa. Imaginava que ela estaria mal, mas... Não. Ela estava atordoada. Frágil. E estava jogando a confiança nele. Se entregando.
Ela não hesitou em agarrar firme a mão dele e sair puxando-o dali. Ignorando que o corpo dele tremia mais que seus sentimentos abalados.

****

- Eu não agüentava mais... - ela desabafava, sua boca era uma torrente de palavras. Como precisava daquilo... Se parasse para pensar depois, aquele ruivo canceriano fora a única pessoa em que ela derramou tantas coisas sobre sua vida. Não só nesse dia. Ele parecia puxar com um ímã tudo sobre ela. Mesmo quando não dizia nada com palavras. – Era você

me dizendo de um lado o que ela era. E era o sorriso dela de outro... E o começo de tudo... – segurava a cabeça atordoada. – E depois que descobri que foi a Fuu... Tive uma vaga esperança. Mas ela disse pra mim, com os olhos da verdade, que estava mesmo me usando... – sentiu-se ridícula, mas seus olhos estavam úmidos. Por que estava se sentindo daquele jeito tão patético? Era só uma garotinha perdida e fútil no meio de tanta gente.
Ichigo nada dizia. Só permanecia atento a todos os sinais dela. E não largava sua mão. Por alguma razão, elas não se soltaram desde que ela o arrastara até aquela pracinha.
- Droga! – ela secou furiosamente os olhos com a mão livre. – Por que é que eu estou desse jeito? – olhou para ele. – Não tem nem dois meses que eu vim pra cá e já consegui arrumar toda essa confusão... – soltou o ar pesado. – E o que eu fiz agora há pouco? Gritei, fiz um escândalo... A envergonhei... Eu não devia ter exagerado tanto... Eu realmente posso ter feito mal a ela...
- O que está dizendo agora?! – o espetadinho finalmente abriu a boca. Ficou bravo. Com a mão livre segurou o braço de Rukia e sacudiu-a de leve. – Você enlouqueceu de repente? Você mesma estava dizendo! Ela te usou! A errada era ela! Espalhou boatos sobre você, não hesitou em usar seu nome. E agora está sentida por tê-la envergonhado? Rukia, pelo amor de Deus! Você só disse aquilo que ela precisava ouvir, mas ninguém nunca teve coragem de dizer!
Calou-se. Encarou os joelhos e voltou a olhar para o rosto de Ichigo. Muda. Pensativa.
- Estou admirado. – ele disse enfim, mais afável. Tinha soltado devagar o braço dela. – De repente você confiar em alguém assim... Confiou demais nela...
- E está vendo no que dá? – apertou as sobrancelhas com um olhar magoado. – Confiar nas pessoas só nos leva à decepção! – abaixou os olhos novamente.
- Então por que é que está confiando em mim agora? – perguntou suavemente. A verdade é que estava receoso da resposta. Afinal, por que tinha feito uma pergunta óbvia daquelas?

Com certeza tinha estragado tudo agora!
Mas para sua surpresa, a baixinha não tirou a mão da sua, não começou a gritar e nem foi embora dali xingando-se de idiota.
Ela apenas o fitou com os olhos perdidos. Totalmente perdidos. Como nunca tinha pensado em ver na sua vida. Como se... Como se ela não houvesse reparado até aquele momento que estavam realmente assim tão cúmplices. Como se ele a tivesse acabado de acordar.
- E-eu... – teve necessidade de dizer alguma coisa. – Eu... – mas nada de concreto saía. O que estava fazendo? Era verdade. Estava segurando a mão dele havia um bom tempo e dizendo tudo que sentia... Mais atordoada do que julgou possível, arrancou a mão da dele e desviou os olhos.
- Você está aprendendo a ter fé... – ele disse baixinho, como uma reflexão. – Não era isso que você queria?
Ela observou a mão por uns instantes até voltar-se para ele, ainda confusa.
- Nem sempre confiamos na pessoa certa. Mas terá que conviver com isso. – ele sorriu do modo mais acolhedor que conseguiu.
- Ichigo... – segurou uma mão fechada no peito antes de dizer. – Me diz que... Que você é a pessoa certa. – estava assustada. É. Talvez pela primeira vez na vida tanto assim. Sabia que mesmo se ele afirmasse nada ia garantir a veracidade de sua promessa. Mas o que mais podia fazer? Que apoio mais podia pedir? Ele a estava ensinando mesmo direitinho esse negócio todo de ter fé. E ela nem mesmo estava percebendo. Era como um fluxo... Então precisava ouvir que não estava indo pro caminho errado. A correnteza não ia deixar que voltasse.
O ruivo ficou algum tempo chocado, com os olhos grandes. Mas logo o coração fez com que sorrisse pequenamente. Não era tudo que ele sempre quisera?
- Eu sou a pessoa certa. – disse enfim, sentindo as palpitações. – Não se preocupe.
E ela, mais uma vez levada pela correnteza, sem seu próprio consentimento, abraçou-o. E nunca pensou que fosse se sentir tão segura.
Com o coração certamente martelando nos ouvidos da pequena, ele envolveu-a também com seus braços.

E não pôde deixar de perceber que ela tinha o cheiro do céu da manhã. Anunciando um novo dia. Mudando devagar. E mexendo com toda sua vida...

****

O Sol estava se pondo lindamente. Sabia que, no máximo, na primeira hora da noite, ele estaria de volta. Enquanto isso ficaria ali, de plantão, com a caixa nas mãos.
Suspirou pensando como desejava ter a chave da casa... Seria muito melhor se pudesse entrar, arrumar tudo e surpreendê-lo de um jeito muito mais apropriado.
Mas se era a única coisa que podia fazer, faria. E estava ansiosa. Louca pra ver aquele sorriso...
Assim que a cor lilás, sucessora do laranja do pôr-do-sol, começou a escurecer lentamente, percebeu o homem se aproximando.
Seu coração pulou tão forte que quase derrubou a caixa ao invés de abri-la. Mas conseguiu. E quando ele chegou bem perto, surpreendeu-se com a garotinha linda e sorridente, em seu vestido novo cor-de-rosa, segurando um bolo de morango nas mãos com seu nome.
- Surpresa! – exclamou enérgica e obviamente alegre. – Feliz aniversário atrasado, Aizen-sensei!
A surpresa dele demorou um pouco para dar lugar a seu sorriso costumeiro. Mas quando o fez, a menina sentiu que todo seu dia de fuga e espera valera à pena.
- Hinamori-kun... – ele disse gentilmente. – Muito obrigado. Você é realmente a menina mais doce que conheço.
Não se cansava de sorrir.

****

- E você viu sobre o que a carta falava? – ela perguntou curiosa. Tinha esquecido totalmente de abri-la.
- Eu vi hoje de manhã. – ele respondeu. – Como não está escrito que é um segredo estrelado, purpurinado, aviadado, ou o que seja, acho que posso contar.
Ela riu. Não conseguiu se conter. Aquele Celeste-sama muitas vezes pedia para ser debochado.
- Era uma espécie de caça ao tesouro... Temos que conseguir informações e anexos um sobre o passado do outro...
- Meu Deus! – ela soltou o ar com força. – No que ele está pensando?
- Eu estou particularmente preocupado com essa missão... Talvez eu tenha que ir pra Kofu!

- O quê?! – ela quase gritou. Mas lembrou-se de que estava em ambiente de trabalho, e ainda por cima, era uma enfermaria. – Ele só pode estar brincando! Eu não pude ir lá por causa dele, agora ele quer que você vá? – estava furiosa.
- Bem... – coçou a cabeça. – Só você lendo a carta pra saber direito... Não se preocupe agora com isso. A menininha tá acordando. – apontou para a cama que estavam vigiando. A pequenina de cabelos longos cor de mel, abria os olhos puxadinhos.
- Tia Rukia... – ela falou com a voz falhada. Sorriu e sentou na cama esfregando os olhinhos. Abriu-os devagar. – Haha. – riu. – Quem é esse tio? E por que ele tá usando essa peruca engraçada?
- Hahahahaha! – Rukia, deixando o profissionalismo de lado, quase teve um ataque de risos. – Peruca! Essa foi boa! – não conseguia parar de rir.
- Hunf! – ele cruzou os braços emburrado. – Só uma criança pra rir da piadinha de outra.
- Quem você tá chamando de criança? – o riso acabou na mesma hora pra enfermeira.
- E tem outra aqui? – correu os olhos diminuídos pela sala. – Ah, tem. Mas ela já é um pouco maior que você, então, quase não percebi.
- Grr... Seu... – ela cerrou um punho pra ele.
- Hahaha! – a menininha se divertia.
- E você tá rindo de quê, hein, danadinha? – Rukia pôs as mãos na cintura e foi andando até ela devagar, com uma falsa cara severa. – Não tava doente agora a pouco, hein? – atacou a menina de cosquinhas.
- Ahh! Ah! Pára tia Rukia! – ela ria e se contorcia.
Ela parou e ficou sorrindo para a menina.
- Aposto que não está mais com febre. Sua garganta ainda dói?
- Não... – ela respondeu. – Passou.
- Viu? Eu disse que o remédio do Chappy ia fazer efeito! – colocou um termômetro na criança.
- E fez mesmo! – ela sorriu.
- Remédio do Chappy? – Ichigo arqueou uma sobrancelha.
Rukia sorriu toda feliz em seu mistério para ele. Foi até uns frascos e pegou um onde havia colado um adesivo do coelhinho.
- Viu? Remédio do Chappy. – guardou o vidro. – Você deveria aprender comigo.
- Tia, tia! Eu tô com sede!

- Ichigo, vá pegar algo para ela beber. – autoritária como sempre. – Faz alguma coisa pra ajudar, vai!
- Hunf! – ele virou as costas. – Mal agradecida. – e saiu andando até a cozinha. Quando saiu da enfermaria, deixou que um sorrisinho tomasse conta de seus lábios. Não se arrependera de ter se oferecido para fazer companhia à Rukia naquela tarde. Ela se dava realmente bem com esse tipo de trabalho. E brilhava.
- “Espero não decepcioná-la.” – ele pensava inspirado. – “Vou me esforçar pelo futuro também!”.

****
- Então ganhou outros presentes? – estava enciumada. Pensou que tivesse sido a única a lembrar daquela data especial. Mas não podia se sentir assim. Afinal, ele merecia!
- Sim. Umas outras alunas. – sorria enquanto comia o bolo.
Droga. Estava terrivelmente enciumada. Mesmo que não pudesse culpar essas outras garotas...
- Desculpe... – ficou meio desanimada. – No fim só pude te dar um bolo...
Ele olhou para o rostinho triste dela. Apressou-se em inclinar-se e acariciar-lhe de leve o rosto.
O que fez com que os olhos dela quase saltassem junto com seu coração.
- O seu foi o melhor presente. – disse com convicção e calor. – Afinal, você veio até aqui. E nenhuma outra faria algo tão caloroso assim.
Voltou a sorrir devagar. É. Ele tinha razão. Duvidava que qualquer outra garota soubesse os segredos dele. E que tinham sido acariciadas por aquela mão forte e protetora.
- Ah! – ele voltou ao seu lugar. – O seu aniversário também está próximo.
- É-é. – ela corou. – Mas não precisa se sentir no dever de retribuir nada, viu? Não se preocupe com isso.
Ele continuava sorrindo.
- Na verdade eu já tenho um presente pra você.
Espantou-se deliciosamente.
- M-mesmo? – não podia conter a emoção. – Mas, sensei...
- Eu queria esperar pra te dar depois, mas... Quase não posso me conter.
- Se quiser pode me dar agora! – ela estava curiosa. – Você sabe... Não sei se vamos ter outra oportunidade tão cedo de estarmos juntos assim...
Ele riu.

- Não. Eu vou me conter. – tomou um gole de chá. – Pode deixar que ele vai aparecer na hora certa. – pousou o copo. – Como não sei se vai aceitar, vou arranjar um outro também.
- Aceitar? – ela inclinou a cabeça confusa. – Como assim? Lógico que eu vou aceitar!
Comeu mais um pedaço do bolo. A expressão alegre escondia alguma coisa.
- Eu espero que sim...


Continua...



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