Passageira escrita por Ayelee


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo para vocês.
Espero que gostem.
Comentem, comentem, comentem, please! :)
Beijos



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Estacionou seu Chevy Malibu em frente à cafeteria. Eram cinco para as cinco, esperava que ela ainda estivesse lá. Provavelmente estaria se preparando para sair. Não importava, poderia vê-la por cinco minutos. Era suficiente.

A cafeteria estava lotada. Irene só poderia sair depois que o último cliente que atendeu pagasse a conta. Isso lhe garantiria cerca de meia hora a mais trabalhando. Não seria tão ruim, se Beni não tivesse passado o dia inteiro no restaurante, circulando pela cozinha, saltando de banco em banco e puxando conversa com os clientes do local.

Sr. Goldman não estava feliz com isso. Mas era melhor assim do que sua funcionária faltar e deixar a equipe desfalcada.

Irene estava detrás do balcão passando um pedido para Jamie, o cozinheiro. Beni brincava com seus três carrinhos deslizando-os no balcão do caixa, emitindo sons estranhos,como se fosse uma pista de corrida.

O piloto entrou no salão, com as duas mãos nos bolsos do casaco e óculos escuros. Por trás dos óculos escaneou o lugar à procura de Irene e sentiu um alívio ao perceber que ela ainda não tinha partido.

“Olha só! O moço do Camaro! É ele!” Esguichou Beni, com sua voz fina animada, como se estivesse vendo seu personagem de desenho animado favorito.

Ninguém deu importância ao que o menino dizia.

“Mãe, mami, olha o moço do Camaro!”

“Querido, eu preciso terminar de trabalhar para a gente ir embora. Você não quer ir para casa?” Respondeu Irene, de costas para o salão do restaurante.

“Mas mãe, ele é muito legal! Ele faz umas manobras maneiras no carrão preto!”

Irene virou-se para falar com o filho, curiosa para saber quem era essa pessoa que o filho viu fazendo manobras e logo percebeu de quem ele estava falando.

Seus olhos foram repousar no cara estranho, aquele vizinho com quem se encontrara três vezes no dia anterior.

Ele estava sentado um pouco tenso, em uma mesa perto da vitrine, de frente para o balcão.

“Está vendo? É ele, sim. Reconheci pelo casaco. Tem um escorpião enorme nas costas!”

Irene sorriu para o filho, depois olhou para o vizinho e sorriu sem graça, colocando detrás da orelha uma mecha de cabelo que havia caído sobre seu rosto.

“Posso ir conversar com ele, mamãe? Por favor?” Beni insistiu, muito excitado com a única coisa interessante que havia acontecido em todo seu dia.

“Não. Você nem o conhece. Além do mais, não devemos importunar os clientes.” Falou abaixando o tom de voz.

“Tudo bem. Não vai me incomodar em nada.” O piloto sorriu para ela e fez um gesto com a cabeça, convidando o garoto para sua mesa.

Beni reuniu seus carrinhos e correu para junto do piloto, esparramando seus carrinhos sobre a mesa. Irene o seguiu com a caderneta na mão, para tomar nota do pedido.

Ele tirou os óculos e a encarou com um discreto sorriso no canto da boca. Ela era linda de uma forma simples. Sua beleza não tinha a ver com perfeição das formas. Era a delicadeza de seus gestos, a meiguice em sua expressão que chamavam atenção.

“Desculpe esse pestinha. Ele está entediado, quer apenas se distrair.”

“Não está incomodando. Estamos falando de carros, não é amiguinho?” O piloto piscou para Beni.

“Sim! Mamãe, você precisava ter visto quando ele deu um 360º no pátio do prédio. Foi irado!”

Irene voltou-se para o piloto com cara de interrogação, como quem pede uma explicação.

“Eu estava estressado, não deveria ter feito aquilo.”

“Sr. Beni, por acaso você me desobedeceu e desceu para o pátio ontem? Você estava doente!”

“Não! Vi pela janela, eu juro.”

“Bem, o que o senhor vai pedir esta noite?” Dirigiu-se ao piloto para encerrar o assunto.

“Panquecas com ovos mexidos e chocolate, por favor. E para meu amiguinho aqui...” O piloto olhou para Beni esperando que ele fizesse seu pedido.

“Eu vou querer...”

Irene interrompeu. “Você vai jantar em casa. Além do mais, acabou de comer um sanduíche com suco.”

O piloto deu de ombros, estendendo as mãos como se dissesse “Não posso fazer nada.”

Enquanto trabalhava, Irene observava furtivamente o filho conversando com o vizinho misterioso, como se o conhecesse a vida toda. Jeanette também bisbilhotava a curiosa interação entre o menino e aquele cara sério que parecia nunca ter visto uma criança antes na vida. Virou-se para Irene com um sorriso safado e deu uma piscadela.

Crianças são tão fáceis, tão desarmadas. Deixam-se envolver por aquilo que lhes agrada ao ponto de esquecerem-se do mundo ao seu redor.

Sarah, uma das garçonetes do turno da noite chegou, o que significava que Irene já podia ir embora. Arrumou-se e pegou a mochila de Beni, e foi até a mesa do piloto buscá-lo para irem embora.

“Vamos Beni. Está na hora de ir para casa.”

Juntou os carrinhos que estavam espalhados na mesa e guardou-os na mochila. Beni levantou-se e colocou a mochila nas costas.

“Obrigada por fazer companhia para esse rapaz. Espero não ter incomodado.”

“O prazer foi meu. Descobrimos que temos alguns gostos em comum.” Fitou-a longamente, deixando-a sem graça.

Irene baixou a cabeça, pegou a mão de Beni e despediu-se.

“Bem, já vamos. Diga adeus para o moço, filho.”

“Até logo, Sr. Camaro!”

“Tchau campeão!”

Irene e Beni caminhavam preguiçosamente até a parada de ônibus. Naquele dia excepcionalmente ela voltaria na condução, pois não suportava a idéia de ter que fazer o filho caminhar os três quilômetros até sua casa.

Um Chevy Malibu branco aproximou-se da parada. O piloto abriu a porta do passageiro falando “Também estou indo para casa. Importam-se de me fazer companhia?”

Irene ficou receosa, achava o cara estranho. Por mais que tivesse sido simpático com Beni, e o menino claramente o adorasse, não sabia nada sobre ele. Mas diante dos apelos do filho e pensando em economizar duas passagens de ônibus, aceitou o convite.

O interior do carro era muito limpo, impecável. Cheirava bem. Uma mistura de couro com perfume cítrico. Era um modelo vintage, mas muito bem conservado. Dá para entender por que. O cara parece ser um amante de carros. No rádio tocava em um volume quase inaudível uma melodia de música eletrônica que parecia ser dos anos 80. Irene sorriu para si mesma pensando que combinava perfeitamente com o visual de artista dos anos 80 que o piloto apresentava.

Permaneceram a maior parte do tempo em silêncio. Um silêncio um tanto desconfortável, salvo ocasionalmente pelas observações animadas de Beni sobre o piloto e sobre sua paixão por carros.

Ele a olhava de soslaio enquanto dirigia. Sua mão repousada no câmbio, quase roçando na perna dela lhe dava arrepios.

Conhecia o caminho como a palma de sua mão. Nem precisaria olhar adiante se não tivesse outros carros circulando nas ruas. Irene brincava distraidamente com as alças da bolsa, em seu colo. Ele a observava atentamente. Como sua nuca ficava exposta quando ela abaixava a cabeça. Como se formavam covinhas nos cantos de sua boca quando ela sorria.

Sentiu uma vontade incontrolável de ficar mais tempo perto dela. Uma idéia veio à sua cabeça, então quebrando o silêncio, ele puxou conversa: “Desculpa se estou tomando a liberdade, mas você está livre no domingo? Digo, você e Beni?”

Irene encarou-o tentando compreender onde ele queria chegar. Sentia um misto de atração e estranhamente pelo piloto. Como se fosse um instinto que a impulsionasse na direção dele e ao mesmo tempo a dissesse para manter distância. Não resistiu e deixou que sua curiosidade falasse mais alto.

“Acho que sim.” Sorriu timidamente.

“Tem uma corrida no autódromo. Quero dizer, um treino. Não sei se lhe interessa, mas acho que Beni pode se divertir vendo os carros de perto.”

“Sei... E como faremos para ver os carros de perto? Eles não ficam em uma área isolada?”

“Na verdade eu piloto. Posso levá-los até lá. Se você quiser.”

“Ela quer, não quer mamãe?” Beni implorou com aquele desespero típico de criança quando quer convencer os pais.

“Tudo bem.”

O piloto sorriu satisfeito.

Parecia irônico, mas o contato com aquela pequena família lhe proporcionava mais excitação do que a velocidade. Ele dirigia. Pilotava. Estava habituado à velocidade. Era algo que amava, mas não lhe causava mais a descarga de adrenalina que sentia quando garoto. Agora sentia a mesma coisa na presença da bela moça e do menino.

Seguiram juntos até o quarto andar. O piloto acompanhou mãe e filho até a porta depois foi para seu próprio apartamento, três portas adiante.

Beni estava extremamente agitado, mesmo depois de um dia cansativo. Muita novidade mexeu com sua imaginação infantil. Ele não conseguia parar de pensar no piloto, a quem apelidou de Sr. Camaro. Seu carro maneiro, suas histórias sobre corridas, de como ele é incrível.

Irene ouviu tudo pacientemente, com seus grandes olhos castanho-esverdeados vidrados no filho. Algumas vezes sorria, outras fazia cara de impressionada, dando ao filho cada expressão esperada no momento.

Admirou-se consigo mesma ao perceber que muitas das percepções de Beni sobre o piloto eram iguais às suas próprias. Como, por exemplo, como ele parece auto-confiante. Ela admirava essa característica no vizinho. Passava-lhe uma sensação de segurança quando estava perto dele.

“Mas o que é que estou pensando?!” Censurou seus próprios pensamentos.

“Quando crescer, quero ser piloto como o Sr. Camaro,” disse Beni, ainda maravilhado.

“Melhor ser um piloto do que ser um criminoso,” ela pensou ironicamente.

“Tudo bem. Mas para isso você precisa se alimentar. Venha jantar. Depois você vai tomar um belo banho e dormir.”

“Mas eu não estou com sono!” Protestou o garoto.

“Mas você precisa ir dormir por que eu preciso ir dormir. Amanhã levanto cedo.”

Sábado. Irene tinha que levar o filho novamente consigo para o trabalho. Sr. Goldman resmungou por alguns minutos ao ver o menino de novo no restaurante, mas logo deixou o assunto de lado.

O movimento aos sábados era intenso, Irene mal teve tempo para descansar as pernas, tampouco para dar atenção ao filho. Jeanette e os colegas, entretanto, encarregaram-se se entreter o garoto o máximo possível. Todos se divertiam com sua esperteza e estavam encantados com sua doçura.

Diziam “Só pode ser filho de Irene mesmo!”

Quando Irene entrou na cozinha para checar um dos pedidos de seus clientes, Jeanette aproximou-se e sussurrou em seu ouvido. “Adivinha quem foi para casa com o bonitão misterioso ontem à noite?” Cutucou-lhe as costelas com o cotovelo e deu uma piscadela.

“Ah, me deixa,” Irene desconversou embaraçada.

“Ué, qual o problema, garota?”

“Não tem problema nenhum. Ele é meu vizinho, se você quer saber.”

“E onde tem escrito que é proibido sair com vizinhos?”

“Ele me deu carona por causa do Beni.”

“Sei...E ele também estava te secando por causa do Beni?”

“Jean! Para com isso,” Irene implorou. “Vou voltar para meus clientes antes que o Sr. Goldman comece a gritar meu nome aos quatro ventos.”

“Eu só quero que você se divirta um pouco, querida.” Desculpou-se Jeanette.

“Eu sei.”

Irene deu-lhe um beijo estalado na bochecha e saiu para o salão.

O sábado passou lentamente. As horas arrastavam-se enquanto Irene desdobrava-se para dar conta de todas as suas mesas. Ela não reclamava. Mais clientes significava mais gorjetas. Algumas até bastante generosas.

Irene encerrou seu expediente excepcionalmente às seis horas, por causa do grande movimento na cafeteria. Mas quando o relógio marcou cinco horas ficou apreensiva. O piloto deveria chegar a qualquer momento. Passaram-se dez, quinze, vinte minutos. Ele não apareceu. Depois dos trinta minutos, desistiu de esperar e voltou a concentrar-se em seu trabalho. Detestava ter que admitir seu desapontamento.

Ficou pensando em várias hipóteses que explicassem por que ele não tinha aparecido. Decidiu que ele deveria estar trabalhando.

Teve a idéia de preparar panquecas com ovos mexidos e chocolate quente para levar para casa e deixar na porta do vizinho. Ele provavelmente chegaria em casa com fome. Também era uma forma de agradecimento pela carona do dia anterior.

Eram boas justificativas.

Beni dormiu logo que entraram no ônibus de volta para casa. Quando chegaram a seu destino, Irene teve pena de acordar o filho. Ele estava tão fatigado, dormia um sono pesado. Reuniu então o pouco de energia que lhe restava, e carregou o menino nos braços, com a bolsa pendurada de um lado e segurando o pacote com as panquecas e o chocolate quente com a mão livre do outro lado.

Caminhou os quase cem metros da parada até a entrada do condomínio, já quase sem forças para erguer o menino. Adiante, avistou o Chevy Malibu branco estacionando nas vagas de visitante, próximo à entrada.

O piloto desceu rapidamente do carro e correu até seu encontro.

“Tudo bem, deixe comigo.” E pegou Beni nos braços. “Nossa, o amiguinho é pesado. Como você consegue?”

“Não tenho outra opção.” Ela respondeu sorrindo agradecida.

“Você é uma boa mãe.”

“Obrigada.”

“Eu trouxe isto para você,” disse levantando o pacote, “deve estar com fome.”

Ele lhe encarou surpreso e sorriu.

“Oh. Obrigado!”

Caminharam lado a lado em silêncio, eventualmente lançando olhares furtivos, para em seguida baixarem a cabeça, sem graça.

Ele não estava acostumado a lidar com mulheres como ela. Não tinha nenhum referencial. Irene era muito delicada para um cara como ele.

Chegando ao quarto andar, Irene abriu o apartamento e o conduziu até o quanto de Beni. Deitou o menino em sua cama e voltou para a sala, onde esperou por Irene.

Ela tirou o casaco e os sapatos do filho, apagou a luz e fechou a porta do quarto. Pegou o pacote que estava sobre a mesa e entregou-o ao piloto.

“Panquecas com chocolate quente? Como você adivinhou?” Ele exclamou em tom de brincadeira.

Caminharam até a saída do apartamento. Irene encostou-se no vão da porta. Ele parou diante dela com o pacote na mão, um pouco próximo demais. Ela não recuou. Trocaram um longo e intenso olhar, que deixaria qualquer outra pessoa desconcertada. Mas os dois pareciam confortáveis com o silêncio. Essa era a linguagem deles.

“Nos vemos amanhã, então?” Por fim disse o piloto com sua voz aveludada, quebrando a atmosfera de intimidade que se formara entre os dois.

“Amanhã.” Ela confirmou.

–--

O piloto esperava recostado no vão da janela, no hall do quarto andar, com braços cruzados, óculos escuros, cabelo ainda molhado penteado de lado, usando seu indefectível casaco dourado.

Uma porta abriu-se e Beni disparou em sua direção, com o mini-Camaro em mãos. “É para dar boa sorte!” O piloto sorriu agradecido.

Em seguida, Irene sai do apartamento. Cabelo penteado para trás, grandes brincos de argola, nenhuma maquiagem, apenas sua pele fina, luminosa. Usava um vestido com estampas florais em tons claros, com cintura marcada e comprimento na altura do joelho. Poderia parecer um pouco maduro demais para sua idade. Mas encaixava-se perfeitamente em Irene. Ela estava adorável.

Não havia movimento no autódromo quando chegaram. Somente era permitido uma equipe treinando por período do dia. O piloto havia reservado a manhã inteira.

Sam o aguardava na oficina do box reservado pelo patrocinador, Neil. O Camaro preto estava pronto para cair na pista, graças às horas extras de trabalho que ele e o piloto haviam dedicado ao carro no dia anterior.

Beni mal podia acreditar que estava diante de um Camaro de verdade. O carro parecia muito maior visto assim, de tão perto. Especialmente para uma criança.

O menino correu para perto do carro e ficou dando voltas em torno dele, observando com devoção cada detalhe da carroceria da máquina, acariciando as curvas delicadamente com sua mãozinha, como se fosse uma pedra preciosa gigante.

Sam caminhou mancando até o piloto e Irene, com um sorriso rasgando seu rosto envelhecido pelo sol e suado pelo trabalho que havia começado desde cedo.

“Aí está meu garoto!” Exclamou, dando-lhe um tapinha amigável nas costas. Era visível o orgulho que ele sentia pelo piloto.

“Então temos visita hoje?” Dirigiu-se a Irene, limpando a mão suja de graxa na calça jeans para cumprimentar a moça, que mais parecia ter se arrumado para uma festa.

“Olá, sou Sam! Conheço este garoto desde pequeno. É um bom menino.” O piloto fez uma careta, envergonhado, e olhou para Irene. Ela sorriu concordando e apresentou-se.

“Pazer, sou Irene. Meu filho é louco por carros.”

“Percebi,” Sam voltou-se para Beni, que continuava examinando o carro meticulosamente, emitindo exclamações, excitado demais para conseguir se conter.

"É bom ter uma presença feminina por aqui, para variar," comentou distraidamente. "Sabe, sou viúvo, e o garoto nunca trouxe... errr, nenhuma amiga para nos visitar."

O piloto pigarreou, censurando-o com o olhar e Sam logo mudou de assunto inventando uma desculpa para sair dali.

“Que tal dar uma olhadinha por dentro dessa máquina, meu jovem?" Dirigiu-se para o menino, "Como você se chama?”

“Beni. Posso mesmo entrar?”

“Claro. Só tem que prometer que não vai tocar em nada.”

“Prometo!” Jurou o garoto.

Irene e o piloto ficaram encostados na mureta que separa os boxes da pista, assistindo Sam e Beni conversar animadamente sobre o carro.

“Tem certeza que não vamos atrapalhar? Digo, Beni está completamente fora do controle.”

“Foi por isso que eu o trouxe aqui. Não vou cortar o barato dele. Estou feliz em poder realizar seu sonho.”

“Não precisava fazer isso.”

“Não precisava mesmo. Mas é melhor quando fazemos por prazer, e não por necessidade.”

Entreolharam-se. Irene baixou a vista refletindo no que ele acabara de dizer. Será que havia algum sentido escondido por trás daquelas palavras? Ele parecia estar tentando ser gentil. Aquilo lhe agradava imensamente, no entanto, precisava proteger seu filho e a si mesma. Era uma garota sozinha com uma criança sob sua responsabilidade, não tinha o direito de se render aos encantos de qualquer homem que aparecia tentando lhe conquistar agradando seu filho.

Não que o piloto estivesse fazendo isso. Na verdade não sabia de nada. Não sabia o que pensar. Mas era o que parecia.

“A propósito, o jantar estava muito bom. Obrigado,” comentou casualmente, virando-se para a pista, apoiando os cotovelos na mureta de segurança. Nessa posição, tinha uma bela visão da silhueta de Irene. Sentia a suave fragrância de seu perfume invadindo seus sentidos quando a brisa da manhã soprava em sua direção.

Contrariando sua própria natureza, recusava-se a desejá-la. Via nela uma figura divina, imaculada. Mesmo sabendo que ela tinha um filho, ela lhe parecia uma garota pura.

Irene estava relaxada, feliz por ver o filho tão entusiasmado, divertindo-se como a muito tempo não o fazia. Havia simpatizado com Sam imediatamente, e sentiu-se aliviada ao perceber o quanto ele queria bem ao piloto, como se fosse um filho.

“Obrigada por proporcionar tudo isso ao Beni. Ele não se diverte assim a muito tempo.” Irene agradeceu imitando a posição do piloto, apoiando-se sobre a mureta.

“Ele é um garoto incrível.” Respondeu o piloto, pensativo.

“Sam parece gostar de você como um filho.”

“É, os filhos dele saíram de casa a muito tempo. Ele gasta toda sua energia paternal comigo.”

Os dois caíram na risada. Encostando seus ombros um no outro.

“Bom, preciso trabalhar.” O piloto ergueu-se e dirigiu-se para a oficina. “Sam, onde estão aqueles protetores auriculares?”

“Deixa comigo!”

“Irene, Beni, vai fazer muito barulho por aqui. Melhor usarem os protetores, ok?” Sam revirou algumas gavetas à procura dos protetores e então entregou um para Irene e outro para o menino. Seguiu para as escadas, indicando para subirem até o andar superior. Irene segurou o filho pela mão e subiu os degraus, seguindo a orientação de Sam.

“Aqui é mais seguro. E tem uma visão privilegiada da pista!”

Lá de cima podia-se ter uma visão geral do autódromo, com arquibancadas cobertas em um trecho ao lado de uma longa reta. No espaço central da pista havia várias indicações de distância, placas de sinalização, barreiras de segurança com pilhas e pilhas de pneus, distribuídos dos dois lados da pista nas áreas de curvas.

Era um universo completamente novo para Irene, e agora ela sentia-se muito deslumbrada com tudo aquilo.

Ouviram um estrondoso ronco de motor, abafado pelos protetores de ouvido. Beni soltou um gritinho de animação e Irene sentiu um arrepio. O Camaro preto saiu da garagem e dirigiu-se para a pista. A visão do piloto, glorioso dentro daquela máquina esplêndida parecia uma miragem, era surreal.

Dentro do carro, o piloto estava em casa. Não conseguia pensar em nada além de superar os próprios limites. Era como se o carro fosse uma cabine que o transportava para outro lugar, à medida que a velocidade aumentava.

A pressão que o deslocamento gerava preenchia o vazio constante dentro dele. Concentrou-se na aceleração, precisava obter o melhor rendimento do carro para garantir sua vitória na corrida do domingo seguinte.

Não aceitava ter o rabo preso. Estava pagando uma dívida que não era sua. Mas faria de tudo para livrar-se dela. Ganharia todas as corridas, faria horas extras, trabalharia no turno da noite, se fosse preciso.

Até uma semana atrás não se importava com o estilo de vida que levava.

Mesmo com o mafioso na sua cola lhe lembrando o tempo inteiro que devia muita grana, ele não dava a mínima, apenas fazia seu trabalho e pagava seu débito aos poucos sem pressa. Afinal, não tinha para onde ir. Não via como sua vida pudesse ser diferente do que era. Não pensava no futuro. Acostumara-se com a situação.

Mas agora era diferente. Agora enxergava um horizonte bem mais amplo adiante. Mil possibilidades, planos que jamais se permitira ao menos sonhar, invadiam sua imaginação. Sonhava em construir um futuro. Tudo isso por causa de Irene. Depois que a conheceu, passou a ter a razão que ele nunca teve para lutar por uma vida melhor.

Precisava urgentemente cortar relações com Neil. Irene é o tipo de garota que jamais se envolveria com um cara metido com criminosos, especialmente um mafioso perigoso como Neil. Precisava mantê-la e a Beni seguros, afastados desse submundo enquanto ainda devesse alguma coisa à máfia.

Engatou a sexta marcha e pisou fundo no Camaro, entregou-se a seu instinto de piloto e acelerou pela reta dos boxes, atraindo a atenção de seu pequeno grupo de expectadores.

O coração de Irene batia acelerado, como se fosse acompanhar o ritmo do piloto. Beni vibrava exclamando “Vai Sr. Camaro, você é o melhor!”

Sam observava atento o desempenho do carro e de seu protegido.

Mais uma vez o piloto pensou em Irene. A presença dela no autódromo o deixava mais auto-consciente, coisa que nunca havia lhe acontecido. Nunca se importou em causar impressão a ninguém. Estava incomodado.

Ao aproximar-se da curva fechada, reduziu a marcha no tempo errado e acabou sobrando na curva, atirando carro em alta velocidade em direção à parede de segurança, coberta com várias camadas de pneus.

O Camaro derrapou sobre os pedriscos por vários metros até parar a cerca de quatro metros de distância dos pneus empilhados.

“Mas que droga.” Exclamou por entre os dentes, desapontado com a própria falha. Deu partida novamente para checar se o motor havia sofrido algum dano. Acelerou, aparentemente estava tudo ok. Moveu o câmbio para checar se a caixa de marchas, que Sam havia consertado a poucos dias tinha quebrado. Engatou a primeira marcha e voltou para a pista lentamente, aliviado por não ter jogado todo o trabalho da semana fora.

Deu uma última volta na pista com velocidade moderada, observando toda e qualquer possível alteração que o Camaro possa ter sofrido no acidente.


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Notas finais do capítulo

E essa aproximação entre Irene e o piloto? O que estão achando?
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Beijos e obrigada.