-Ville... Eu já terminei com ele...

         -Há quanto tempo?

         Fiz silêncio. Eu queria mentir para ele. Dizer que não o via há mais de vinte anos... Mas algo me impedia. Só podia ser aquele olhar. Lembrei-me da visão. Aquela em que ele me deixava e me dizia coisas terríveis. Agora era a hora.

         -Há um dia.

         -Então me conheceu quando terminou com ele?

         -É. Eu sei o que vai dizer... Mas eu juro! Não tem nada a ver! Nada a ver! Eu não sou assim! Foi só que...

         -Não se explique. Não precisa.

         -Não precisa?

         E que sorriso maldito. Quase tropecei enquanto estava parada olhando para ele. Foi ridículo.

         -De maneira alguma. Eu entendo.

         Meus olhos cintilaram. Agradeci imensamente. As visões terríveis se foram e Ville me pareceu ainda mais perfeito que nunca.

         -Mas então. - Ele disse - não vai me convidar pra entrar?

         -Claro! Venha...

         Fiquei muito aliviada e curiosa aquela noite. Fiquei agarrada nele o tempo inteiro. Não queria que fosse embora e me deixasse esperando como da última vez. E queria minhas respostas.

         -Ville... O que você é?

         -O amor da sua vida.

         E me deu um beijo romântico e suave. Deu uma mordidinha em meu lábio inferior e me segurou em seus braços.

         -Apenas esqueça o que aconteceu lá na frente. Aquilo não foi nada.

         -Vocês dois quase se mataram lá na frente que eu sei! Quer que eu me esqueça como disso?

         -Pense em mim.

         Minha vontade foi de responder que eu já praticara isso a tarde inteira enquanto ele não estava. Ao invés disso, falei:

         -Mas isso eu já faço.

         -Então vai esquecer logo. Não se preocupe. Prometa isso para mim.

         -Ta bem...

         -Ótimo.

         E voltou a me beijar, só que mais calorosamente que antes. Eu estava adorando tê-lo por perto quando pensei que nunca mais nos veríamos... Dessa vez ele não iria embora. Iria ficar comigo e...

         -Não vou poder ficar aqui hoje.

         -POR QUÊ? Quer me matar?

         Ele sorriu quando fiz a ultima pergunta.

         -Quer ou não quer?

         -Vamos falar sobre isso mais tarde. O fato é: eu não posso ficar aqui hoje. Nem dia nenhum. Posso te ver à noite e vai ser sempre assim.

         Ele falava como se isso fosse uma coisa normal e muito simples. Meu interior dizia que isso só acontecia porque ele não queria me ver sempre... E se ele tivesse outra? Que cafajeste! Como é que ele ousa fazer isso comigo? Só que... Nada passa de um bando de suposições idiotas. Talvez ele tenha uma doença incurável e não possa me ver de manhã... Quem sabe?

         -Mas Jessy, - Disse ele, com a voz mais hipnotizante que nunca – eu estou aqui agora. Não é o suficiente? Não consegui provar para você que não sou um mentiroso?

         Aquilo partia meu coração. Eu queria tê-lo para mim por todo sempre! Para quê essa porcaria toda de ir embora? Eu entendia que ele também tinha uma casa, mas... Será que um dia inteiro ele não poderia passar comigo? Senti uma fina camada de lágrimas se formar ao redor de meus olhos.  Eu estava a ponto de gritar e a choramingar como uma criancinha mimada quando ele me abraçou.

         -Vai ficar tudo bem. Eu prometo. Vamos só esquecer essas coisas desagradáveis, ok?

         Acenei positivamente e ele sorriu. Um sorriso forte o suficiente para me fazer sorrir também. Eu ainda estava fazendo beicinho quando ele me beijou mais uma vez.

         -Mais calma agora?

         -Aham...

         -Então me diga o que fez o dia todo.

         A resposta correta seria: “Pensei em você; pensei em você; pensei em você; fui tomar banho pra tentar parar de pensar, mas não consegui; pensei mais um pouco em você; fui cozinhar pra ver se isso passava, mas não adiantou; pensei em você; pensei em você e... É, pensei em você.” Eu não poderia responder isso de jeito nenhum! O que uma pessoa menos obsessiva pensaria?

         -Nada de interessante. Só fiquei aqui sem fazer absolutamente nada.

         E agora era minha vez de fazer as perguntas.

         -E você fez o quê?

         -Fiz o que tinha de ser feito para poder estar aqui agora.

         -E o que seria isso exatamente?

         Ele deu uma risadinha alegre e respondeu:

         -Segredo.

         -Ah! Isso é INJUSTO!

         -Claro que não é! Você tem que entender que por mais que eu queira, não posso te contar tudo.

         Eu o abracei e deitei minha cabeça em seu ombro. Aquele mistério todo me deixava muito deprimida.

         -Não fica assim Jessy... Quem sabe você não descobre tudo isso um dia?

         -Esse dia vai demorar muito?

         -Eu não sei, oras!

         -VOCÊ É MAU COMIGO!

         -Eu sou terrível.

         E a voz começou a me derreter ali em seus braços. Eu estava quase caindo, quando olhei para seu rosto e observei aquele sorriso. Isso tudo ajudou a me fazer sentir ainda mais fraca e a reparar como eu era uma criatura vulnerável ao seu lado.

         -Vem... Melhor você se deitar. Deve estar cansada.

         E ele tinha razão.

         -Ta... Pode ser...

         Ele me segurou em seus braços e me carregou até a cama.