Ainda chocada, encostei uma de minhas mãos onde ele havia me beijado. Senti o sangue frio pingando dos meus lábios e caindo em minha blusa. Não era tanto sangue assim, só o suficiente para manchar o que eu vestia.

         Permaneci prostrada atrás do muro enquanto tentei organizar meus pensamentos. Sem nenhum sucesso, obviamente.

         A mente dele começava a tentar se desviar da minha; ficava cada vez mais distante. Como eu mal conseguia respirar, senti medo. O medo de perdê-lo para sempre. E o que fiz para evitar que ele fosse embora? Nada.

         Que fraca!

         Permaneci parada atrás do muro por um bom tempo.

****

         Quando cheguei em casa, fui direto tomar um banho. Deixei a água quente me limpar de todos aqueles problemas insanos...

         Fora terrível andar na rua; as pessoas me encarando e eu, toda suja de sangue... O pior era ter que enfrentar toda aquela dor de perda. Eu não tinha certeza de nada e isso já estava acontecendo!

         Oh, como eu precisava dele. Era uma necessidade incondicional! Mas afinal... Por que ele fugiu de mim quando o vi? Mesmo com aquele detalhe do “chupar sangue” ele ainda era o homem mais perfeito do mundo!!!

         Quer dizer... OMG! Ville não é um homem! Ah... É um homem sim, mas não é humano! Ele é um vampiro! Daqueles que mordem as pessoas e não saem por aí na luz do dia... Isso mesmo! Daqueles que gostam de matar garotas indefesas e bobas! Como eu!

         OMG! Ele queria me matar!

         E será que ainda não quer? Não sei...

         Mas se não o fez, algo deve estar errado.

         Agora tudo fazia sentido: o nosso encontro misterioso, o jeito dele de agir, de me olhar... Aquele olhar faminto. Ele deve estar querendo me matar a muito tempo e eu, burramente, nunca percebi!

          Explica-se dessa forma, o porquê dele nunca ter acordado ao meu lado quando fazia muito Sol. E também, o porquê dele manter alguns centímetros de distância do meu pescoço.

         E qual era o mal em ser vampiro? Eu não dava a mínima para isso! Tudo que eu queria era tê-lo ao meu lado. Pouco me importava se ele fosse um vampiro ou um ogro, só tinha de ser ele mesmo, com aquele jeito maravilhoso e romântico de sempre. Só era um pouquinho perigoso. Eu poderia acabar morrendo em qualquer dia desses...

         Morrendo? Desde quando eu ligo para a minha morte? Se me conheço bem, é exatamente isso que quero! Não existem problemas quanto a namorar o vampiro finlandês gostosão! Pronto!

         Porém... Ele não estava mais aqui. Ele nunca mais iria voltar. Era o que meu coração dizia: “Ele nunca mais vai voltar.”

         Será que ele ficou com medo de mim, por eu saber a verdade? Será que pensou que eu contaria para os outros? Eu não era assim... Só estava assustada... Chocada, um pouco. Nada de mais!

         Terminei meu banho e fui trocar de roupa. Tomei outro susto ao ver a jaqueta em cima da cama. Um bilhete preso a ele dizia: Devolvido como prometido.

         Que lindo... Ele cumpriu com sua palavra. Mais uma vez... Eu queria tanto que ele voltasse...

****

         Uma semana se passou desde o incidente. Agora todas as pessoas me pareciam um pouco estranhas. Eu olhava para elas e ficava imaginando se eram humanos como eu, ou outras criaturas fantásticas, assim como Ville.

         Ele não voltou, afinal.

         Nem apareceu na bolha dos meus sonhos.

         Tentei me matar umas três vezes. Em vão. Uma força maior que a minha veio a me impedir. Talvez ainda fosse ele, penetrando em minha mente. Talvez fosse outra coisa. Talvez, a verdade era que tudo isso não passava de um sonho e eu iria acordar ao lado de Ben a qualquer momento.

         Na segunda-feira, fui para a lojinha como de costume. Não senti a presença de Ville àquele dia. Geralmente, mesmo que não pudesse vê-lo, eu sabia que estava por perto apenas por sentir sua presença. Era bom saber que não me abandonara completamente... Ou era isso, ou eu estava ficando realmente louca.

         Mas enfim... Na segunda, não senti sua presença. Senti-me vazia... E mesmo assim fui trabalhar. Ao final do expediente, deparei-me com uma nova lojinha bem em frente à minha. Chamava-se: Tia Sara Lê:

         É. Era esse nome mesmo. Achei esquisito. E dando uma boa olhada no resto da loja, percebia-se que se tratava de um lugar “fora do comum”. A curiosidade estava me pinicando e algo me disse para entrar.

         O lugar por dentro era ainda mais pitoresco. Grandes cortinas verde e lilás estavam espalhadas aqui e ali. O aroma era doce e ao mesmo tempo seco, abafado. Era cheio de gárgulas e caldeirões. Poções disso e daquilo.

         Que lugar interessante!

         -O que é que você quer, meu bem?

         Uma moça não muito velha estava parada no balcão a me olhar. Usava uma roupa rosa bem estranha e tinha pétalas de flores presas em seu cabelo de maneira incomum.

         -Nada... Só estava olhando. – Respondi.

         -Tem certeza... Não quer levar nadinha?

         -No momento...

         -O que é que você procura?

         Por puro relapso de atenção, respondi:

         -Estou procurando o Ville.

         -O Ville? Ville Valo? –Disse-me.

         Assustei-me. Ela conhecia o meu vampiro?

         -Ele mesmo!

         -Ah! Esteve aqui ontem!

         -E o que ele queria?

         -Desculpe, meu bem... Mas o assunto é do mais puro sigilo. E você não quer levar nada mesmo... Não lhe fará diferença!

         -É claro que fará!

         -A Tia Sara só conta coisas para quem merece sabê-las.

         Bem... Caldeirões, roupas esquisitas... Poções malucas e uma pitada de magia: tandan! Agora estava claro para mim. A Tia Sara era uma bruxa. Em todos os sentidos.

         -Hey, Tia Sara... Eu sei o que você é.

         -Então, você conhece. – Sorriu-me ela.

         -Conheço mais do que deveria.

         Legal! Ao participar desse mundo mágico, eu aprendi automaticamente a falar códigos que as pessoas normais jamais compreenderiam! Um exemplo disso é o Eu sei o que você é.

         -Sim. Ele esteve aqui ontem, meu bem. Estava confuso, assim como você. Já não sabia mais o que fazer.

         E a culpa só poderia ser minha! Estraguei a vida dele!

         Bem... Vampiros vivem?

         -Por que? Será que é tudo minha culpa?

         -Não, querida... Ele também está confuso por você... Mas, os inimigos são sua maior preocupação. Eles avançam rápido. E estão em maior número.

         -Inimigos?

         -Sim.

         Ville agora estava em perigo. Isso não podia ficar assim! Senti ainda mais saudade dele... E também uma vontade enorme de morrer por não estar mais ao seu lado.

         -Como posso encontrá-lo, Tia?

         -Sabe que não vai ser de graça...

         -Hummmm... Aceita cartão de crédito?

         Ela sorriu calorosamente.

         -Estamos no século XXI, meu bem! É claro que aceito!

         Sorri para ela em resposta, já abrindo minha bolsa.