Something Like Love escrita por Boca de Netuno


Capítulo 5
capítulo cinco.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/20912/chapter/5


   Quase duas semanas haviam se passado, e eu ainda sem coragem de falar novamente com Patrick. Eu não tinha certeza se já era hora de abdicar da minha manta invisível, então ainda não podia correr o risco de falar com ele em horário de aulas, tendo a grande chance de ser completamente ignorada. Eu fui muito à biblioteca durante esse tempo, mas na maioria das vezes, eu não conseguia ler mais do que uma página. Apenas o ficava observando arrumar os livros, sem que ele me visse. Não havia falado com ele de novo depois daquele primeiro dia, e ele não parecia ter muita vontade em fazê-lo.


   Antes que eu tivesse percebido, o sinal tocou para nos avisar sobre o primeiro intervalo. Eu, sem pensar direito, falei para as garotas que não iria passar esse intervalo com elas. E falei o mesmo para Seth. Fui para o pátio, por instinto. Estava na hora. Decidi, sem saber, e sem pensar duas vezes, em ir contra todos os meus princípios e falar com ele de uma vez. Era o que eu mais queria fazer nesse momento. Sem ter a mínima consciência do que estava fazendo, andei até o banco encostado no muro, sempre olhando para a pessoa ali sentada. Ele me olhou espantado quando eu parei em sua frente.


   "O que você faz aqui?" ele perguntou tão baixo, que eu tive que ler seus lábios para entender o que ele quis dizer. Seu rosto demonstrava surpresa, mas seus lábios traíram essa expressão quando ameaçaram sorrir. "Se quiser se manter invisível, é melhor dar a volta e fingir que derrubou algo aqui por perto."


   "Eu realmente não estou mais me importando muito em continuar invisível." comecei falando no meu tom de voz normal, o qual pareceu extremamente alto naquela hora. - "Posso sentar com você?" perguntei em tom inocente.


   "Você vai se arrepender de fazer isso", ele disse, mas ao mesmo tempo, escorregando um pouco para o lado. Sentei-me ao seu lado, virada de lado para poder encará-lo.


   "Por que você lancha sozinho?" disse, tentando começar algum tipo de conversa.


   "Por que você se importa?" ele respondeu com a voz um pouco mais alta, um tanto rude. "Eu devo ser a pessoa mais desinteressante do planeta." continuou naquele primeiro tom, melancólico, olhando para sua lata de refrigerante, como de costume.


  "Ou a mais interessante." retruquei, esperando pela reação dele. Tudo o que fez foi me encarar como se encara um bicho estranho pela primeira vez, com curiosidade e cautela. E, por um bom tempo, parecia estudar meu rosto com os olhos. -"O quê?" - ri quando ele desviou rapidamente o olhar para o chão, corando ao perceber que ficara fitando tempo demais.


   Já que nada acontecia, uma vez que nós dois permanecemos calados, as pessoas pararam de olhar, e eu me senti mais à vontade. Parecia que ele também, pois suspirou baixo e jogou a cabeça para trás.


   "Ok, diga-me algo sobre você; eu não sei quase nada.", eu sorri, e nos prendi em uma bolha imaginária, ignorando o resto em torno de nós.


   "Você é bem estranha."  ele riu silenciosamente. "Caso você não tenha percebido, eu não sou muito de falar, quanto mais de contar sobre minha vida no meio do pátio."


   "O que me faz ainda mais curiosa." -  eu continuava sorrindo.-  "Ok, então, sobre qualquer coisa. Sobre você, hamsters, aliens, o que você quiser falar."


   "Não sei pra que você quer saber."  - ele insistiu. Eu ia responder, mas ele me cortou antes que eu pudesse fazê-lo. "Eu uso lentes de contato. Pronto, você sabe algo sobre mim. Contente?"


   "Foi tão difícil assim?"


   "Aqui, no pátio, com mais trezentas pessoas ouvindo? Sim."


   "O problema é que não existem muitos lugares onde não haja pessoas, Patrick...."


   "Exatamente por isso que eu me mantenho calado, e não sei por que, mas você me faz falar mais do eu um dia imaginei que falaria num lugar desses, e agora eu não consigo parar de falar." ele respirou fundo e selou os lábios.


   "Ah, tudo bem, eu vou parar de falar, pra você não ter seus acessos de tagarelice então." disse, debochando, e ameacei sair.


   "Não é bem assim." ele disse, me segurando ali sem me tocar. "Só é estranho. Bem estranho. Agora todos sabem que eu posso falar." ele terminou num tom assustado, em brincadeira, e eu ri junto com ele. "Ah! Sinal." nós levantamos quando a música começou a soar.





   "Por que me chama de Patrick?", ele quis saber, enquanto caminhávamos até a saída da frente do colégio. Desta vez ele estava mesmo interessado, não fora uma pergunta rude ou debochada.


   "Pelo que eu saiba, é o seu nome." 


   "Não é isso. Porque não me chama de Stumph, como o resto do colégio?" ele estava confuso, mas em seu rosto era bem perceptível o sorriso.


   "Jamais gostei de chamar as pessoas pelo sobrenome. E, a propósito, Patrick soa muito melhor." - sorri abertamente, fazendo-o fazer o mesmo. "Posso chamar você de Pat?"-  perguntei com os olhos brilhando.


   "Por favor, não faça isso!" ele exclamou, petrificado, mas logo depois, relaxou "qualquer dia, te conto o por quê." disse ele, me deixando curiosa.


   "Ok, ok, Patrick,  está bem." disse, derrotada. "Onde você mora?" perguntei distraidamente, sem pensar duas vezes, e me arrependendo segundos depois (imagine se o garoto acha que eu sou algum tipo de perseguidora?) Mas, sem hesitar, ele me contou que morava a algumas quadras para acima, perto da minha casa.


   Ficamos poucos e preciosos minutos jogando conversa fora, comentando sobre o bairro ruim e que a única coisa que o salvava era a sorveteria do final da rua principal, até que ele checou seu relógio de pulso preto, disse que precisava ir, e foi subindo a rua.


   Fiquei observando-o caminhar por alguns instantes, até que ele olhou para trás, e eu tentei inutilmente me esconder nas grades, ruborizando tanto que devia ter drenado o sangue do resto do meu corpo, e conseguindo, sei lá de que jeito, bater minha cabeça e ficar ali, vermelha, gemendo de dor e comprimindo a cabeça com uma das mãos. 'Ele deve estar se acabando de rir da minha cara agora. Foi o que pensei, mas Seth saíra correndo em minha direção antes que eu pudesse olhar novamente, e não para me ajudar, mas para sanar suas dúvidas.


  "AGORA VOCÊ VAI CUSPIR TUDO!" ele disse, fingindo raiva, com um sorriso divertido no rosto, me ajudando a sentar encostada num poste, no nosso lugar de sempre. "Eu não agüento mais ficar sem saber dos detalhes!" Droga, eu estava sem saída. Bom, ele saberia, mais cedo ou mais tarde.


   "Tá, eu falo." disse, ainda comprimindo a cabeça com a mão que não estava apoiada no chão. Respirei fundo, recuperando o fôlego que eu nem sabia que havia perdido.


   "Eu tenho uma queda pelo Patrick. Uma super queda, desde o ano passado." comecei. "E fiz uma promessa idiota pra mim mesma de que eu me tornaria amiga dele até o final do ano. E estou me saindo muito melhor do que imaginei." suspirei de olhos fechados, e ele ficou esperando por mais. "O quê? Por enquanto é só isso." completei quando vi sua expressão ainda muito curiosa.


   "Eu vou fingir que acredito. E no que você quer que eu ajude?" Seth me perguntou, com os olhos brilhando e obviamente já formando algum tipo de plano de casamento em sua mente distorcida e alucinada. "Claro que ele vai ter que passar pela minha aprovação primeiro." ele falou, mais para si mesmo do que para mim.


   "Vai me ajudar muito se você mantiver isso entre a gente só nós dois. Você está proibido de contar qualquer coisa até mesmo pra Ash, ouviu?" ele assentiu, sorrindo. Seth adorava quando eu confidenciava um segredo somente para ele. "Obrigada."


   Seth, Ash e Katie se davam bem, para minha surpresa. Mas ainda era raro ver os três juntos. Pelo menos, quando eu não estava por perto.



   Seth era um amigo de extrema confiança e, realmente, confesso que fiquei decepcionada no dia em que descobri que era homossexual. Ele era lindo, o sonho de qualquer garota. Tinha cabelo bem escuro e repicado caindo no pescoço, sempre bagunçado e olhos num tom perfeito de castanho escuro. Era esquelético, quem não o visse comendo feito um animal, poderia jurar que ele não comia nada. E sabia se vestir melhor do que qualquer garoto (e do que várias garotas) que habitavam as salas de aula do ensino médio.


   Ele era o único amigo que tive na outra escola em que estudávamos. E, sinceramente, com ele, eu não sentia falta de mais ninguém. O único pequeno problema é que ele sempre fora indiscreto demais, então, pelas primeiras aulas daquele dia, ele ficou me olhando e gesticulando ao meu lado, ao que eu tentava ignorá-lo. Não me importei muito com as perguntas das pessoas sobre o que acontecera no intervalo em que conversei com Patrick, ainda mais se eram de pessoas que jamais haviam falado comigo. Não as respondia, e sabia que, conseqüentemente, eu havia virado motivo de fofoca pelo prédio do ensino médio inteiro nas últimas semanas.


   Não sei o que dera em mim, mas eu sentia que não me importava mais se eu era invisível, se eu era fofoca ou não. Eu estava conseguindo me aproximar de Patrick, e isso, para mim, era tudo o que importava. O que mais me surpreendera, foi que ele estava cedendo muito fácil, ainda mais para alguém tímido do jeito que ele era.


   No terceiro horário, que era com o professor regente da nossa turma, os lugares de algumas pessoas foram mudados. Devo confessar que não me surpreendi quando Seth mudou de lugar por conversar demais. Eu não era a única amiga dele na sala, então foi difícil escolher um lugar em que ele ficasse quieto.


   Para meu desgosto, fui mudada para a fileira da parede à direita, onde era o lugar de Seth. Pelo menos assim seria mais fácil ficar observando Patrick sem ser notada; afinal, ninguém que sentava junto à parede conseguia ficar com as costas encostadas na cadeira, ficávamos todos de lado.


   Atrás de mim sentava-se James, uma das poucas pessoas com quem eu conversava no colégio, à minha frente,  Rose, a representante da turma, que tentava ser legal com todos, e ao meu lado foi parar Twister, um garoto que não gostava de ser chamado pelo nome - devia ser estranho –  que não conseguia se manter acordado em aula alguma, tanto que era a segunda vez que cursava o primeiro ano e algo me dizia que ele o cursaria mais uma vez. Seth foi para a primeira carteira, do outro lado da sala, bem debaixo da mesa do professor, apesar de que isso não o impediu de me chamar a atenção com gestos e linguagem de sinais (era assim que nos comunicávamos quando estávamos em detenção, pois a inspetora dormia o tempo todo, mas acordava com o menor tom de voz).


   As próximas três aulas e um intervalo que se passaram foram uma tortura. Eu fui literalmente arrastada por Seth para algum canto, para que ele pudesse ficar eufórico sem que eu o repreendesse, e tivemos dois horários de matemática e um de física. Não tive a menor chance de falar com Patrick, pois ele saiu em disparada assim que o sinal do fim da aula soou.




   "Lilly, o que houve? Você mal tocou no macarrão." disse Tiffany, visivelmente preocupada. "Eu não coloquei carne no molho dessa vez" ela continuou, num tom suave ao me ver enrolar o macarrão com molho de tomate no garfo e deixá-lo cair novamente sobre o monte de massa.


   "Não é nada, mãe, não se preocupe." eu disse, automaticamente, levando uma garfada de massa fria à boca. "Humm. Papai ligou ontem à noite, disse que queria falar com você, mas você estava naquele jantar com suas amigas, então ele disse que ele ligaria hoje de novo, ou pediu que você ligasse pra ele, eu não lembro." resmunguei de boca cheia, lembrando do assunto.


   "Por que não falou isso antes?" ela perguntou, arrelagando os olhos um pouco e levantando-se para pegar o telefone. Dei de ombros e olhei para a expressão esperançosa dela.


   Nunca soube por que Tiffany e Phillip se separaram. Não é como se eles tivessem problemas muito sérios. Só sei que eles discutiram por algo banal e, três dias depois, os papéis do divórcio apareceram na mesa da cozinha. Além do mais, eles ainda se amavam, disso eu tinha certeza.


   Antes que eu tivesse notado, meu prato havia se esvaziado. Eu precisava parar com meus devaneios, eu nunca prestava atenção no que estava fazendo. Lavei a louça, minha e de Tiff, e fui para meu quarto, enquanto ouvia minha mãe conversar timidamente ao telefone do quarto dela. Peguei novamente Moulin Rouge, pois ainda não havia conseguido completar a leitura. Mas isso não era culpa minha. Toda vez que eu decidia ler, ele me vinha à mente, e eu não conseguia ler mais do que poucas páginas - ou linhas - dependendo do dia.


   Novamente acontecera. Tomei o livro em minhas mãos e deitei-me, abrindo-o na página marcada, encarando o borrão que as palavras se tornaram. Era ÓBVIO que havia algo me incomodando, mas eu jamais diria à Tiff que era porque Patrick Stumph, o garoto que ela nem sabia que existia, estava agindo estranhamente e diferente a cada dia.


   Havia dias em que nós conversávamos normalmente, mas também havia dias, como nesse dia, em que ele completamente me ignorava, e não proferia nem um simples 'oi'. Talvez eu fosse chata demais; eu nunca soube a razão. Disse a mim mesma que não deixaria isso me afetar, mas era impossível. Acho que já o amava, não era só mais uma paixãozinha boba.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Something Like Love" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.