Acordei por volta das três da manhã, ainda deitada no sofá, com uma coberta e um travesseiro perto de mim. Meu celular estava tocando e foi aquele o barulho infernal que me despertou. Sonolenta, atendi sem nem olhar o número.

   "Estou sem sono, quer conversar comigo?" a voz disse vivamente. Me arrependi de ter atendido a chamada.

   "Seth, por que você esperou até às três da manhã pra me ligar?" minha voz saiu rouca e baixa.

   "Eu ‘tava jogando, pra falar a verdade, mas o Ed resolveu aparecer por aqui e me mandou ficar quieto, porque ele não dormia há quatro dias. Como se isso fosse problema meu! Só então percebi que a voz dele estava mais baixa que a de costume. "E você sabe que é a primeira da lista."

   "Você não tem jogos no celular, um livro ou qualquer coisa assim?" perguntei com meu mau humor  de quando acordo, já sentada no sofá, esfregando os olhos e bocejando. Ele hesitou em responder, então eu cedi. "Tá, esquece. Tô quase acordada mesmo. Bom dia, seu madrugador lazarento!" resmunguei.

   "Isso! Obrigado!" ele disse o mais alto que podia.

  "Você se aproveita de mim porque sabe que eu não tenho coragem de desligar na sua cara." continuei reclamando, ainda morrendo de sono.

   "Deixando isso de lado, você precisa me contar o que aconteceu hoje."

   "Como você sabe que aconteceu algo?"

   "Bem, primeiro, você não desaparece o dia inteiro sem razão, deve ter um monte de chamadas perdidas no celular - a Ash e a Katie estavam preocupadas com você - , e a Tiffany sempre respondia que você não podia atender quando eu ligava pra sua casa. Segundo, Patrick não quis me falar nada quando eu perguntei o que aconteceu." ele fez uma breve pausa. "Então, você vai me contar?"

   Eu estava com sono e ele iria descobrir com certeza, de alguma forma, então me poupei de tentar criar uma história para encobrir o acontecido. Contei tudo para ele, respondendo todo tipo de perguntas que ele tinha, por mais inúteis que fossem. Não é preciso dizer que Seth ficou animado com tudo isso.

   "E se eu te dissesse que eu acho que ele também gosta de você?" seu tom de voz era sério, e eu até considerei a possibilidade, mas Seth já falara isso de alguns garotos que eu já gostei, e todas as vezes ele estava errado.

   "Eu diria que você está blefando." respondi num suspiro.

   "E se eu dissesse que estou certo desta vez?" seu tom mudara para um modo brincalhão.

   "Você não tem fontes confiáveis dessas informações." eu disse, certa disso. Ele hesitou novamente. Fiquei quieta, sem ter o que falar. Não demorou muito para ele começar um novo assunto, como eu sabia que ele faria.

   "Patrick disse que eles vão ter um ensaio logo. Você vai?"

   "Ah,é! Ele pediu pra te avisar, se você quiser ir. Vai ser quinta." ele parecia querer dizer algo, mas permaneceu calado, e eu não estava interessada, para falar a verdade.

   Ele passou uma hora contando sobre seu dia, e como uma garota se declarara para ele. Priscilla, da outra sala do primeiro ano. Aparentemente, ela não havia percebido que Seth era homossexual. Ele contou toda a história de como ela chegara encharcada na frente da casa dele (sabe-se lá como ela conseguiu o endereço). Seth a chamou para entrar e se secar, e quando ela o fez, beijou Seth e disse que o amava. Deve ter sido bem desagradável para ele explicar a ela a situação. Mas não a culpo, sempre o achei lindo. Tanto que me apaixonei por ele quando nos conhecemos, mas isso foi antes de ele decidir me contar que era gay.

   O relógio do videocassete piscou, avisando que já eram cinco da manhã. Eu, ainda com sono, deitei novamente no sofá, me cobrindo com a coberta azul que estava ali e deixei Seth falando sozinho, apenas murmurando palavras monossilábicas em resposta. Ele percebeu, depois de um tempo.

   "Lilly, você tá dormindo?" ele se interrompeu.

   "Não..." suspirei.

   "Você quer dormir?"

   "Uh-huh..." meus olhos já estavam fechados, e minha boca estava relutando para se mover. Não estava mais prestando atenção; eu iria apagar a qualquer momento.

   "Você podia ter me avisado antes que estava com sono." ele reclamou. Mas era o que eu estava falando desde que eu atendi! "Boa noite."

   "Vá dormir, Seth." me forcei a dizer, sorrindo. Ele desligou e eu dormi na mesma hora.