Sentei-me na beirada da cama enquanto Kevin conectava o console de seu PS2 na televisão. Não ousei olhar para Patrick, ainda sentindo meu rosto muito quente, e percebi que ele fez o mesmo. Nem sei como aquilo aconteceu, aquele assunto não levaria a nada. Eu só usei a conversa como pretexto para me aproximar. E eu ainda não sabia o que se passava pela mente dele, e o por quê de ele também ter se aproximado tanto. Lembrei da conversa com Liam, do dia anterior, e voltei a pensar na pergunta hipotética (ou não). Nunca imaginei que Patrick poderia mesmo gostar de mim, mas fiquei em dúvida depois do quase beijo.

   "O que você quer jogar?" o pequeno me perguntou, sorridente.

   "Qualquer jogo que não seja de futebol." respondi, vendo ele jogar metade dos jogos de lado.

   "Só sobrou corrida de carros e luta. Os outros são só pra uma pessoa." Kevin disse, sem se desanimar. "Carros?" eu assenti e pedi licença, me dirigindo ao banheiro que Patrick indicou.

   Me olhei no espelho, e vi a cor rubra ir se esvaindo lentamente de meu rosto. Tentaria não agir de modo estranho, mas depois daquilo seria mais difícil. Seria perfeito se Kevin tivesse chegado um minuto mais tarde, Parei de imaginar coisas e me forcei a voltar para o quarto, me deparando com os dois irmãos jogando um contra o outro. O menor se movia junto com o joystick de um lado para o outro quando fazia as curvas, me fazendo rir baixinho.

   "Achei que era eu quem ia jogar." disse, assistindo da porta. Patrick olhou rapidamente e sorriu, desviando logo para a tela. O outro estava concentrado demais para prestar atenção em outra coisa.

   "Ele me desafiou." justificou o mais velho. "Não podia simplesmente recusar." A partida terminou com a vitória de Patrick e muitas reclamações de Kevin. Porém, a diversão deles acabou quando Patricia foi nos chamar para o almoço.

   "De novo? Eu já falei que não quero ver vocês grudados nesse negócio antes do almoço, ainda mais quando vocês ainda estão em período de aulas." ela disse, tentando parecer irritada, sem muito sucesso, devido ao seu jeito extremamente meigo. "Desculpe por isso, querida, mas se não é o videogame, é o computador o dia inteiro." continuou, falando comigo. "A propósito, você também não come carne? Ricky tem me dado um bom trabalho com essa história de ser vegetariano." Eu não sabia disso.

   "Ahn, no momento, eu só tenho comido peixe mesmo." sorri amarelo, sem graça por dar trabalho. Ela somente sorriu.

   "Venham em cinco minutos, que vai estar na mesa." ela disse, em um tom amável. Perguntei se ela queria minha ajuda, Patricia agradeceu e pediu que eu pusesse os pratos na mesa. "Ricky, ajude-a a pegar o que precisa, querido."

   Patrick me ajudou a levar os pratos e talheres para a mesa da sala principal. Depois, ele pegou copos e a jarra de suco, pousando-os na mesa e ficou me encarando por algum tempo. Provavelmente Kevin havia voltado a jogar, escondido da mãe.

   "Ah, sobre antes..." comecei, sentindo meu sangue se concentrar em minha bochechas.

   "Não." ele me cortou com um tímido sorriso. "Não se explique. Não estrague aquele momento pra mim." falou suavemente, numa voz baixa, sem tirar seus olhos dos meus. Wow!, meu coração havia disparado, batendo descontroladamente como nunca antes. Eu ainda estava confusa sobre tudo, e não tinha muita certeza se eu havia entendido o que ele queria dizer.

   Ele cortou o contato visual, olhando para sua mãe, com potes pendurados nos braços, os despejando aleatoriamente em cima da mesa.

   "KEV!" Patrick chamou o irmão com a voz mais alta que eu já o ouvira usar. Kevin respondeu algo, e logo apareceu.

   Sentei ao lado do mais velho, com o pequeno à minha frente e Patricia sentada a ponta da mesa. Acho que nunca tinha visto Patrick sem boné antes. Depois de tanto tempo vendo ele com seu acessório favorito, era estranho, parecia que estava faltando algo.

   Almoçamos em silêncio, sendo que a única coisa que se podia ouvir era o arranhar das facas de metal nos pratos brancos. Ajudei Patricia a lavar e secar a louça e, a cada segundo, Kevin ficava mais impaciente. Antes que eu tivesse terminado, ele choramingou que queria brincar comigo e que fora por aquela razão que eu estava lá, e conseguiu, por fim, me arrastar de volta para o quarto, deixando Patrick em meu lugar.

   "Você gosta do meu irmão?" ele perguntou do nada, me assustando e fazendo com que eu largasse o joystick involuntariamente por um segundo, dando-lhe a oportunidade de ficar na frente no game.  Eu não podia acreditar que eu era tão transparente daquele jeito.

   "É trapaça distrair os outros." eu disse, retomando meu lugar.

   "Você não respondeu." ele parecia mesmo mais velho. Jamais imaginaria que um garoto de nove anos me perguntaria isso de supetão, muito menos que exigiria uma resposta. "E não foi trapaça, eu só te fiz uma pergunta, ué."

   "Sim, eu gosto dele. Ele é muito legal, e-"

   "Não como amigo." ele reclamou. "Você gosta, GOSTA dele?" eu fiquei calada. Lá sabia eu se ele iria manter a boca fechada sobre o assunto. "Não vou contar pra ele, pode falar pra mim." ele sorriu, lendo meus pensamentos.

   "Sim" eu disse bem baixinho, vendo ele sorrir mais, me passando no jogo novamente. "Mas eu não vou falar nada. Eu nem sei o que ele pensa de mim." continuei, falando mais para mim mesma do que para ele.

   "Sabe, eu vi vocês dois quase se beijando antes" ele confessou, em tom de malícia, mas com o semblante sério. Eu congelei. A porta rangeu ao abrir alguns milímetros, mas eu nem prestei atenção. "Tem certeza que não quer saber o que ele pensa de você?"

   "Tem certeza de que tem nove anos?" perguntei espantada, encarando-o.

   "Eu pulei uma série." ele disse, sacudindo os ombros. "Pare de espiar a gente, Pat." ele olhou para a porta e eu fiz o mesmo, vendo Patrick parado lá, com o olhar vidrado. Engoli em seco. 

   "Ele não ouviu nada de importante, não se preocupe." Kevin sussurrou para mim.

   Só fiquei aliviada quando ele voltou ao normal; por seu comportamento não ter mudado.

   Cerca de umas cinqüenta partidas depois, desistimos de jogar. Nenhum de nós dois conseguimos ganhar de Patrick, mas, pelo menos, Kevin ficou feliz por ter ganho várias vezes de mim, não que isso fosse um grande triunfo.

   Me despedi de Patricia e de Kevin, e Patrick me acompanhou até o portão. Na verdade, eu não queria ir ainda, eu queria conversar mais com ele, e descobrir se ele realmente havia escutado algo.

   "Então." comecei. "Posso mesmo te chamar de Pat?" eu ri quando o vi corar, mas ele logo respondeu com seu habitual sorriso tímido.

   "Pode. Tudo bem, se for você." ele tentou me encarar, mas estava meio hesitante.

   Num impulso meio planejado, segurei seu rosto com uma das mãos e lhe beijei o canto dos lábios. Ele me lançou um olhar assustado, mas eu apenas sorri. "Até amanhã." eu disse, tomando meu caminho.

   Estava quase na esquina quando olhei para trás uma última vez e o vi tocar onde eu o beijara, ficando vermelho. Meu coração bateu forte e eu segui sorrindo, satisfeita comigo mesma.

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