Serpentes e Leões escrita por Gaia Syrdm


Capítulo 4
Vidas em replay




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Um mês. Não era realmente muito tempo. Não para ele. Apenas uma ínfima parcela, que nem valia a pena ser considerada, mas... o fazia pensar há quanto tempo Chikage havia chegado a eles. Ele fora o último e era tão absurdamente inocente! Tinha uma carinha de menina linda e um sorriso de enfeitiçar. Mas nenhum de seus comportamentos eram femininos, nem seus gostos.

Sorriu ao lembrar de quando foram apresentados, dos sentimentos expressos nos olhos verdes. Foi quando ensinara ao rapaz sua primeira lição.

Sentia falta daquela risada, do modo como eles punham o castelo abaixo.

– Vê se volta, Chikage, ou eu mesmo vou buscá-lo, não se atreva a gostar mais de uma escola para mestiços – disse o moreno para o céu noturno.

Capítulo 4 – Vidas em replay

– Ah, que droga – disse Chikage, de repente, parando o meio do corredor. Ele e Draco estavam no 3º andar, estavam sozinhos e indo para a aula de Defesa Contra as Artes das Trevas. Normalmente saiam com antecedência, mas Draco quisera passar na Biblioteca antes. Não que Chikage fosse pegar alguma coisa, mas ele preferiu acompanhar o loiro a ir com as meninas até a sala. Apesar de ser muito popular não era bem um segredo que Chikage não estava demonstrando muito interesse nas suas colegas ainda.

– O que foi? – perguntou o loiro, levemente surpreso, já que era a primeira vez que ouvia o oriental reclamar de algo. E, bem, já fazia um pouco mais de um mês que o ele chegara.

– Esqueci meu livro no dormitório. Vai indo na frente que eu vou descer e já volto – respondeu, voltando pelo corredor, numa característica típica com a qual Draco já se acostumara: não esperar as respostas alheias. Virou-se para dizer que poderiam usar seu livro em conjunto, pois até descer tudo ele chegaria atrasado e não valeria a pena tanta corrida se não pudesse entrar na sala.

Mas o corredor estava deserto.

– Para onde ele foi? – Draco perguntou para o nada. Quer dizer, não era como se o colega não fosse amplamente visível, seja lá onde ele estivesse. Era possível localizá-lo mesmo na troca de salas, com todos os alunos por todos os lugares, como não vê-lo num corredor praticamente vazio? – Ei, Kakinochi?

E ele realmente não gostava nada de ter o silencio como resposta.

Voltou a seu caminho ainda tentando entender como nem sequer ouvira o barulho das botas de Kakinouchi (afinal, o piso era de pedra!). Será que conseguiria uma desculpa para o professor para explicar o atraso do colega? Quem sabe uma ida à enfermeira ou uma conversa com outro professor, não era segredo, nem novidade que os professores gostavam de conversar com ele...

– Sabe, eu amo os feitiços convocatórios, o que faríamos sem eles? Eu pelo menos ia ter perdido um tempão procurando esse livro, nem me lembrava mais onde o tinha deixado. Agora como ele foi para debaixo do meu travesseiro eu não faço ideia.

Assim que ouviu a voz meio rouca bem do seu lado, Draco tomou tamanho susto que pulou para a direita. De um modo meio teatral Kakinouchi pulou para a esquerda também, como se o susto de Draco o tivesse assustado (bem, talvez tivesse mesmo)...

– Que foi? Parece que viu um fantasma – perguntou Kakinouchi, fingindo acalmar seu coração, o velho sorriso nos lábios, uma dúvida nos olhos que não entendiam a reação exagerada do amigo aristocrático.

– Acho que um fantasma seria mais lógico – disse o loiro, o coração disparado pelo susto. Ok, reagir daquela forma a um susto não era nada digno de um Malfoy, mas como, por Merlin, o outro conseguira chegar do lado dele sem que ele percebesse? E tão rápido! – Pensei que tinha ido buscar seu livro – disse, tentando se recompor, mas falhando miseravelmente, seu coração ainda disparado.

– E fui, está aqui – disse erguendo o braço direito a altura da cabeça. E não é que o livro estava mesmo na mão enluvada? – Quando cheguei lá, não o achei em cima da mesa, então utilizei um feitiço convocatório. Como ele foi parar embaixo do meu travesseiro eu não faço ideia. Não costumo ler Defesa Contra as Artes das Trevas antes de dormir, sabe? Magia Negra pode dar pesadelos.

– E como você foi até as masmorras, procurou e achou um livro e subiu de novo em menos de 2 minutos?

– Não foram menos de 2 minutos – e ante a cara cética do outro sonserino, Chikage completou, verificando seu relógio – foram 3 minutos e 23 segundos. E a aula começa em mais 4 minutos. Acho melhor nos apressarmos, Trancy não deixa alunos atrasados entrarem – e partiu andando dois passos à frente, mas ainda devagar, instigando o loiro a acompanhá-lo.

Draco olhou novamente para o corredor. Era longo. E havia pelo menos quatro lances de escada, mais a senha, mais a escada para o dormitório, mais o caminho de volta.

– Como? Será possível que ele já estava com o livro?

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– Boa tarde a todos – disse Trancy, entrando na sala – O que vocês acham de um pouco de prática hoje? – perguntou, voltando-se aos alunos, sua simples pergunta fazendo muitos deles começarem a guardar os livros. Se havia uma aula na qual Trancy era bom, era na aula prática. O problema era que ele realmente dava uma aula prática! Seus feitiços eram sempre certeiros e era comum a presença de pelo menos um aluno na enfermaria depois de suas aulas (em especial Neville, Goyle, Crabe ou Cullen) – Podem escolher, o feitiço do Patrono ou os estuporantes.

– Péssimas opções – murmurou Rony – Quer dizer, ou seremos estuporados ou é bem capaz de ele trazer um dementador para a sala.

E Rony estava certíssimo.

– Pense pelo lado positivo, você já sabe o feitiço do Patrono.

– Muito bem, sem conversas, senhor Potter, senhor Weasley. ("como ele sempre acerta quem está falando?") Vamos fazer uma votação? Feitiços estuporantes primeiro. Temos 31 alunos, não? Senhor Kanochi, eu já disse que não aceitaria essa gravata frouxa uma segunda vez, não disse? Terei que lhe avisar todas as aulas? Muito bem, quantos querem... o que foi, senhorita Patil?

– O senhor não pretende trazer um dementador para a aula, né, professor?

– Então posso saber como a senhorita gostaria de aprender a conjurar um Patrono, senhorita Patil? – perguntou falsamente doce, fingindo não perceber o arrepio que percorreu os alunos.

Harry não estranhou que a turma tenha escolhido feitiços estuporantes numa votação de 29 por 2. Nem que Hermione tenha sido a única a perceber que se ele pretendesse mesmo levar um dementador a aula este já estaria ali e assim não haveria como os alunos escolherem o que queriam aprender.

Após a votação, com um gesto de varinha Trancy fez as carteiras sumiram e com outro conjurou almofadas. Em instantes todos estavam de pé a frente do mais novo professor de Hogwarts (e meio pirado, como dizia Rony).

– Muito bem, todos vocês conhecem o Estupefaça, não? Um treino rápido com as varinhas antes? Senhor Goyle, se acertar alguém novamente terei que lhe ensinar eu mesmo a segurar uma varinha. Senhorita Brown, por favor, mais firmeza nessa mão, como espera acertar alguém tremendo desse jeito? Muito bem, todos comigo, seguindo os meus movimentos, certo, senhor Thomas? Sem inovações aqui. Muito bem, agora. Estupefaça. Ótimo, mais uma vez. Ok, senhor Zabini, sem mirar essa varinha em alguém de novo. Ok, agora em fila. Cada um tentará me acertar com o feitiço. Não precisam poupar forças, e isso serve para o senhor também, senhor Potter. Eu irei defendê-los. Vamos continuar assim por cinco vezes.

– Ora, que novidade, não começaremos sendo acertados! – disse Parkinson, alto o suficiente para ser ouvida (mesmo todos tendo certeza que ela seria ouvida de qualquer jeito, não importando o quão baixo falasse).

– Já que gosta de inovações senhorita Parkinson, um passo a frente. Você começará – disse Trancy sem se alterar. Ele nunca se alterava. Alois Trancy era realmente um cara único, que apesar de sem dúvida ser o mais bonito professor de Hogwarts, não tinha bem um fã-clube. As alunas não caiam por seu jeito arrogante e suas roupas chamativas e igualmente únicas. Mas Rony achava incrível como ele sabia o nome de todo mundo e Lilá adorava suas aulas, Hermione achava que ele fazia excesso de digressões em suas aulas, mas não negava gostar muito das aulas do novo professor ("Acho que, se levarmos em consideração o 'ensinar alguma coisa' ele é realmente bom. Quer dizer, só tivemos antes o Remus e o Moody que realmente ensinaram alguma coisa").

Como era de se esperar, Harry quase acertou seu feitiço em Trancy ("muito bem, senhor Potter, mas um pouco mais de empolgação, sim?"), Hermione também foi muito bem ("perfeito como sempre, senhorita Granger"), Draco conseguiu projetar o feitiço na segunda vez de forma certeira, mesmo esse tendo sido brilhantemente defendido ("espero que tenham prestado atenção como o rosto do senhor Malfoy não deixou rastros de onde ele estava mirando. Excelente") e Neville conseguiu acertar o lustre que caiu bem em cima de Trancy ("digamos que, se levarmos em conta o efeito final, foi um feitiço eficaz"). Harry sabia que Neville já sabia fazer um perfeito feitiço estuporante, mas infelizmente ele ainda ficava muito nervoso quando estava mirando em alguém (que não fosse Belatriz Lestrange). Já Kakinouchi acertou de primeira, não que alguém duvidasse disso, seu feitiço rompeu o feitiço escudo do professor e o atirou para o outro lado da sala, nocauteado. Kakinouchi foi então dispensado das próximas quatro tentativas.

Hermione ficou tão inconformada com isso que, na sua vez, errou o feitiço, que bateu num estranho espelho e ricocheteou, quebrando uma gaiola cheia de Diabretes da Cornualha que se espalharam pela sala. Trancy levou pelo menos cinco minutos para prender todos e colocar ordem na sala.

Mesmo assim, a aula foi particularmente boa e no fim 25 alunos tinham conseguido um resultado eficaz, a Grifinória ganhara 2 pontos por aluno cujo feitiço dera certo pelo menos uma vez (e isso incluiu Neville e todos que um dia participaram da AD), assim como a Sonserina, que ganhara um extra de 15 pontos pelo primeiro feitiço estuporante que acertara Trancy nos últimos anos.

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A aula já tinha acabado, mas seguindo o costume a sala de Trancy ainda estava cheia e alunos o cercavam tirando dúvidas ou comentando a aula. Muito diferente do que sempre ocorria ao final da aula de Hagrid ou Bins nas quais os alunos desapareciam como que por mágica. Harry gostava do excêntrico professor (principalmente se o comparasse a Umbrigde ou Lockhart), mas realmente ficava pensando o quanto essa atenção inflava o ego dele, que já parecia bastante cheio.

Como Harry não tinha perguntas (ele próprio já tinha "ensinado" a matéria) já estava do lado de fora de sala com Rony e Hermione quando ouviu a costumeira voz arrastada que significava problemas.

Um dia ia lançar um feitiço do silêncio permanente para parar de ouvir aquele tom de deboche e pouco caso típico dos sonserinos, mas que para o moreno era único de um loiro de olhos cinza tempestade.

– Ei, Granger, acho que você está precisando estudar mais. Errar um feitiço conhecido não é um bom comportamento para a ex-melhor aluna do ano. Acho que está decaindo.

– Se olhe no espelho antes de falar, Malfoy. Você também acertou 4 em 5 vezes – respondeu Hermione entre dentes. Mais tarde ela se perguntaria porque simplesmente não acertara seu quinto feitiço no maldito sonserino.

– Não se compare a mim, sangue-ruim.

– Ela não está se comparando a você, Malfoy – disse Harry sem se conter, olhos verdes frente a frente com os olhos cinza, mais uma vez – Ela é melhor do que você. Sempre foi melhor bruxa e melhor aluna. Isso sem falar em melhor pessoa.

– Não tem como uma sangue-ruim como ela ser melhor do que eu. Ela pode até ter melhores notas, mas do jeito que estuda se não tivesse ela seria é muito burra!

E se tinha algo que Hermione não suportava eram insultos a seus esforços.

– Isso é ainda pior para você. Que eu, uma nascida trouxa, e que nunca tinha sequer ouvido falar de magia ou Hogwarts, tenha melhores notas que você, que praticamente nasceu com uma varinha na mão – disse a garota, sua raiva transparecendo em sua voz – Sendo assim você devia ter muito melhores notas do que eu, já que estudo mais para compensar o fato de ter passado quase 11 anos sem conhecer nada sobre o mundo mágico. E eu faço mais matérias que você.

– É, acho que sua cabeça não está mais comportando tanto estudo, Granger. Está até mesmo começando a errar. Perdeu o primeiro lugar, errou um feitiço hoje, logo, logo vai estar fazendo aulas de reforço. Parece que chegou ao seu limite de conhecimento.

– Não fale como se fosse você que a superou, Malfoy. Você nunca conseguiria isso. É fraco demais e idiota demais. Você não ganharia de Hermione nem se tentasse a vida toda – disse Harry, a varinha já em punho.

Malfoy não ficou atrás e também já tinha sua varinha apontada para o rival, a raiva transbordando.

– Acho que ainda não percebeu Potter, que em DCAT, meus feitiços costumam ser eficientes. Quer testar? Quer saber, Granger, se uma sangue-ruim como você consegue me enfrentar?

E Hermione chegou a dar um passo a frente, mas Harry tomou sua dianteira, num ato típico dele. Draco sorriu cínico. E depois ainda lhe perguntavam por que ele gostava de chamar Harry de o Santo-Potter.

– Está tão ansioso assim para me enfrentar, Potter?

– E você não acha que está sendo imprudente? Sempre mostrando para todos quantos feitiços você já aprendia em casa? O quanto seu papai já lhe ensinou? Ele com certeza não liga nem um pouco para a regra de "magia proibida para menores". Ele, alias, liga para alguma regra?

– E o seu ligava, Potter? Um veado, hein? Coitada da sua mãe – provocou Draco, não surpreendendo Harry. Os Malfoys sabiam que Sirius havia sido um animago, por que não saberiam de seu pai? Mas Harry ficou furioso com a insinuação. Em especial do final proferido de forma lenta, altamente provocativa, que fez o sangue de Harry ferver – Potter sempre grudado com Black. Você com Weasley. Parece que puxou mesmo seu pai

– Coitada da sua mãe, Malfoy – porque Harry não deixaria essa passar – Ter aquilo como marido. Lógico que você não acertou de primeira, afinal seu papai-professor não é muito bom nesse tipo de feitiço, né? Nem em duelos, nem em nada. Afinal, ele perdeu para adolescentes de 15 anos em junho, não? E ainda acabou preso! É, acho que ele não tinha muito pra ensinar mesmo. Nesse caso, parabéns Malfoy, por ter acertado na segunda vez. Não deve ser fácil ter que estudar com um pai tão inútil que tem que seguir um velho todo arrebentado para achar que tem poder – disse Harry, sabendo que estava indo longe demais, vendo nos olhos cinza a tempestade que eles anunciavam e toda a fúria que o loiro sentia a cada palavra proferida. Era uma questão de tempo, tempo para ver quem perderia primeiro a paciência e acertaria o outro. As varinhas mais do que prontas, só faltavam as palavras. Mas essas continuavam a jogar na forma de insultos, machucando mais do que os feitiços que elas convocariam.

Olhos cinzas que encaravam olhos verdes, ambos transmitindo raiva e indignação.

– Pelo menos, eu tenho pai. Ele não morreu traído pelo idiota do melhor amigo dele. Ele não foi idiota a ponto de confiar tão cegamente em alguém tão... nitidamente traidor – Harry sabia que Malfoy falava de Pedro, jogando na sua cara o quanto seu pai fora ingênuo, afinal Remus mesmo tinha dito que Pedro era muito medroso. Seu pai havia sido amigo e ingênuo e isso custara sua vida, a de sua mãe, a liberdade de Sirius e os amigos de Remus – É Potter, ao menos eu tenho uma casa para voltar e pais que me esperam na estação. Não sou como você que tem que passar as férias na casa de outra família porque a sua não liga para você. E que péssima escolha a sua. Por que não escolheu ficar na casa trouxa da Granger? Seria mais inteligente do que se enfiar na toca de coelhos que é a casa dos Weasley. Pelo menos lá tem espaço para comportar todos vocês? Como é que é ver uma família e saber que você não tem isso só porque seu pai foi burro demais?

– E como é ter um pai em Askaban por ser um idiota?

– Melhor um idiota preso do que um idiota morto. Ser filho de um presidiário é com certeza muito melhor do que ser um órfão indesejado.

– Expeliarmus! – berrou Harry, não aguentando mais, chegando ao nível máximo de sua raiva, contando que ele era muito mais rápido do que o loiro e sabendo que realmente era.

E estava certo.

Mas Draco não ficou parado e também disparou seu feitiço, um poderoso feitiço estuporante que quase pegou Harry, mas este se desviou quando a varinha de Draco voou longe. E tão rápido Draco se viu desarmado ele partiu para cima do moreno, acertando-o com um soco de esquerda e pegando Harry completamente de surpresa. Era a primeira vez que Harry via um bruxo atacando outro com um soco. Quer dizer, isso era algo tipicamente trouxa! Mas Harry não ficou parado e revidou, no entanto antes que ambos partissem para a luta física (como teriam feito) foram separados por um feitiço desconhecido que lançou ambos para lados opostos, fazendo-os cair sentados no chão, em choque.

Na frente deles estava Alois Trancy, a varinha em punho, o rosto sério. Ele olhava para ambos de cima e era impossível saber se ele atacaria ambos novamente ou não.

– Muito inteligente da parte de vocês começarem a brigar e a duelar bem na frente da minha sala. Me pergunto se achavam que eu sou surdo ou coisa do gênero – disse o professor, em seu rosto uma expressão de poucos amigos. Não quero saber quem começou, senhor Weasley. Quero os dois, senhor Malfoy e senhor Potter, na minha sala sábado de manhã. Acabaram de perder 10 pontos cada um. E também acabaram de receber uma detenção. Comigo. Estejam preparados. E sem atrasos.

Aos dois alunos ainda jogados no chão não restou nada mais a fazer além de lançarem um contra o outro mais um olhar fulminante. Um olhar que pedia claramente por uma vingança. Um olhar cheio de ódio. Ódio intenso, fogo intenso. Fogo que queima e que marca. Fogo que prende.

Mas a linha que separa a paixão do ódio é muito tênue, assim como a divisa que separa as chamas da vingança e as do desejo.

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Não era como se Alois e Severus se dessem bem, assim como não era segredo para ninguém que Severus não gostava dos novos professores de DCAT. Mas Severus respeitava Alois, na medida do possível. Não gostava do loiro arrogante e metido, no entanto não podia negar o quanto o outro sabia. Era uma relação parecida com a que tivera com Lupin. Nunca gostara do lupino, e gostava muito menos quando lembrava de sua época de estudante, porém como um membro da Ordem e como professor era impossível não respeitar seu conhecimento e sua didática. Não se gostavam, mas era diferente. Toda a tristeza do outro, a pobreza, o peso de seu corpo amaldiçoado, essas coisas aos poucos acabaram com a raiva. Nunca infligiram pena, mas minimizaram o desprezo e a inimizade. Com Trancy era muito parecido.

Dumbledore não opinava muito sobre o novo professor. Não é como se tivessem escolha, e já estava bem satisfeito com o fato de Trancy ter algo a ensinar, principalmente se comparado a três dos professores que Hogwarts já tivera nos últimos seis anos. Alois também não dava trabalho e não se queixava. Foi por isso que quando ele e Snape apareceram em seu escritório querendo conversar, algo já alertara o velho professor que coisa boa não era.

Sentados lado a lado não poderiam ser mais opostos. Os cabelos negros e os loiros, olhos expressivos demais e olhos vazios, roupas negras e roupas chamativas. Pareciam luz e trevas, mas mais uma vez opostos. Para Dumbledore, Snape era a luz, era uma das pessoas nas quais mais confiava enquanto Trancy pendia perigosamente pelo lado das trevas. Diferente da maioria dos professores, Alois não fazia parte da Ordem e preferia não se posicionar sobre a guerra, neutralidade, o diretor diria, se não conhecesse Alois tão bem. Não era segredo para ninguém, em lugar nenhum, que o loiro era mais do que fascinado pelas Artes Negras, mas ninguém sabia se havia Comensais na sua família. O fato era que Alois não era um Comensal, não porque não acreditava numa segregação feita a partir de um critério tão questionável como o sangue, mas porque mesmo concordando ou odiando a divisão que Voldemort queria impor ao mundo mágico o jovem simplesmente não faria nada a respeito. A favor ou contra (e não era como se alguém realmente soubesse o que ele pensava a respeito da guerra), Alois era egoísta demais para se arriscar por outras pessoas ou mesmo para se preocupar com elas. Da mesma forma que nunca arriscaria o pescoço por um ideal que não fosse fundamental para sua vida.

– Severus e eu estávamos conversando na Sala dos Professores e achamos que devíamos vir falar com o senhor, professor – disse Alois, fingindo não reparar que Severus não apreciava nem um pouco a ousadia do outro de lhe chamar pelo primeiro nome. Mas Alois não ligava e tirando Dumbledore tratava todos como iguais. Ou melhor, se igualava a todos – É sobre o garoto japonês que foi transferido.

– Algum problema com Kakinouchi? Ele não está se adaptando? – perguntou Dumbledore preocupado. Aceitara o garoto como uma concessão especial, para que não perdesse o ano, mas outros assuntos mais importantes – como uma guerra e três brincadeiras que incluíam inflar um fantasma, fazer chover dentro da escola e movimentar todas as escadas do andar Térreo do castelo – haviam lhe ocupado totalmente a mente e o velho professor nem lembrara do novo aluno.

– Digamos – disse Severus – que ele está se adaptando bem até demais.

– Estava achando que era uma coisa apenas da minha matéria, mas andamos percebendo que todos os professores estão comentando o quanto ele tem se sobressaído – completou Alois.

– Expliquem, por favor.

– Bem, ele com certeza sabe mais do que qualquer outro aluno – começou Severus, as palavras sendo escolhidas com cuidado – faz inovações raras, coisa que nunca vi antes. Não são inovações intuitivas, mas que proveem de um conhecimento anterior. Essa semana, por exemplo, estava ensinando aos alunos sobre soros da verdade e ele entregou uma poção nova alterando apenas meia dúzia de procedimentos na sua preparação. Quando o chamei para conversar a respeito ele pediu desculpas e disse que pretendia fazer a Veritasserum, mas que as duas eram tão parecidas que ele simplesmente se enganou. E ele sabe demais.

– Sua base teórica é incrível e sua habilidade é fascinante, Dumbledore. Também acredito que esse saber todo existe porque ele já estudou os temas que comenta, mas com certeza não os estuda mais. Diferente da Granger, que vive estudando, Kakiou raramente é visto lendo nossos livros. Seus feitiços também são ágeis e muito poderosos. E quando digo muito tenho certeza do que estou falando. Ele me acertou um feitiço estuporante perfeito, mais perfeito do que os de muitos duelistas. Não digo que ele é excepcional, mas ele com certeza foge a regra. Ele tem mesmo 16 anos? Não tem jeito de estudante.

– De onde ele veio, professor? – perguntou Snape.

– De uma academia oriental de bruxaria. Seu nome é Escola de Magia Zefir [1]. Uma escola que fica numa das ilhas entre a China e o Japão e atende todos os alunos das ilhas orientais próximas. Como nem as disciplinas, nem os exames, se parecem com os nossos, isso causa discrepâncias no Ensino que recebeu e recebe hoje. Hagrid me disse que ele sabia horrores sobre texugos mágicos, mas esse animal é típico do Japão, fáceis de achar e estudados desde antes da escola. Provavelmente é isso. Ele também foi criado em meios mágicos.

– Ele é sangue-puro? – perguntou Snape, indiferente.

– Não exatamente, ele disse ser mestiço, mas me disse que seu tio era um grande bruxo que o educou desde pequeno. Esse conhecimento todo deve ter vindo dessa convivência.

– Dumbledore, eu sou diretor da Sonserina, onde 70% dos alunos são sangue-puro. Eles não tem tanto conhecimento.

– Sim, mas você também veio de uma família mestiça e tinha um conhecimento absurdo quando entrou aqui, Severus. E só tinha 11 anos. Ele tem 16.

– Acha isso normal, Dumbledore? – perguntou Trancy – Que um adolescente saiba tanto? Ele sabe mais magia do que está demonstrando. Seus feitiços não são defensivos, são ofensivos, ele ataque, não defende. E arrisco dizer que conhece tanto de Magia Negra quanto eu. Pedi um trabalho com os contra-feitiços mais importantes e contra quais maldições eles poderiam ser usados. Ele listou feitiços que alunos de 16 anos não conhecem. Feitiços que muitos Comensais da Morte não conhecem.

– Quando Snape entrou aqui já sabia mais magia negra do que alunos do 7º ano. Você mesmo, Trancy, sabe mais Magia Negra do que muitos Comensais.

– Tenho 27 anos, professor, 11 a mais do que ele. E Hogwarts não ensina Magia Negra, portanto possuir mais conhecimento do que seus alunos formados não é algo extraordinário – disse Trancy, como se dissesse algo muito obvio – Dumbledore, eu me arrisco a dizer que ele é muito mais do que aparenta.

– O que acha, Severus? – perguntou o velho professor – Se tem alguém aqui que pode responder essa pergunta é você.

– Ele é realmente fora do comum, mas não parece cruel. Ele se relaciona bem com os outros alunos e não faz distinção nem entre as casas, não parece possuir ideias segregacionistas, nem tem o menor jeito de aprendiz de Comensal, mas... utilizasse o tempo todo da expressão sangue-ruim. O interessante é que ele não parece fazer isso por maldade ou para ofender.

– Não vejo porque crucificar o rapaz por isso – disse Dumbledore, pensativo, afinal ele próprio sabia mais que seus colegas no seu tempo, Severus também sabia mais que seus colegas, Tiago Potter e Sirius Black também eram inteligentes demais e todos concordavam que a jovem Granger era excepcionalmente brilhante – Mas vou solicitar um histórico dele. Assim veremos quais matérias ele já estudou e se tem relação com os assuntos que domina. Não é crime ser acima da média. Ele não será primeiro, nem o último.

– Uma última pergunta, Dumbledore – disse Snape, sem se levantar – porque o aceitou fora do período certo? Esse não é um costume seu.

– Ora, meu caro, achei ter lhe dito no primeiro dia que ele entrou por esse escritório e provou o chapéu – disse Dumbledore sorrindo e Alois balançou a cabeça numa negativa. Seu sexto sentido sempre fora forte demais para que ele não tivesse aprendido que ignorá-lo era uma idiotice. E seu sexto sentido estava alerta, lhe avisando que algo não estava certo, que algo estava muito errado, mas ele ainda não sabia o que.

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Hermione entrou no Salão Comunal da Grifinória tão irritada que assustou os primeiro-anistas que ali estavam. Caminhando de modo muito parecido com o da professora McGonnagal, a garota se aproximou da mesa que normalmente usavam e largou ali seus livros. O barulho assustou mais alunos e Harry viu alguns saírem do Salão.

– Eu simplesmente não suporto aquela doninha albina! – exclamou a garota furiosa – Como se ele fosse muito melhor para ficar fazendo toda aquela pose.

Rony abriu a boca para tentar acalmá-la, mas o moreno o impediu com uma cotovelada certeira. Se era preciso para Hermione extravasar sua frustração daquele jeito, ele que não ia interromper. Depois, também estava furioso com Malfoy e não podia culpar a garota.

– Droga! O que aconteceu comigo, eu tinha que errar justo na frente dos sonserinos? – Hermione perguntou, frustrada – E você ainda pegou uma detenção por me ajudar, Harry.

– Ah, bem, melhor eu do que você – disse Harry sem jeito.

– Mione, esquece aquele idiota! Todos eles! – disse Rony, de repente – Eles não chegam a seus pés e estão todos convencidos agora porque um deles está fazendo todo o trabalho. Malfoy não foi melhor que você na aula. Ninguém foi! Não sei porque fica tão preocupada. Eles não merecem nem um pensamento seu, caramba! Que caras são essas? – perguntou, notando os olhares surpresos que recebia.

– Sabia que às vezes você até diz coisas legais? – perguntou a garota.

– O quê! Harry você ouviu o que ela disse?

– É, bem... eu acho que... bem, foi legal da sua parte, Rony.

– Mas eu sempre sou legal! – disse o ruivo e ambos seus ouvintes rolaram os olhos. Não era só Gina que às vezes lembrava os gêmeos.

– Ok, então, estou indo para a Biblioteca, vou estudar um pouco. Não vou aceitar errar outra vez como hoje e muito menos ter que ouvir Malfoy repetir aquelas palavras novamente. Me de seu dever, Harry. Farei o seu para você.

– Como? – perguntaram os dois rapazes juntos, em choque.

– Está com febre, Mione – perguntou Rony, colocando a mão da testa da garota – hum... não parece quente.

– Ah, para de palhaçada, Rony – disse a garota, tirando a mão do ruivo – Harry pegou uma detenção por minha causa, nada mais justo do que eu o ajudar. Depois, ele vai perder o maior tempo cumprindo essa detenção. E ainda temos treinos de quadribol.

– Puxa, obrigado, Mione. Mas não precisa, eu concordo com Rony que você está exagerando, você já parece cansada, não quero te dar mais trabalho.

– Ah, deixa de enrolação e me entregue logo o seu trabalho – disse a garota, usando um tom de voz igual ao de McGonngal, um tom que não aceitava contestações nem "nãos". E não era como se os garotos alguma vez tivessem conseguido dizer não a esse tom. Ou mesmo que Harry não quisesse a ajuda da amiga (suas notas estavam mesmo ruins), ou não agradecesse. Ou mesmo conseguisse não rir ao ver Rony implorando para a garota fazer sua tarefa também.

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Draco entrou tão irritado no Salão Comunal da Sonserina que ninguém se atreveu nem mesmo a cumprimentá-lo. Ele iria matar Potter, isso sim! Maldito de um Potter, maldito garoto-que-não-quis-morrer-e-viveu-só-para-lhe-importunar! O loiro já estava quase na escada para os dormitórios quando ouviu Nott conversando com Jolie. Draco nunca fora de ouvir as conversas alheias, normalmente ignorava qualquer tipo de fofoca (desde que não envolvessem Potter. Se bem que a maioria das fofocas que o envolviam tinham sido criados por ele mesmo, mas... bem isso não vinha ao caso, realmente). Havia passado reto pelos dois colegas, mas parou quando ouviu Nott falando algo sobre "o maldito do japonês apareceu com tudo no dormitório de manhã". Ali, parado como uma estátua, Draco se lembrou de quando Kakinouchi saíra dizendo ir até o dormitório pegar o livro supostamente esquecido. Seria possível?

– Estou dizendo, quase tive um troço! Eu estava lá, todo tranquilo lendo quando ele apareceu do nada! Disse estar atrás do livro que havia esquecido.

– Como foi isso, Nott? – perguntou Draco, se aproximando e colocando seu melhor tom de comando na voz. Antigamente bastava ele falar para lhe obedecerem, mas depois que seu pai fora preso era preciso impor respeito sozinho. Draco sabia muito bem o que andavam falando dele pelas costas, sabia melhor ainda que ele não tinha mais o mesmo prestigio e que muitos que não gostavam dele tinham resolvido assumir o fato. Mas Nott não era do tipo que se imporia contra ele. Não Nott.

– Ah, oi, Malfoy, estávamos falando do seu novo amigo, o Kainou.

– O que tem ele?

– Não, é que ele gosta de dar sustos, sabe? Hoje eu estava lá no dormitório quando ele apareceu. Foi do nada! Quase cai da cama de susto. Por um segundo cheguei a achar que era o maluco do Trancy indo buscar os alunos que faltaram! Só depois lembrei que desisti da matéria dele.

– Achei que tivesse sido reprovado – disse Jolie, provocativo. Draco rolou os olhos enquanto os dois discutiam, esperando que Nott voltasse a sua história. Felizmente, não teve que esperar muito, pois Nott notando a impaciência do loiro resolveu continuar e acertar as contas com o colega de dormitório depois, sussurrando um "espere só e verá" e continuou:

– Então, o japonês, né? Hã, ah, acredita que ele apareceu do nada no quarto dizendo que tinha esquecido um livro? Procurou no malão e não achou, então disse Accio e o livro voou para a mão dele! Assim, ele nem usou a varinha! E se usou ela estava escondida nas costas dele. Então disse tchau, mas eu já estava descendo da cama, e puff, nada dele, nem o vi mexer na porta! Ele já tinha ido. Então olhei para o relógio e percebi que ele estava bem atrasado para a aula. Mas Jolie aqui estava me dizendo que ele foi na aula, que alias, chegou com você. Esse cara é muito maluco. É serio, Malfoy, é que você não dorme no mesmo quarto que ele. Teve um dia, aquele que choveu dentro do Salão Principal, que ele disse que ia dormir, eu vi quando ele entrou no quarto. Então eu e Medina fomos lá para dar um susto nele, íamos colocar o sapo de Brianc na cama dele. Afinal, puxa, o cara parece uma menina! Mas ele não estava na cama, ela estava vazia e arrumada. Olhamos por todo o quarto, mas nada. Bem, deixamos o sapo ali e de madrugada quando fui ao banheiro o vi saindo da cama dele. Pode acredita nisso? Estou dizendo, esse cara tem uma capa da invisibilidade e gosta de sair pregando sustos nos outros. Ele é muito estranho. Parece uma menina!

– Você só liga para o fato de ele parecer uma menina porque foi um dos que o paquerou no primeiro dia – respondeu Draco, se afastando e fingindo não ouvir a exclamação de indignação do colega, sua mente tentando assimilar que o oriental estivera mesmo no dormitório de manhã, assim como havia dito.

– Esse cara é muito estranho.

L&SL&SL&SL&SL&S

– Mione, posso falar com você? – perguntou Harry, sentando na frente da morena. Aquela hora a biblioteca estava vazia e era com certeza o melhor lugar para conversarem sem serem ouvidos. Rony estava jogando quadribol com Gina, o que era bom. Rony era um excelente amigo, mas às vezes era insensível. Ou melhor, desatento. Ele nem sempre percebia os pequenos detalhes e isso era mais verdade ainda quando relacionado a Hermione. Céus, até Harry já percebera as dicas que a garota dava!

– O que foi, Harry?

– Queria conversar com você. Não fique brava, ok? Mas, Mione, você não acha que está exagerando no número de horas que passa aqui? Às vezes sinto como se você estivesse diferente, deixando de ser a Mione que conheço, porque a Hermione que antes vivia lendo aqui o fazia pelo simples prazer de aprender e não para ganhar mais pontos que outro aluno. E não é nem como se Kakiou soubessem que vocês estão disputando. Me pergunto o que você acredita estar ganhando com isso.

– Harry, Harry, não é isso, eu não estou disputando com ele!

– Então porque desde que ele apareceu você parece ter dobrado seu tempo de estudo?

– Não é para ganhar dele, Harry! Não é. É só que... ele me dá raiva! Não é por ele saber tanto ou ter os professores todos encantados com ele, não é que eu não suporte que ele é melhor do que eu, claro que eu não gosto disso, mas não me incomodo com isso. É só que... Harry, como ele pode saber tanto? Já percebeu que ele nem sequer estuda? Nunca o vi na Biblioteca, nunca o vi estudando em parte alguma! Onde está o mérito pelo esforço próprio, Harry? E ele nem sequer tira as mesmas notas que eu, não, ele vai muito melhor! Em tudo! Isso irrita, sabia?

– Alguém que sempre sabe tudo? Sei como é, a minha melhor amiga também parece sempre saber tudo.

– Ah, Harry – disse a garota, mas não conseguiu se impedir de sorrir – Harry se ele ao menos se esforçasse eu não me importaria nem um pouco. Nunca quis ser a melhor, eu só não quero ser ruim. Mas ele consegue tudo sem esforço! Se ele estudasse, se ele pelo menos parecesse estar se esforçando. Me esforço tanto e ele nada. Isso me faz me sentir burra.

– Você nunca poderá ser chamada de burra, Mione – disse Harry, reprimindo um sorriso. Era impressionante como a amiga duvidava de si mesma. Qualquer outra pessoa com o conhecimento dela nunca ficaria com medo de reprovar numa prova ou ir mal em um trabalho por ter cometido um errinho.

– Eu não o odeio nem estou competindo com ele, Harry – ela disse novamente e quando ela não respondeu, ela continuou – É mais... como você e Malfoy, eu só não o suporto.

– Mione, vou ser bem sincero com você. É visível que você não gosta dele, todos já percebemos isso. Quem não tinha percebido com certeza notou depois da aula de DCAT. Mas o que você está fazendo... você mesma está se queimando. Uma coisa é você ser a nossa sabe-tudo, mas porque você sempre estudou muito. E estudava porque gostava! Mas agora, faz mais de um mês que tudo o que você faz parece ser se preocupar em superar Kakiou. Antes você era apenas alguém que sabia muito. Agora você se tornou alguém que não suporta perder. Você já percebeu que você só estuda e estuda e parou de nos dar atenção? Se continuar assim vai ficar doente. É diferente de quando estávamos no 3º ano e você pegou tantas matérias. Você não queria provar nada para ninguém, mas, você quer mesmo, voltar aquele ritmo louco? – perguntou o moreno, segurando a mão da garota – Perder o respeito que conquistou nos últimos cinco anos e meio apenas porque um sonserino tira notas maiores que as suas sem se esforçar para isso? Se for assim, que crédito ele tem? É fácil ir bem em algo que você domina. É fácil conseguir algo sem esforço, não tem mérito algum.

Hermione ficou calada, as palavras de Harry pesando em sua mente.

– Você é um grande amigo, Harry.

– Obrigado.

– Mas não foi da sua cabeça que todo esse discurso brotou, não é?

– Devo admitir que só uma parte dele. A outra foi de Remus. Escrevi para ele outro dia, contei as novidades, Dumbledore já lhe falara de Kakiou. A parte do mérito foi dele.

– Sabia – disse a garota sorrindo – E, Harry... o nome dele não é Kakiou.

– Eu sei, mas não faço ideia de como se fala o nome dele.

– Eu também não – admitiu a morena e ambos riram. O clima mais leve. Até, claro, Madame Pince aparecer e mandá-los calar a boca.

L&SL&SL&SL&SL&S

Já estava quase na hora do toque de recolher e Draco ainda estava andando a esmo pelo castelo. A mente em outro lugar, mais especificamente pensando num lugar que devia ficar numa torre e tinha a irritante decoração de vermelho e dourado. Imaginava o que um certo moreno de olhos verdes estaria fazendo e pensava o quanto queria quebrar a cara dele. Nunca antes pensara que utilizaria um golpe tão tipicamente trouxa na vida, ainda mais com uma plateia para ver, mas fora algo completamente irracional. Ele percebera que ia perder (não era como se ele realmente acreditasse que um dia pudesse ganhar de Harry) e resolveu atacar da melhor forma que conhecia: de surpresa. Utilizou-se do fato que ninguém nunca imaginara um Malfoy batendo em alguém com suas próprias mãos. Fora uma boa ideia. Apesar dos pesares foi delicioso ouvir o impacto de sua mão no rosto do moreno e ver os ridículos óculos redondos tortos. Pena que sua mão também acabara machucada (de novo) e ele nem tivera o prazer de quebrar o nariz do moreno.

Estava tão distraído que pulou de susto (mais uma vez) quando ouviu uma voz meio rouca atrás de si:

– E aí, Malfoy? – disse Chikage, que saia de mais uma das muitas salas que haviam no castelo. Draco sabia que sabia qual era aquela sala, mas esqueceu de pensar nisso quando percebeu que era a segunda vez no mesmo dia que Chikage lhe assustava, fazendo-o agir de modo amplamente indigno a um Malfoy.

– Você realmente gosta de pregar sustos, não? – disse mal-humorado, voltando a andar. Chikage foi atrás dele.

– Bem, não é proposital, entende? Perseguindo alunos fora da cama depois do horário?

– Se sabe por que pergunta?

– Que mal-humor! Caramba! Depois de ter quebrado os óculos de Potter achei que estaria mais animado. Alias, belo soco o seu.

– Não foi, nem sequer quebrei o nariz do testa rachada do Potter. E ainda peguei uma detenção.

– Mas foi um excelente golpe amador. Um soco com a esquerda não é fácil. Não tinha percebido que você era canhoto.

– Hn. Espera aí, como sabe? – perguntou Draco surpreso – Foi só um soco de esquerda. Se esperam algo da direita, ataque pela esquerda.

– Sim, tem razão, mas foi um golpe muito ágil. Por que não usa a varinha na mão esquerda? Seus feitiços ficariam muito mais rápidos – respondeu Chikage dando de ombros – Se fizesse isso, seu feitiço teria acertado Potter.

– Sua resposta não explica muito, sabia?

– É fácil, um golpe com a mão esquerda tem sempre, no máximo, a mesma velocidade que a mão destra. O mesmo ocorre com o canhoto; a mão direita não é mais veloz que a esquerda. Sua mão esquerda é mais rápida que a direita. Assim, deduzi que você era canhoto – e depois de um novo dar de ombros, Chikage enfiou a mãos nos cabelos, bagunçando-os – Um conselho: não bata com a mão tão aberta ou sua mão ficará machucada como está agora, e não abra tanto a guarda depois de bater, também utilize mais o punho e mantenha o cotovelo na altura do diafragma. Isso tudo ajuda muito.

– E você sabe como bater em alguém?

– Bem, sim. Fui campeão Junior de boxe, no meu país, antes de me tornar bruxo, sabe. Meu irmão era campeão sênior e eu treinei boxe todos os dias por cinco anos inteiros. Algumas vezes ganhei até de Pesos-Leve [2]. Que cara é essa?

– O que é boxe? – Draco perguntou e Chikage começou a rir e parou de andar.

– Um esporte trouxa que ensina a bater – e levantando uma mão fechada, o braço dobrado na posição de luta do boxe – Assim. Se eu tivesse batido no Potter o nariz dele estaria, com certeza, do mesmo jeito que o de Dumbledore... Se quiser eu te ensino.

– Sei, ok, eu acredito – disso o loiro de forma debochada, deixando claro que não acredita nada e voltou a andar, sendo seguido pelo oriental – Só acho que você teria que dizer a ele que a intenção era machucá-lo. Ele não perceberia.

– Malfoy, nunca julgue um livro pela capa. Muito menos uma pessoa pela aparência.

L&SL&SL&SL&SL&S

Harry passara quase todo o caminho para aula de História da Magia conversando com Gina. A garota não tinha aula naquele período e se oferecera para acompanhar o moreno depois de notar Rony e Hermione discutindo (não sabiam exatamente qual era o motivo dessa vez, mas tinham ouvido Hermione falar algo como "legume insensível" e "amplitude emocional de uma colher de chá". A palavra estudo não havia sido mencionada). O grifinório aceitou prontamente a oferta.

Estava tão entretido estava em conversar com a garota que Harry teria passado primeira vez em semanas sem reparar em Draco Malfoy, que passava sozinho do outro lado do 1º andar, se Gina não tivesse dito:

– E lá vai a doninha quicante. Rony disse que você achava que ele estava tramando algo Harry. Eu concordo com você. Nunca o vi andando sem seus dois guarda-costas descebrados atrás.

– É, mas eles acham que eu estou exagerando, assim resolvi parar de me preocupar com ele. Quer dizer, é o Malfoy! O que ele pode fazer? Nada além de tentar causar problemas. Resolvi parar de perder meu tempo. É bem provável que ele não estava fazendo nada além de querer chamar a atenção.

– É provável, mas é Malfoy e Malfoys conseguem causar bastante problemas quando querem. Não consigo não imaginá-lo quieto, sem estar tramando nada. Nem um pouco.

– Nem eu.

– Se bem que, agora que o papai dele foi preso, acho que ele está mais inofensivo, quer dizer, ninguém mais na Sonserina liga para ele, então ele deve estar mesmo só querendo chamar a atenção. Eu até diria bem feito se por isso ele não tivesse ficado ainda mais popular entre as meninas, mas pode até ser bem feito uma vez que para um esnobe como ele ser desejado por meninas “inferiores” não deve ser algo legal. Se ele ouvisse metade do que escuto talvez acabasse passando mal, assim como eu.

– Como assim, popular entre as meninas?

– Bem, ele sempre foi tido como um rapaz muito bonito e era bastante popular entre as sonserinas, mas agora que ele está mais distante de todos... bom, é como se ele tivesse virado uma espécie de coitadinho fofinho e esse negocio de bad boy e menino triste, para muitas meninos é tão atraente como sua aparência, que, acredite se quiser, está se tornando até mesmo motivo de especulações. Já cheguei até a ouvir que ele era neto ou bisneto de veelas! Acredita nisso? – e a garota deu de ombros – Eu disse que era ridículo, que meu irmão vai se casar com uma neta de veela e que ele nada tem a ver com elas, mas me ouviram? Nem perceberam o quanto isso era besteira já que os Malfoys se orgulharam tanto de ser puro-sangue. Acho que ele seria um dos primeiros a não aprovar essa história. Isso é só mais um dos muitos boatos idiotas que surgem aqui.

– É difícil crer nisso.

– É porque você é menino e não perde seu tempo reparando em Malfoy, mas eu também não entendo como elas reparam nele porque, sinceramente, ele é muito pálido, muito sem cor e seus olhos são cruéis, sádicos, nojentos, e tem gente que ainda fica preocupado com a cor deles. Francamente, seria a última coisa na qual eu repararia se fosse obrigada a olhar nos olhos dele. Do que adianta "ter um corpo legal" e se tem uma personalidade distorcida?

Harry engoliu seco ao perceber que Gina falava de coisas que ele reparara. Sim, coisas que ele sabia. Mas não era como se aquilo quisesse mesmo dizer alguma coisa. Ele só havia notado esses detalhes há pouco tempo e fora por circunstâncias estranhas e anormais. Não porque quisera reparar em algo. Concordava com tudo o que Gina dizia tentando não pensar que pensara que os olhos do sonserino eram bonitos. Porque não eram! Ele não devia olhar para os olhos do outro e muito menos para todo o resto. Ele não podia saber da coisas que Gina falava, nem concordar que a pele dele sob uma camisa branca transparente ficava realmente sexy.

– Mas, espera aí, como sabem que é sexy vê-lo com uma camisa transparente?

– Por causa daquele dia que choveu dentro do castelo e todos ficamos ensopados. Lembra que nos encontramos com ele? Roupa branca, quando molhada fica transparente.

– Gina, é difícil de acreditar nisso tudo, sério! Mesmo que ele seja bonito, é uma perda de tempo reparar nele. Foi por isso que parei de tentar descobrir o que ele está fazendo. Estava perdendo muito tempo em alguém que não vale a pena – disse Harry realmente tentando acreditar que esse fora o motivo dele parar e nada tinha a ver com o fato dele lembrar com frequência do "acidente nas masmorras".

Gina sorriu, concordando com o moreno, e fez uma pergunta qualquer sobre outro assunto, mas Harry não conseguiu não reparar que no andar de baixo, enquanto Malfoy andava, as garotas realmente viravam o rosto para lhe dar uma segunda olhada, garotas de todas as casas olhavam-no e comentavam e o loiro andava como se fosse alheio a isso, desaparecendo por um dos corredores.

E Harry queria realmente segui-lo. Agradeceu a presença da ruiva que o impedia de esquecer a aula e ir investigar o outro mais um pouco, mais curioso ainda. Com certo esforço impediu-se de também virar o pescoço, seguindo o loiro com o olhar, não pensando no fato que continuava atrás dele, por mais que dissesse que não o faria mais, sua mente sempre vagando para o que o loiro estava fazendo, a curiosidade tentando vencer sua resolução de ignorar Draco Malfoy.

Não que ele estivesse interessado, lógico.

Por que ele não estava.

Ele só estava curioso.

O que era muito diferente.

Interessado ele estava era em Gina, ela sim era legal e inteligente. Diferente, bonita, alegre. Adorava o humor dela, que lembrava muito o dos gêmeos. Assim Harry prosseguiu, tentando focar seus esforços em Gina. Não, em Gina não! Ele definitivamente precisava de uma namorada, parar de pensar na ruiva que era irmã de Rony e já tinha namorado.

Céus, sua cabeça estava confusa, seus pensamentos estavam uma bagunça e ele estava se sentindo cada vez mais estranho. Pensar em Gina e em Malfoy estava definitivamente afetando sua sanidade.

E pensar que teria que aguentar outra detenção... Só esperava que não viesse mais nenhuma masmorra suja. Outra manhã junto do loiro que acabava com seu sossego. Ah, se conseguisse descobrir logo o que o loiro fazia e assim desencanar dele de vez... Seus problemas ficariam resumidos a metade e ele poderia parar de pensar naquele tom de ouro com prata de seus cabelos e no quanto davam a impressão de luz surgindo no céu de tempestade cinza, cujos pontos azuis de céu já apareciam. Ele voltaria ao normal, tudo voltaria ao normal.

Porque, por Merlin, ele não podia ter acabado de comparar a franja de Malfoy em seus olhos com um céu, e sol e coisas do tipo. Ele não podia e não devia estar reparando em tantos malditos detalhes. Dentes brancos, lábios na medida certa para... ele não ia pensar isso. Não ia. Sentou-se em seu lugar, assim que entrou na sala de aula, e apoiou a cabeça nas mãos.

– Não, definitivamente não é normal reparar nesse tipo de detalhe, não é mesmo...

Em sua mente as palavars de Gina voltavam: "você é menino e com certeza não perde seu tempo reparando em Malfoy". Sim, ele era um garoto. Ele nunca antes tinha parado para reparar esses detalhes, ele nunca antes tinha perdido seu tempo com isso. Ele definitivamente odiava Malfoy. Com certeza, aquilo tudo tinha uma explicação. Tinha que ter.

Continua...


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Notas finais do capítulo

- N/A: Eu sou um desastre com títulos! Pensei, pensei e não saiu nada melhor do que isso.
Pobre Harry, estou ficando com dó dele. Normalmente eu diria que ele está absurdamente lento, mas... acho que se descobrir pensando de tal forma num rapaz que ainda por cima é seu rival... não deve ser algo muito bom de se descobrir. Agora a brilhante conclusão que ele vai chegar é típica do Rony! Vocês vão querer matar o Harry =PPPP
- Agradecimentos: A todos que estão acompanhando essa fic!