- Audrey, o que aconteceu? Audrey, fale comigo! - Adrienne me chacoalhou desesperada. - Por que está chorando?

Ainda de olhos fechados, perguntei:

- Em que aula estamos?

- Não estamos em aula nenhuma, estamos em sua casa! - O tom desesperado continuou em sua voz.

Abri os olhos embaçados pelas lágrimas e me sentei na cama. Minha cama, e eu nem vi como fui parar ali.

- O que aconteceu? - Minha voz estava rouca. Devia ter dormido horas. E minha suspeita se confirmou quando olhei para a janela e vi o crepúsculo se formando por trás dela.

- Você desmaiou na escola e foi trazida para cá. Sua mãe disse que saiu sem tomar café. Você é muito irresponsável, Audrey! Fiquei preocupada, não acordava mais e começou a chorar dormindo, eu nunca vi isso na minha vida! Será que pode me dizer o que aconteceu? Eu já não sei mais o que pensar, você está muito estranha. Anda faltando muito na escola, sem motivos concretos. E não me venha dizer que estava doente, que essa não cola! Agora fica "flutuando" na sala de aula, respondendo perguntas de Geografia das quais nem o próprio professor tinha certeza sobre a resposta e depois desmaia... - ela já estava quase sem fôlego de tanto falar daquela forma apressada. Deu uma pequena pausa para respirar e continuou. - Vamos, quero saber o que tem a me dizer sobre isso tudo! - concluiu.

- Assim que você parar de tagarelar, talvez eu consiga formular meu álibi. - eu disse sarcasticamente, a encarando.

- Desculpe. - disse ela baixando os olhos num gesto de vergonha.

- Bom, eu acho que só estava fraca mesmo. E quando disse que estava doente, não estava mentindo. - menti mais uma vez. - Sobre ficar "flutuando", eu acho que é de sangue porque meu pai também tinha isso... E quando acordava, a primeira coisa que fazia era procurar caneta e papel para escrever suas músicas. Pena que o meu flutuar não me trouxe esse dom. Pelo menos até agora. - senti minha voz mais baixa nas últimas frases e Adrienne percebeu, vindo sentar-se a meu lado e me dando um abraço.

- Audrey, você está bem? - revelou a voz preocupada.

- Sim. É que nos últimos dias as lembranças de meu pai vêm se manifestando com mais intensidade e me deixando assim. - desabafei.

- Não fique assim, querida. - falou enquanto apertava mais seus braços finos à minha volta. - Hoje é um dia para ser comemorado, é seu aniversário! - disse na tentativa de me animar.

Confesso que já havia até me esquecido disso. Não me importava mais.

- É, eu sei. Eu vou ficar bem. Só preciso... - hesitei, com medo de magoá-la, fazendo pensar que não gostava de sua companhia.

- Só precisa o quê? - virou-se para me fitar, com a expressão preocupada.

- Só preciso de um tempo sozinha. Será que você poderia me deixar sozinha aqui, só por alguns minutos, que seja? - disse meio sem graça.

- Claro. Te deixarei um pouco sozinha, se é o que quer, querida. E aproveito para preparar algo. Você não comeu hoje, deve estar fraca. - concordei num aceno.

- É, acho que estou mesmo. - menti. Na verdade, não sentia fome e nem fraqueza, mas aquela era uma boa desculpa para ela se ocupar e me deixar um pouco para que eu pudesse pensar.

- OK, estou descendo. Mas, me promete uma coisa?

- Claro. O quê?

- Que enquanto aproveita seu tempo sozinha, vai tomar um banho e se arrumar.

- Ah, sim. Nem eu mesma estou aguentando mais essas roupas. Vou tomar um banho e colocar meu pijama mais confortável. - sorri inocentemente de volta.

- Que pijama? Você está louca? Vai colocar uma roupa bem bonita. Aquele vestido e aquela ankle boot que compramos há duas semanas, lembra? - Como poderia não lembrar... Aquelas compras, somadas ao fato de chegar em casa às duas da manhã foram os motivos pelos quais Leana me espancou.

- Aff. Não pira, Adie! Vou colocar roupa nova pra ficar no quarto conversando com você?

- Óbvio que não. - disse revirando os olhos. - Vamos sair hoje. Já falei com sua mãe e "tá" tudo certo.

- Você só pode estar louca se pensa que vai me fazer sair do meu quarto hoje!

- Quem está louca é você se pensa que vai dormir às oito no seu aniversário! E você já desperdiçou muito tempo nesta cama hoje! Agora vamos, arrume-se enquanto eu vou ver se... - hesitou, como se estivesse falando algo que não pudesse. Chacoalhou a cabeça e continuou. - É, quer dizer, vou preparar algo para você comer.

- Não vai nem dizer onde me levará? - perguntei, já vencida.

- Hmmm... Surpresa! - ela falou enquanto saia do quarto fechando a porta.

Bufei e fui tomar banho. O que deveria ter feito antes, pois me deixou bem menos tensa e quase totalmente relaxada ao sentir a água quente e seu vapor me envolvendo. Acho que a banheira seria ainda mais eficaz, mas não tinha tempo para isso, já que sabia que ia demorar caprichando na maquiagem, uma coisa que adoro fazer. Depois sequei totalmente meu cabelo e joguei a franja de lado, larguei a toalha na cama - sim, eu tinha esse péssimo hábito - e vesti o que Adrienne sugeriu, um vestido preto "tomara-que-caia" muito bonito e a ankle boot super alta. Era bem diferente do que uso no dia-a-dia, mas também me sentia bem vestida dessa forma.

Sentei em minha cama e resolvi abrir o envelope que havia me causado aquela sensação estranha que se manteve pelo resto do dia. Puxei minha bolsa e o tirei. Respirei fundo. Acabaria ali o mistério. ...