Os Jogos De Annie Cresta escrita por Annie Azeite


Capítulo 9
VIII — Favorita de Finnick


Notas iniciais do capítulo

“— Então, como é que elas pagam pelo prazer da sua companhia?
— Com segredos. — diz ele suavemente.” Em chamas, capítulo 15, página 222.



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Eu contorno o peito despido de Finnick com os dedos, seguindo a linha de sua clavícula enquanto o observo dormir. Seu rosto está mais sereno do que eu jamais vi, sem a eterna ruga de preocupação que se forma entre suas sobrancelhas. Lembra-me o meu amigo de antes de tudo. Antes de, inclusive, ser vitorioso. Não me atrevo a acordá-lo, poderia contemplá-lo desta forma para sempre. Finnick, entretanto, pestaneja e abre os olhos devagar.

— Bom dia, peixinho! — Ele se curva para um beijo breve. — Teve uma noite agradável?

— Até que foi divertida... — brinco, ainda que ruborize com a lembrança. — Mas não possuo jóias ou presentes para recompensar a sua companhia.

Ele ri e balança a cabeça em negação.

— Está enganada, Finnick Odair não recebe jóias como recompensa — corrige zombeteiro.

— Então o que seria?

Aproxima os lábios de meu ouvido, provocando um arrepio capaz de eriçar os pelos de minha nuca.

— Segredos — sussurra devagar.

— Segredos? — pergunto intrigada, não conseguindo conter minha frustração.

— Sim, segredos — repete e se afasta a fim de me olhar melhor. — Não os subestime, podem ser bem valiosos.

— Não estou subestimando nada, apenas não terei como pagá-lo. Não guardo segredos de você, Finn.

Ele abre um largo sorriso.

— Pois bem, você me deve um agora. Irei cobrá-lo algum dia e você terá mais um motivo para retornar para mim.

É claro! Eu me empenharei em sobreviver à arena para debitar uma dívida idiota, penso ironicamente. Porém, antes que eu possa dizer alguma coisa, somos interrompidos por batidas à porta e Finnick autoriza a entrada de quem quer que seja. Recomponho-me na cama, endireitando a postura e cobrindo as pernas expostas.

— Senhorita Cresta! — exclama Ocella aborrecida. — Eu a procurei por toda a parte!

— Oi — cumprimento hesitante.

— Você está atrasada. Temos de prepará-la para a entrevista e depois você pode se divertir com seu mentor novamente. — ela me arrasta pelo braço, apressada — Como espera que a deixemos completamente radiante em algumas horas?

Identifico a risada de Finnick ao fundo.

— Te vejo na entrevista, Finn — digo por cima do ombro, enquanto sou conduzida por minha histérica estilista.

— Tudo bem, Annie. — Posso ouvi-lo do corredor. — Até mais tarde!

A equipe de preparação trabalha em mim até o final do dia. Meu bronzeado característico do Distrito quatro é realçado com algum tipo de solução pigmentada e meus cabelos nunca foram tão sedosos e brilhantes. Levo vários tapinhas de Ocella toda vez que tento deslizar meus dedos entre as mechas para sentir a maciez.

— Não ouse estragar meu penteado, sua criaturinha inquieta — ela me repreende.

Observo novamente meu reflexo no espelho e não identifico penteado algum. Alguns fios do topo cabeça estão presos por grampos na lateral e o restante do cabelo cai em ondas sobre o meu busto exposto.

— Levante os braços, querida — ordena a assistente de cabeça raspada e olhos de gato.

O restante dos meus preparadores aprisiona-me em um espartilho tão apertado que mal posso respirar ou mover os braços e, em seguida, desliza um vestido azul por cima da cabeça até que se ajuste à minha silhueta. Tenho a impressão de que os desenhos cintilantes em forma de ondas se movimentam toda vez que inclino o rosto ou alterno o ângulo de visão.

— Agora o toque final! — Ocella encaixa, cuidadosamente, uma tiara de pérolas e topázios azuis no topo de minha cabeça. — Você está magnífica! Fiz um excelente trabalho aqui.

Eu agradeço a todos e me despeço do time de preparação. Dirijo-me até a porta do elevador onde Noah, Finnick e Mags me aguardam, todos devidamente arrumados para a ocasião. Desta vez, até o desaparecido Éolo está presente. É claro, ele só aparece pelas câmeras e não por mim.

— Isso já deve estar um pouco repetitivo, mas você está linda — Finnick observa.

Tenho vontade de retribuir o elogio ao vê-lo deslumbrante — em sua bata de tecido tão fino que emoldura o abdome definido —, mas me contenho, devido à presença dos demais.

— Isso já deve estar repetitivo — Noah utiliza a mesma entonação do mentor —, mas eu estou ridículo!

A apresentação de meu aliado não é de todo o ruim, acredito que as mangas largas realcem a silhueta levemente esguia, fazendo-o parecer mais forte do que realmente é. Algumas mechas de cabelo estão trançadas e presas atrás da orelha, disfarçando o volume e lhe conferindo um certo charme.

— Pense positivo. Pelo menos, essa roupa não tem paetês — ironizo, como brincaria com Finnick ou algum amigo.

— Eu estou usando collant! Minha irmã mais nova usava um desses para dançar. Você tem noção do quanto incomoda?

Eu rio do comentário e uma guerra interna se forma em minha cabeça. Tenho aquela sensação esquisita de que algo está errado. Eu não posso gostar de Noah, não quando ele precisa morrer para que eu viva. Mas como posso odiá-lo ou desejar sua morte? Ele é alguém que eu poderia, facilmente, ter como amigo... se não estivéssemos nesta situação delicada.

As portas automáticas se abrem rapidamente, despertando-me como um alarme de relógio. Dou um último beijo em Finnick — manchando sua boca com o meu batom — e, em seguida, saio do elevador.

— E ah! Na entrevista, seja você mesma — lembra meu mentor, enquanto limpa o azul dos lábios. — A velha e boa estratégia da garota tímida. Nunca falha!

Assinto com a cabeça e me junto aos outros tributos para entrar no palco. Seguimos educadamente em fileira como patos caminhando para a mesa de jantar. Algo me faz imaginar o velho senhor Eustáquio, o criador de aves do meu distrito, com um cutelo e um saco de bicos e penas no final da fila, no entanto, quem nos recebe é o excêntrico apresentador de cabelo colorido da Capital. Em vez da faca retangular, possui um microfone.

Os estilistas e escoltas recebem lugares privilegiados na primeira fileira e consigo avistar o chapeuzinho brega de Éolo e uma entusiasmada Ocella acenando para mim. O lugar de Finnick, logo atrás, ainda está vago e procuro, inutilmente, seu rosto na multidão. A Cidade Circular está completamente lotada e todos estão ansiosos para conhecer os tributos deste ano. É hora de descobrir por quem vão torcer, desejar a vitória ou, até mesmo, derramar lágrimas nesta Septuagésima Edição dos Jogos Vorazes. A minha sobrevivência depende, basicamente, do quanto eu vou conseguir conquistar essas pessoas hoje.

Caesar Fickerman, em seu usual terno azul-marinho e o cabelo rosa chiclete para a ocasião, conduzirá as entrevistas. Ele chama os tributos em ordem crescente de distrito e os permite seus três minutos de fama. Faz piadas e elogios, parece até se divertir com o que cada um tem a dizer. Como sou do quarto distrito, não terei de aguardar muito até a minha vez. Contudo, a espera reduzida não me impede de bater os pés incessantemente contra o assoalho lustroso e lutar contra a ânsia de roer as unhas impecáveis. E se o público me achar... entediante?

Poucos minutos se passam e caminho até o centro do palco para a minha entrevista. Minhas pernas me obedecem contrariadas e eu conquisto o feito extraordinário de não tropeçar. Estou nervosa por todos olhos atentos que me observam, não só aqui na Capital, mas em todas as casas dos cidadãos de Panem.

— Annie, doce Annie... — O homem de cabelo rosa beija o dorso de minha mão como cumprimento. — Ainda mais bela pessoalmente.

Sinto o fluxo quente de sangue em minhas bochechas, fazendo-as corar.

— Obrigada. — Sorrio sem graça, lutando contra o desejo de esfregar a marca pegajosa de batom que seus lábios deixaram em minha mão. — É um prazer!

— Vocês não concordam? — Caesar entoa para a plateia.

Ele dá uma gargalhada forçada e estende o punho cerrado, sinalizando que os assobios e gritinhos silenciem. Contemplo a minha imagem nos televisores: o espartilho define melhor a minha silhueta e o tecido leve da saia oscila com o menor dos movimentos.

— Você pode nos agraciar com a sua beleza? — Ele traça um circulo com o dedo indicador, pedindo que eu dê uma volta.

Eu giro devagar sobre meu próprio eixo, fazendo as ondas brilhantes de minha roupa se moverem e, embora eu não consiga identificar muita coisa por conta do meu próprio movimento, acho a cena realmente bonita vista do grande televisor.

— Que lindo vestido! — ele exclama. — Quase tão belo quanto a dona!

— Minha estilista fez um ótimo trabalho — reconheço. — Obrigada.

Caesar se senta em sua cadeira e estimula o público que assobia e grita elogios.

— Mas, conte-me, senhorita Cresta... — Faz sinal para que eu me acomode à cadeira. — O que está achando da Capital?

— Muito extravagante... É tudo grande aqui — respondo de forma sincera, tentando não desdenhar o lar de meus anfitriões. — Prefiro o meu distrito que é mais simples e acolhedor.

Espera, eu penso. Eu precisava dizer que a Capital é perfeita, não?

— Ah! As belas praias do Distrito Quatro... — Caesar suspira nostalgicamente como se, realmente, as tivesse visitado. — Do que sente falta de lá?

— Hm... De tudo! Do mar, dos barcos, da minha família. — Contenho-me, uma vez que meus olhos são umedecidos pelas memórias boas. — Exceto peixe — acrescento antes que o apresentador preencha o silêncio com alguma piada sem graça. — Nós almoçamos, jantamos e lanchamos peixe lá no Quatro. Prefiro comer meu próprio braço a comer peixe novamente.

Flickerman bate nos próprios joelhos enquanto dá uma gargalhada com mais entusiasmo do que o meu comentário merecia. A plateia o acompanha.

— Ela não é uma graça? — aclama para o público.

Em alguns segundos, as risadas cessam e Caesar toca o queixo pensativo, aguardando a atenção do auditório.

— Eu ouvi boatos, senhorita Cresta. — Ele afofa o topete do cabelo enquanto faz uma pausa teatral. — Boatos de que o nosso querido Finnick Odair, que por acaso também é o seu mentor, possui uma favorita!

O público feminino solta alguns suspiros pela breve menção de Finnick e as câmeras desviam para ele. Está lá, eu não o tinha visto chegar. Encontra-se curvado para frente numa saudação e sorrindo para o público. Eu me concentro no Finnick na platéia em vez de assisti-lo pelo telão, mas ele não distancia os olhos das lentes por um segundo. Há um grande alvoroço enquanto sua imagem é exibida na grande tela e Caesar precisa pedir por silêncio para que prossiga a entrevista.

— O que tem a dizer sobre isso, senhorita?

Tento parecer indiferente.

— Ah, Caesar. Bobagem a sua. Não existem favoritas para Finnick Odair. — Encorajo o público com um sorriso. — Toda aquela que valha seu tempo receberá a devida atenção.

Ninguém pode tê-lo para sempre, eu penso. Nem mesmo eu. O seu amor não transcende a finitude dos meus dias e, como todas aquelas que já foram uma vez agraciadas pela sua companhia, eu serei afastada para sempre. Sou privada de envelhecer ao lado daquele que amo, mas, sobretudo, de envelhecer.

— Esplêndido! Esta foi Annie Cresta — encerra Flickerman, pedindo palmas. — Annie Cresta, a favorita de Finnick!


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Notas finais do capítulo

"Ninguém retém seus favores por muito tempo. Ele consegue passar por quatro ou cinco em sua visita anual. Novas ou velhas, linda ou comuns, ricas ou muito ricas, ele as acompanha e recebe seus presentes extravagantes, mas nunca fica e, uma vez que parte, nunca volta". Katniss sobre Finnick Odair, em "Em chamas". Pagina 223.
— Azeite.



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